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domingo, 20 de março de 2016

JORNAL "O GLOBO" - 29/04/1930 FLAGRANTES DE UMA VERGONHA NACIONAL

Material do acervo do pesquisador Antônio Corrêa Sobrinho

O chefe da polícia baiana confessa, em documento público, que as populações do interior acolhem “Lampião” e hostilizam as forças legais!
Onde se encontram algumas razões do fenômeno.

Lampião não é, para nós, um simples caso, isolado e corriqueiro, do banditismo nordestino. Tem, infelizmente, mais profunda e mais triste expressão: - encarna o fenômeno pungentíssimo de uma raça forte, cujo caráter se esboroa, rapidamente, no tumulto dos instintos irrefreados. Só por isso tem fugido ao noticiário seco dos casos policiais, vindo figurar por mais de uma vez na seção opinativa do GLOBO. Bem assim o Dr. Madureira de Pinho não nos interessa precisamente por ser o secretário de Segurança Pública da Bahia, senão porque nele vemos, através de uma ação inútil de dois anos contra o bandoleiro, um símbolo da inabilidade com que tem sido tratado, por todos os governos, o cruciante problema do cangaço no Nordeste. Desse modo, o seu recente relatório ao presidente Vital Soares, sobre os negócios daquela pasta administrativa do Estado, passaria imune de comentários, a não ser os que fossem, porventura, inspirados pelo aticismo da forma e pureza da linguagem, se, como de tantas outras ocasiões ao tratar do bando facinoroso, não houvesse S. Ex. se referido com amargura mal dissimulada, aos “rincões sertanejos onde a mentalidade das suas gentes por fatores múltiplos, facilita o acesso do bandoleiro, entravando como pode a ação das forças perseguidoras”. Não o negamos. Antes, mesmo, de qualquer palavra oficial, já o afirmáramos, claramente destas colunas, frisando que o caso com certeza “uma alarmante inversão de sentimentos”. Entretanto, o Sr. Madureira de Pinho parece ignorar – porque os não cita – quais sejam os tais “múltiplos fatores” de proteção dispensada pelos sertanejos aos cangaceiros, em vivo contraste com a hostilidade votada à tropa. É, de resto, a cantilena de todos os governos do Nordeste e do Norte, em relação ao assunto. E, para que não continuem em tão feia ignorância, aqui os instruímos convenientemente.

Tome o Sr. Madureira de Pinho um número da “Tarde”, órgão oficioso do situacionismo baiano, por isso que de propriedade do líder Sr. Simões Filho, e leia o que na edição de 28 de janeiro escreveu o Dr. Xavier da Costa, médico das forças lançadas no rastro de bandido que tem sido, sempre, uma voz serena e sincera no jornalismo local: - “Lampião distribuía prodigamente muito dinheiro pelos que dele se aproximavam, como aconteceu na noite em que este em Barro Vermelho”.

Depois pegue o mesmo vespertino oficioso de sua terra, de 25 do mesmo mês, e sinta o choque desta desumanidade: “O corpo levou insepulto oito dias, quando mandaram enterrá-lo”. “O corpo”, a que se refere ainda o Dr. Xavier, era o de “Gavião”, cabra de Virgulino, morto em combate. “Levou insepulto oito dias”. Então, “mandaram enterrá-lo”. “Mandaram”... alguém, alguma alma caridosa... Não a polícia, que é uma entidade definida não cabe referência tão vaga...

À vista desses paradoxos estonteantes, não havia, pois, porque se espantar o oficial que encontrou na capanga de Lampião, abandonada durante a luta, um livro com a expressiva dedicatória que o oficioso vespertino de propriedade do líder Sr. Simões Filho transcreveu, também: - “Ao intrépido forasteiro capitão Virgulino Ferreira, vulgo Lampião, com um abraço do amigo Jackson Alves”. Ora, aí estão, para o governo do secretário da Segurança Pública da terra que Lampião escolheu para seu atual “veraneio”, alguns dos tais “múltiplos fatores” que levam “a mentalidade” das “gentes” dos “rincões sertanejos” a facilitar “o acesso do bandoleiro, entravando como pode a ação das forças perseguidoras”!...

Observações:
1.O cangaceiro "Gavião", referido no artigo, é o de nome João de Maria de Pedro, do grupo de Lampião, tendo participado dos ataques às cidades de Dores e Capela, em Sergipe, e Queimadas, na Bahia. Foi morto pelo civil Domingos da Costa.

2.O livro citado é o que Lampião recebera de presente, do senhor Jackson Alves de Carvalho, comerciante de Capela, na investida deste bandoleiro contra esta cidade sergipana, no dia 25 de novembro de 1929.

A imagem é ilustração do Jornal.

"Trata-se do crânio de “Gavião”, o cangaceiro que levou oito dias insepulto, vendo-se, na parte inferior da gravura, o chapéu que usava aquele bandido, quando foi morto, a faca, por um vaqueiro."

Fonte: facebook
Link: https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste/permalink/455389731336643/

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