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quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

O REI ANTES DE LAMPIÃO

por Paulo Goethe

Antes de Lampião, ele era o cangaceiro mais famoso e seu apelido mais conhecido foi “Rifle de Ouro”. Nascido no dia 2 de dezembro de 1875, em Afogados da Ingazeira, Manoel Batista de Morais entrou para a história nordestina como Antonio Silvino. Durante 16 anos, driblou a polícia, praticou saques e assassinou inimigos, mas era tratado pelos poetas populares como um “herói” por respeitar as famílias.

O personagem voltou a ficar em evidência porque em 28 de novembro completaram-se 100 anos da sua celebrada captura. A data foi marcada pelo lançamento do livro Theophanes Ferraz Torres - O centenário da prisão do cangaceiro Antônio Silvino e o julgamento do século, escrito por Geraldo Ferraz de Sá Torres, descendente direto do militar responsável pela detenção do cangaceiro e que depois se bateu com Lampião.

Ainda jovem, Manoel Batista de Morais integrou o bando liderado por seu tio, Silvino Aires Cavalcanti de Albuquerque. Com a prisão deste em Custódia, assume o comando e muda o nome e sobrenome, homenageando o parente.

Antônio Silvino entrou para o cangaço aos 21 anos de idade, com o irmão, Zeferino, depois da morte do pai, Batistão do Pajeú, em plena feira de Afogados da Ingazeira, em dia 3 de janeiro de 1897. Procurado pela polícia, Batistão ousou entrar na cidade no dia mais movimentado da semana e foi alvejado por um tiro de bacamarte disparado por Desidério Ramos, desafeto e contratado pelo coronel Luís Antônio Chaves Campos, chefe político local.

Silvino e o irmão juraram vingar a morte do pai, assaltando e matando todos os que colaboraram com o mandante do crime. “Para o sertanejo não havia justiça. Se um parente era morto, de imediato lhe sobrevinha o ‘direito’ de pôr termo à vida do assassino. Por vezes, essa vingança implicava em cruzar um punhal à cintura, portar rifle e munição, usar um chapéu de couro de aba batida. A cada crime não punido pelas instituições policiais e judiciárias, em regra, lançava-se a semente de um futuro bandoleiro profissional”, narra Sérgio Augusto de Souza Dantas em Antonio Silvino: o cangaceiro, o homem, o mito, uma das mais completas biografias sobre o “Rifle de Ouro”.

Mesmo tendo participado de um ataque à usina Filonila, em 1899, no qual resultou na morte de uma menina de 13 anos, filha do coronel Antônio dos Santos Dias, a fama de Antonio Silvino apenas cresceu como “bandido cavalheiro”. Em 1903, o Jornal Pequeno, do Recife, publica a sua foto. No ano seguinte, Francisco das Chagas Batista lança o cordel A canção de Antônio Silvino, que teve grande vendagem.

A invencibilidade de Silvino terminou no dia 28 de novembro de 1914, quando ocorreu o seu último tiroteio com a polícia. Atingido no pulmão direito, resolveu se entregar. Da cadeia de Taquaritinga seguiu, dentro de uma rede, até a estação ferroviária de Caruaru, onde um trem especial da Great Western o levou para o Recife. Uma multidão o aguardava na Casa de Detenção, atual Casa da Cultura.

“Fora destronado o Átila bronco que, durante dois decênios, apavorara a gente matuta do meio-norte e assoalhava não ser passarinho que morasse entre grades… Por trinta anos ia se fechar atrás dele o portão da Penitenciária de Recife!”, assinala, em seu estilo característico, o cearense Leonardo Mota, autor de No tempo de Lampião, publicado ainda em 1931.

Antonio Silvino tornou-se o detento número 1.122, condenado a 39 anos e quatro meses de prisão. Em 4 de fevereiro de 1937, depois de vinte e três anos, dois meses e 18 dias de reclusão, foi indultado pelo presidente Getulio Vargas. Na foto de sua saída da prisão publicada no Diario de Pernambuco aparece um senhor de cabelos brancos, de chapéu e bengala abaixo do título: "Antonio Silvino foi, hontem, restituido ao convivio da sociedade". O ex-rei do cangaço morreu em 30 de julho de 1944, aos 68 anos de idade, em Campina Grande, na casa humilde de uma prima, sem deixar nada para inventário, além da própria história.

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