*Rangel Alves
da Costa
Sou autêntico
sertanejo - lá das distâncias bonitas e áridas de Nossa Senhora da Conceição de
Poço Redondo, no sertão sergipano - e sempre imaginei passar minha velhice
naquelas terras. Não na cidade, mas numa casinha no meio do mato, nas
vizinhanças da catingueira, do mandacaru, do xiquexique, do bicho da mataria.
Banhado de sol e de lua, na silenciosa paz dos ventos caboclos.
Mas duas
questões se impõem. A primeira diz respeito ao alcance da plena velhice. Já
estou envelhecido, mesmo passado tão pouco da casa dos cinquenta. E até a
velhice é um caminho ainda a ser percorrido. O problema é chegar até lá, ainda
que atualmente as pessoas vivam cada vez mais. Já a segunda questão envolve
situações que abismam todo o sertão: o medo e a insegurança.
A violência da
cidade espalhou-se por todo lugar. O medo está na rua, na estrada, no sítio, na
chácara, no casebre de beira de estrada, na pequena e grande propriedade, em
cada recanto e rincão. Ninguém mais vive sequer sossegado. De repente, arrombam
a porta, abrem a porteira, levam o que encontrar. A bandidagem de hoje não
poupa sequer a pobreza que vive nas casinhas distantes. Querem dinheiro, mas se
contentam em levar galinha, panela, penico, qualquer coisa, apenas pelo
instinto da prática do mal. E sem reação, sob pena de não amanhecer o dia.
Assim, diante
de tal quadro aterrador, cada vez mais vou revendo minha ideia de uma velhice
numa casinha no meio do mato. Ora, certamente vão querer levar minha rede,
minha moringa, meu pote, meu fogão de lenha, meus livros, meu caderno de
poesias. E o que é pior: meus pensamentos. E não há coisa pior na vida do que
se sentir subtraído naquilo que pensa, que faz, que escreve, que vive. Na
própria vida.
Então começo a
planejar algo muito diferente, mas bem ao modo do meu jeito de ser. Algo que se
distancie da realidade pavorosa, das correrias do dia a dia, dos barulhos, das
ignorâncias, das buzinas, dos medos a cada passo. Algo que seja silencioso como
eu gosto de ser, que seja solitário como eu gosto de estar, que seja meditativo
como eu gosto de fazer. Ou simplesmente distanciar-me de quase tudo.
E só há um
lugar que se ajuste aos dias de minha velhice: um mosteiro. Sim, um mosteiro,
ainda que eu nunca tenha sido monge, frade ou exercido qualquer tipo de
sacerdócio cristão. Como se sabe, mosteiro é uma construção, sempre nos
arredores ou mais distante das cidades, onde habitam os membros de uma ordem
religiosa. É ambiente de contemplação, oração, meditação, numa vida humilde, de
jejuns e orações. Um lugar mais que propício ao convívio comigo mesmo.
Certamente que
eu haveria de encontrar uma permissão especial para adentrar no mundo monástico
e fazer de lar o mosteiro. Difícil, mas não impossível. Recordo que o
historiador Hélio Silva, um ex-médico e jornalista, ao reconhecer-se envelhecido
e cansado dos absurdos da vida, um dia fez voto de pobreza e se recolheu ao
Mosteiro de São Bento, alçado a monge beneditino. E lá o grande historiador
encontrou a paz que tanto desejava.
Meu voto de
pobreza já pode ser dado desde já, pois tal voto não implica em ser rico e se
tornar pobre de hora para outra, mas em abdicar das materialidades do mundo, da
proximidade das riquezas e dos bens exteriores, fazendo de tal renúncia um modo
de humildade espiritual. E, acima de tudo, levar uma vida de devotamento e
meditação. Sair do mundo dos egoísmos e das vaidades e adentrar no silencioso
mundo da sagrada contemplação.
Preciso agora,
na velhice e sempre, encontrar o silêncio. Um silêncio entrecortado apenas
pelas vozes que eu mesmo deseje ouvir. Preciso meditar na vagueza dos silêncios
calmos, dos poentes sombreados, das velas chamejantes pelos altares. Preciso do
silêncio e dos eternos entardeceres de um mosteiro. E falar comigo, e falar com
Deus!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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