Por Rangel Alves
da Costa*
As roupas e os
varais bem sabem da ventania que chega levando tudo. As folhas secas e os
restos de mato conhecem bem o poder da ventania. As portas e janelas
entreabertas não permanecem quietas sem que a ventania chegue forçando tudo. E
o homem, o ser humano, conhece o que dessa ventania?
Os olhos
entristecem com a passagem do vento forte. Ele nunca vem só, ele nunca passa
açoitando sozinho. Vem trazendo consigo todo um restante de outono, todas as
notícias distantes, um monte de coisas frágeis e desconhecidas, que vão
seguindo adiante sem tempo de dar adeus. Porém sem antes deixar suas marcas
profundas.
A ventania vem
varrendo tudo, vem chegando amedrontando tudo. As folhas se apegam aos galhos
temendo serem levadas, os troncos se agarram às raízes com medo de irem ao
chão, os varais se atormentam receando o pior, as casas abertas se assustam com
o uivo ruidoso e a insensibilidade do açoite perante os cortinados, os jarros e
as flores de plástico.
As saias
levantadas, os chapéus subindo aos ares, os cabelos desfeitos e os papéis
levados das mãos, não representam quase nada perante o que a ventania pode
transformar nas vidas humanas. Não que passe como furacão, como vendaval ou
tornado, mas quando apenas sopra a sua força perante os sentimentos. Sim, pois
a ventania possui maestria em se fingir de açoite para se apresentar diante do
ser como algo intimamente atormentador.
E de repente
vem a saudade como ventania em furor. Os entes queridos que partiram, os passos
passados da vida, as outras idades que tanto fazem recordar, os amores
desfeitos que retornam como retratos emoldurados. Aquele adeus jamais
esquecido, aquela palavra que ainda continua ecoando no pensamento, as flores
que morreram diante do olhar. E quanto mais o vento sopra mais chegam as
imagens, as relembranças, as dores e os sofrimentos.
A ventania tão
esperada e que sempre chega ao entardecer. Qualquer brisa que sopre é logo
transformada em açoite maior, voraz, devastador. Deseja que seja assim porque
imagina ser neste momento a oportunidade de deixar à janela o que acumulou como
tristeza do dia. Imagina que a ventania leva a solidão, o medo de não namorar,
a falta de beijo e de abraço, as carências tantas que tanto atormentam. E às
vezes, naqueles dias onde a desesperança se transforma em aflição, dá mesmo
vontade de subir ao monte, abrir os braços, e deixar que a ventania a leve para
onde quiser. Apenas uma folha morta, é o que sente ser.
E vem o vento
manso cantando uma velha canção. E vem o vento leve trazendo um poema em folha
solta. E vem o vento faceiro trazendo um buquê perfumado para deixar à janela.
E vem o vento ligeiro, apressado, esbaforido, querendo logo chegar para sentir
a pele que se debruça à janela. Mas nunca é compreendido assim. Basta que
desponte, que se faça sentir, e tudo se transforma em pesar, em angústia, em
melancolia. E o que era vento logo se transforma em feroz ventania, como se no
seu açoite estivesse toda a culpa pelos infortúnios da vida.
As vidas ao
vento pela idade, pelo cansaço, pela caminhada na estrada. Quando o sol vai
perdendo o calor e as sombras se avolumam pelos arredores, então as calçadas,
os sombreados das mangueiras e jaqueiras, os cantos rentes às janelas e os
aconchegos dos quintais, logo vão recebendo cadeiras de balanço para os
instantes de paz. Mas eis que a aragem fresca ou a brisa mansa logo dá lugar à
ventania. E assim acontece pelos açoites que chegam nas memórias, nas
recordações, nos retratos e fotografias que ressurgem nestes momentos. Vento em
fúria, também um mar que vai escorrendo pelos olhos sem luz e pelas faces
marcadas de tempo.
O vento sopra,
a ventania a tudo esvoaça. Os varais soltam suas roupas e se deixam entristecer
pela solidão. Espera que uma força maior lhes arranque da terra e os deixem ao
sabor do sopro feroz. Mas a ventania segue adiante, enquanto outra vem trazendo
uma carta de muito distante: por enquanto adeus, diz a última frase trêmula
pelo vento que chama.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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