Por Anildomá Willans de Souza
(Extraído do livro LAMPIÃO. NEM HERÓI NEM BANDIDO. A HISTÓRIA, de Anildomá Willans de Souza)
No capítulo de
hoje – HISTÓRIAS DO CANGAÇO - RUMO AO MASSACRE DE ANGICO – vamos conhecer uma
curiosidade do cangaço, pouco abordado pelos Historiadores, mas que é de
notório saber nas ribeiras do Pajeú.
O PRIMEIRO
TIRO - Depois de um dia espichado de trabalho, em que as famílias e
amigos se acomodam nos bancos e tamboretes nos alpendres das casas, saboreando
um café torrado no caco e adoçado com rapadura, seguido de umas gostosas
baforadas de cigarro de palha, os assuntos fluem com toda naturalidade, quer
seja comentando fatos da atualidade, mexericos ou causos e exemplos do passado.
As conversas
vão e vem, e vez por outra, qualquer matéria que se aborda, alguém tem na ponta
da língua um causo que envolve o nome do Padre Cícero ou Lampião.
Aí já é mote
pra todo mundo depor alguma passagem que seu avô ou avó presenciou, tendo um
dos dois personagens citados como protagonistas.
E é justamente
nestas histórias que quero me agarrar para trazer a tona às versões que
escutamos a respeito do motivo de ter levado Virgolino a se tornar o
Lampião.Isto é, como começou sua briga com Zé Saturnino, primeiro passo para
tornar-se cangaceiro.
As conversas
são muitas e todas têm seu fundo de verdade.
Entre um gole
e outro de café, entre um cigarro e outro, as variantes vão tomando conta do
tempo.
Pelo menos uma
coisa temos certeza, que não foi um só incidente que rompeu os laços de amizade
entre a família Ferreira e Zé Saturnino com os Nogueiras, e sim um aglomerado
de acanhadas desavenças.
Muitas pedras
foram postas nos caminhos dos dois:
Como falamos
anteriormente, a família Ferreira, tinha como patriarca José Ferreira, que
morava com a mulher e os filhos no Sítio Passagem das Pedras.
Tinha como
vizinho o patriarca dos Alves de Barros, Saturnino Alves de Barros, da fazenda
Pedreira, casado com Alexandrina, carinhosamente chamada de Dona Xanda.
Tamanha era a
amizade destas famílias que este casal era padrinho de Antonio Ferreira, irmão
mais velho da irmandade dos filhos de José Ferreira.
As residências
de ambos tinham apenas uns setecentos metros uma da outra.
Pais amigos.
Filhos amigos.
Era uma
relação amistosa.
Por serem tão
vaidosos
Os Ferreira
sempre andavam
Muito
cheirando a perfume
Que nas
viagens compravam
E todas festas
que iam
As moças lhes
perseguiam
E só a eles
paqueravam.
Além da boa
aparência
Que despertava
atenção
Vestiam
melhores roupas
Das feiras da
região
E sempre que
viajavam
Por onde eles
passavam
Sobrava
admiração.
Com isso
outros rapazes
Sentiam-se
enciumados
Vendo a fama
dos Ferreira
Crescendo em
todos os lados
Só pensavam na
má fé
Procurando
qualquer pé
Para acusá-los
de culpados.
(Gilvan
Santos)
Juntos iam às
festas em Vila Bella, Floresta do Navio, Nazaré do Pico, São Francisco, São
João do Barro Vermelho, nas demais fazendas quando por qualquer motivo
comemoravam algo.
Trabalhavam
nas lavouras.
Pegavam bois
na caatinga, vestido num gibão, sem medo de enfrentar a agressividade daquelas
brenhas.
Entre as
amizades destacava-se a de Virgolino com José Alves de Barros (1).
Estes dois
viviam emparelhados, desfrutando da juventude e todo divertimento nas
redondezas.
Mas, pequenos
detalhes indesejados começaram a fazer a diferença na camaradagem.
Dois jovens
temperamentais, impulsivos e donos de si, iam, aos poucos, arranhando a
afeição.
Fatos como:
Um certo tempo
os dois selavam seus cavalos e embocavam no mato procurando um determinado
garrote brabo.
Fizeram isto
dias a fio e nada de encontrarem o bicho.
Certa tarde,
após voltarem de mãos abanando, sem sucesso da pega, combinaram que só iriam
continuar a busca dois dias pra frente, por que Virgolino iria cuidar de outros
afazeres.
Tudo
combinado.
Só que no dia
seguinte José Alves de Barros - que entrou pra história com o nome de Zé
Saturnino - preparou sua montaria e danou-se na caatinga e, por pura sorte, não
precisou procurar muito, encontrou o tal garrote, laçou, dominou e chegou em
casa vitorioso.
Quando
Virgolino soube do acontecido ficou irado com o parceiro, alegando não ter o
mesmo cumprido o combinado, conforme dito no dia anterior.
Outra
ocorrência serviu de tempero para dar gosto neste burburinho:
Foi numa festa na
fazenda São Miguel. Gente de toda redondeza estava lá. Antonio Ferreira vinha
chegando montado num cavalo e riscou o animal, acidentalmente, em cima, quase
atropelando, Zé Saturnino. Foi um fuzuê danado. Os presentes contornaram
o entusiasmo dos dois e ficou o dito pelo não dito... ou, o feito pelo não
feito. As horas foram passando, a festa corria animada com os comes e bebes,
muita cantoria e conversas. Tudo parecia tranquilo. Antonio montou novamente no
animal, repetiu a cena da chegada e disse desafiando:
“- Da primeira
vez não foi por gosto, mas agora é. Esse cavalo que vocês reclamam que não
presta e que vive correndo atrás das éguas da vizinhança, é o que
melhor serve pra minha montaria e pra cruzar com sua mãe e suas irmãs!”
Meteu as
esporas no vazio do animal e saiu em disparada soltando gargalhadas. Os que
ficaram, não acharam graça nenhuma. Viam, claramente, que boa coisa não estava
pra advir.
CONTINUA...
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