*Rangel Alves
da Costa
Filho de
Bastiana e Titó, quem chegasse ao casebre para visitar o menino e retornasse
alguns dias depois logo ficava acabrunhado. Alguma coisa estava errada com
aquela criança, é o que surgiria à mente. Quem já se viu um menino mudar tanto
dentro de poucos dias?
Na primeira
visita, e encontrava o menino alegre, sorridente, viçoso, cheio de vida. Mas já
na segunda visita e então avistava a criança mirradinha, sem cor, sem sorriso
algum, numa tristeza de dar dó.
Os pais logo
começaram a se preocupar com a situação do filho, desde o primeiro choro
chamado de João Buguelo. Como se sabe, no sertão buguelo é o termo usado para
se referir a menino novo, recém-nascido.
Mas a verdade
é que o buguelo de Bastiana e Titó não havia nascido como as demais crianças
sertanejas. Aquelas mudanças na feição, no peso, na cor, na disposição, só
poderiam ser por algum mal desconhecido. Então uma vizinha aconselhou a chamar
uma boa rezadeira.
Quando Zefa da
Serra chegou, a melhor e mais respeitada rezadeira da região, não demorou muito
e a senhora dos mistérios da natureza logo sentenciou: “Seu menino não tem
doença não. O que o seu menino sofre é de uma sina chamada sertão”.
Coitados dos
pais, não entenderam nadica de nada, sendo preciso que a rezadeira explicasse o
que significava tal sina que provocava aquelas estranhezas no menino. Então
Zefa falou:
“O seu menino
nasceu como se fosse a própria natureza do sertão. Dentre dele há a mesma seiva
da catingueira, do mandacaru, da planta do mato. Por isso é que ele está alegre
e em pouco tempo começa a murchar, a entristecer. Se chove e tudo começa a
verdejar, então o menino retoma a vida, se alegra, festeja. Mas se não cai
pingo d’água, então ele começa a mirrar. E agora peço a vocês que olhem como
tudo está tudo seco lá fora, tudo triste e desolado. O mesmo retrato de lá é o
retrato do menino. Se chover, não demora muito e ele se enche de vida
novamente. Mas uma coisa vou confessar agora...”.
Neste passo,
temendo que as palavras da rezadeira se ajustassem ao que tanto temiam depois
daquelas palavras, Bastiana e Titó começaram a implorar clemência sagrada.
Porém tiveram que ouvir: “O menino não vai suportar uma seca grande. Como a
planta morre lá fora, aqui também ele não terá melhor destino. Sei que é duro
de ouvir, mas não poderia negar isso a vocês. Ele vai morrer se essa seca que
já começa se prolongar. Morre a planta do sertão e ele não vai sobreviver”.
Quando ouviram
tais palavras, ainda que já esperassem algo nesse sentido, os pais não
suportaram e correram, aflitos e lacrimejantes, para junto do filhinho. E foi
quando pingos de lágrimas caíram sobre o corpinho esmirrado e pálido. Então não
demorou muito e outra estranheza começou a acontecer, a tomar conta do menino.
De repente abriu
os olhos, se fez com o rosto mais corado, mais animado. Estando ainda por ali,
a rezadeira foi logo dizendo: “O milagre da lágrima é o mesmo milagre da água.
Todo esse pequenino renascimento somente por causa das lágrimas que vocês
derramaram por cima dele. Como não podem viver chorando sobre o seu corpo,
outra coisa não resta a fazer senão jogar água sobre ele como se fosse aguando
uma planta que não desejam que morra pelo sol e pela seca”.
E assim João
Buguelo foi sobrevivendo. Quando a chuva chegava e tudo ficava verdoso pelo
sertão, então o menino mais parecia um raio da silibrina de tão afoito que
ficava, sem parar um só instante, a correr, a brincar, a sorrir. Mas quando as
chuvas cessavam e tudo acinzentava de sequidão, logo o menino se prostrava
parecendo que ia morrer. Era hora de os pais respingarem com cuia d’água por
cima dele.
Até que certa
vez a seca chegou e avançou ano após ano. Barro nos tanques, barro no fundo do
pote. Não havia carro-pipa que aparecesse para a salvação. Tudo secou, tudo
murchou. E o menino...
Infelizmente,
nada mais sei sobre o menino. Conte você o resto dessa história...
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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