Por Rangel Alves
da Costa*
Sua porta
parece estar no destino de qualquer um. Por mais que rodeios sejam feitos, por
mais que outros caminhos sejam escolhidos, mas não tem jeito. As forças
conduzem e reconduzem, fazem voltar, dar volteios e passar bem defronte à sua
porta.
Passa uma estrada
defronte à sua casa. Mesmo que após a porta haja um jardim esturricado e mais
adiante uma cancela, ao seguir pela estrada e olhar na direção é como se
estivesse diante de sua porta. Diante e batendo para ver se você vem abrir a
porta. Ou talvez a janela.
Todas as vezes
que faço aquele percurso fico imaginando porque só encontro o silêncio ao
redor. A porta e a janela sempre estão fechadas, não há cachorro ou gato dando
vida ao lugar, não há um semblante escondido por trás das frestas. Ao menos
assim imagino.
Mas sei que
ali a sua porta e a sua janela e também sei que você está lá. Na verdade, não
tenho certeza, pois jamais vi além de uma miragem surgindo dentro do quarto
escurecido no único instante em que a janela foi avistada entreaberta.
Por encanto,
talvez um interesse que não sei bem explicar, mas já deixei flores no umbral da
janela e até joguei um bilhete pela fresta. Não sei se o bilhete foi encontrado
e lido, mas as flores não foram mais avistadas assim que fiz o caminho de
volta.
Nunca ouvi,
mas dizem que após o entardecer, outras vezes já na noite fechada, uma bela voz
entoa uma velha canção de amor. Mas de um amor triste, muito triste. Também
dizem que quem passa pela estrada dos fundos da casa ouve vozes quase
sussurrantes levadas pela ventania.
Já tive
vontade de descer do cavalo, ultrapassar a cancela e seguir diretamente até sua
porta. E bater e bater, e chamar e chamar. Dizer qualquer coisa, que estou com
sede e preciso de um pouco de água, dizer que trago notícias boas, dizer que
preciso encontrar quem mora ali.
Mas nunca tive
coragem. Quer dizer, coragem não falta, mas realmente não sei o que fazer se
alguém responder lá de dentro e vier abrir a porta. Fico imaginando o espanto
de encontrar a sua feição, de avistar a sua tez, de sentir a sua presença.
Na verdade,
por mais que afirmem com certeza haver vida morando ali, a sua presença talvez
seja muito mais fruto de minha imaginação. Apenas imagino uma coisa que pode
não ser confirmada, apenas idealizo uma situação que pode não existir. Mas de
qualquer forma haverei de confirmar qualquer dia.
Pensando bem,
muito estranho que tudo aconteça assim, mas a verdade é que toda vez que passo
diante de sua porta e janela me vejo atraído pela sua feição desconhecida. E me
vem uma feição bela, encantadora, angelical, como a mais bela em toda face da
terra.
Mas como poderia
ser assim, se durante todo tempo permanece fechada e sem que o sol aqueça o
corpo e permita uma tez de vivacidade ao rosto? Como poderia se conservar tão
angelical se não abre a porta para receber o ar da manhã, para caminhar pelos
campos, para colher frutas da estação?
Tudo continua
um grande mistério, mas sei que está lá, que vive lá dentro, porque ouvi muitas
histórias dando conta de sua presença. Dizem que escolheu a solidão do mundo
depois de uma grande desilusão, dizem que assim permanece depois que seus pais
faleceram e a deixaram como promessa ao silêncio. Mas dizem tanta coisa.
Também não sei
sua idade, a cor de seus olhos, o seu jeito de ser. Conheço apenas o seu jeito
de viver, que é fechada numa casa velha, triste, abandonada, no silêncio e na
solidão dos tempos. E também que talvez aviste o mundo adiante pelas frestas da
madeira. Nada mais sei, mas como gostaria de saber.
Juro que tenho
medo de passar diante de sua casa e encontrar a porta e a janela abertas. E
temo ainda mais não encontrar mais ninguém lá dentro. Não sei por que acontece
assim, mas talvez eu tenha aprendido a amar o desconhecido, o mistério, o
inacessível.
Melhor que
seja assim. Que eu continue passando diante de sua casa, de sua porta e janela
fechadas, apenas imaginando que está tão bela lá dentro. Talvez seja esta a
razão de um amor desconhecido e tão verdadeiro.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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