Por José Gonçalves
do Nascimento*
Rua Onze de
Agosto, centro da capital paulista. Esta pequena via, encravada entre antigos e
suntuosos edifícios, entre os quais o da sede do Tribunal de Justiça de São
Paulo, foi, outrora, protagonista de um dos episódios mais patéticos da
história do Brasil.
Era o ano de
1897. A Guerra de Canudos aterrorizava o sertão da Bahia, mobilizando enormes
contingentes militares, que, ao fim de onze meses de renhida batalha, acabaram
por varrer do mapa a aldeia sagrada de Antônio Conselheiro.
Dentre as
sucessivas expedições enviadas ao sertão pelo governo da república, estava
aquela comandada pelo temeroso coronel Moreira César, celebrado, até então,
como o mais habilitado na "arte da guerra". Contrariando toda
expectativa, tal expedição não logrou o êxito que se esperava, deixando-se
bater pelos canudenses antes mesmo de penetrar o arraial conselheirista. Ao
tentar invadir o reduto dos sertanejos, num arroubo ao mesmo tempo de soberba e
imprudência, foi Moreia César ferido por bala mortífera, sendo seu cadáver
deixado à beira de pedregosa vereda, nos arredores de Canudos.
É aqui que
começa a patetice desse episódio.
Disseminou-se
Brasil afora a notícia de que um certo Arnaldo Roque, ou Cabo Roque, havia sido
fulminado por bala “jagunça”, enquanto abraçava, num gesto de cega fidelidade,
o cadáver do malogrado coronel.
Jornais de
todo país reverberaram peças laudatórias em honra do abnegado Roque. Gabos e
louvores vinham de toda parte, enaltecendo o herói que se tornara celebridade
de um momento para o outro.
O jornal A
República, de 15 de março (1897), não economizou palavras: “Moreira César,
disciplinador inexorável, era de tal modo querido que ao lado do seu cadáver
surge uma figura ideal de abnegação e de heroísmo – a desse Arnaldo Roque, nome
que deve ser ensinado a nossos filhos, e aos filhos de nossos filhos, como uma
legenda republicana. Quando a gratidão nacional erguer na praça pública o
monumento que deve à memória de Moreira César, não há de faltar, no bronze
glorioso, a figura épica de Roque”.
Na edição de
26 do mesmo mês, O País, outro jornal de orientação republicana, informava ter
recebido, proveniente de coleta realizada entre pios cidadãos, a importância de
220 mil Réis, a ser destinada à “família do denodado e valente Cabo Roque, o
heroico soldado que recebera a morte quando guardava o corpo inanimado do bravo
coronel Moreira César”.
A morte
heroica de Roque entrava na ordem do dia. Nas igrejas, fiéis contritos choravam
o desaparecimento do novo mártir da república; nas câmaras municipais moções de
pesar se multiplicavam a todo instante, em memória do pranteado brasileiro.
Em cidades
importantes do Brasil, praças e ruas tiveram seus nomes trocados pelo o do
intrépido e valente Cabo Roque. Logradouros tradicionais eram rebatizados,
adquirindo a marca do herói de Canudos.
A lenda,
todavia, não demorou a desfazer-se. Para desespero dos republicanos, ainda no
dia 26 de março, o Jornal do Comércio assim noticiava: “O Cabo Roque, o
glorioso cabo Roque, morto depois de ter acabado a munição, defendendo como um
cão fiel o cadáver de Moreira César, o Cabo Roque glorificado pelos jornais de
todos os quatro ventos da América do Sul, que já tem uma praça em Campos com o
seu nome – praça cabo Roque – em cuja esquina em letras brancas a Câmara mandou
fixar uma placa memorável, o Cabo Roque acaba de aparecer são como um pero e
salvo como um arrependido em Queimadas!”
No dia 4 do
mês seguinte, informava a Gazeta de Noticias, que, em conversa com o engenheiro
Teive Argollo, Roque declarara “que fazia parte do grupo que conduzia em uma
padiola o cadáver do coronel Moreira César, quando os jagunços atacaram o
grupo, sendo obrigado com os seus companheiros, para escapar à morte, a abandonar
o corpo no mato; que não se abraçou com o cadáver do coronel; o que fez foi
fugir com os seus companheiros”.
Deste modo,
reaparecia vivíssimo o famigerado Cabo Roque, “vítima da desgraça de não ter
morrido, trocando a imortalidade pela vida”, nas palavras de Euclides da Cunha.
Retornemos,
então, à aprazível rua Onze de Agosto. Denominada, na época, de rua do Quartel,
foi ela rebatizada de rua Cabo Roque, como ocorrera a tantas outras país afora.
Superada a farsa e desmascarada a campanha republicana em torno do pérfido
herói, foi a antiga via de novo batizada, ganhando a atual denominação: rua
Onze de Agosto.
Que papelão!
*Poeta e
cronista
jotagoncalves_66@yahoo.com.br
jotagoncalves_66@yahoo.com.br
Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço José Romero Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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