Por José
Gonçalves do Nascimento
Há notícias de
que um prefeito do sertão acaba de negociar a venda de carne de jegue para os
frigoríficos da China. A medida é apenas uma dentre tantas outras que vêm sendo
cogitadas pelas autoridades do nordeste, no sentido de retirar de circulação
nosso velho e pacato jumento.
O novo nicho
de negócio vem sendo aplaudido como uma mão na roda. Já há até quem fale no
surgimento, em pleno século XXI, de um novo ciclo econômico no nordeste: o
ciclo do jegue. Algo talvez mais grandioso do que o ciclo do ouro, do couro, da
borracha, do café, ou até mesmo da cana-de-açúcar. A ideia é unir o útil ao
agradável: retirar o bichinho de circulação e ao mesmo tempo gerar lucro com
seu abate, alimentando-se com sua carne os estômagos mandarins.
Os defensores
desta e de outras políticas congêneres alegam que o jumento perdeu sua
funcionalidade; que se tornou inviável alimentar um animal que já não produz;
que o jegue tem trazido transtorno para o trânsito, onde são frequentes os
acidentes envolvendo o animal. E que diante de tais fatos, a única saída é
retirar o bicho de circulação.
Verdade é que
quem transita pelas rodovias do nordeste talvez já nem se surpreenda com a
enorme quantidade de jegues mortos por atropelamentos. Recentemente, numa
viagem de pouco mais de uma centena de quilômetros por aquelas bandas, pude ver
de perto inúmeros deles caídos na beira da pista, a maioria já em avançado
estado de putrefação. Considerando que os acidentes com o animal acabam por
envolver igualmente os humanos, ocasionando, também entre estes, expressivo
número de vítimas, inclusive fatais.
E não é pra
menos: solitário e desprotegido, outra coisa não resta ao manso animal senão
perambular sem rumo, em busca de qualquer babugem que possa mitigar-lhe a fome.
Seu destino é quase sempre a beira das estradas, onde, apesar do perigo,
normalmente encontra algum pasto. Até acho que a beira da estrada foi a
alternativa por ele encontrada para fugir do tédio e da solidão, já que estrada
é lugar de movimento, de dinamismo, de correria. Afinal, a solidão não mata só
os humanos; a solidão mata também os animais.
É obvio que
estamos a falar de um animal em fim de carreira. Mas nem sempre foi assim.
Houve um tempo em que o homem precisou do jumento e o jumento precisou do
homem. Uma simbiose perfeita para uma época em que os efeitos da chamada
“modernidade” ainda não se faziam sentir com tanta intensidade.
Quando o poder
e a velocidade das máquinas ainda estavam por vir, e o facebook e o watsapp
ainda não haviam despontado no horizonte da “civilização”, o jumento foi um dos
principais colaboradores do homem, servindo-lhe de montaria e auxiliando-o no
serviço da agricultura, que ia desde o preparo da terra até o transporte do
produto.
O jumento
marcou época, transpôs gerações, testemunhou o surgimento do que hoje
chamaríamos de progresso. Com seu auxílio, plasmaram-se culturas, ergueram-se
economias, forjaram-se histórias. Não há um campo, uma estrada, a construção
que for, onde não tenha o jumento assentado suas patas e derramado sua energia.
Cantado em
verso e prosa, o jegue está cercado de lendas. Uma delas reza que aquela cruz
estampada nas costas do animal teria sido desenhada pelo xixi do menino Jesus
quando foi levado para o Egito no lombo de um jumento, a fim de ser poupado da
fúria de Herodes.
Duas
experiências me marcaram de modo particular: uma foi quando, certa feita, vi um
jumentinho com uma sela enorme que o cobria quase que inteiramente. Parecia uma
tartaruga. Fazia horas que estava amarrado e pelo aspecto, percebi que se
sentia incomodado com o peso daquele apetrecho a cobrir seu frágil dorso. Outra
foi quando, ao me acercar de um jumento alto, acinzentado e meio metido a
besta, tomei um coice no pé do abdômen que me laçou por alguns metros e me
deixou desacordado por alguns minutos. O coice do jegue é algo simplesmente
aterrador. E não há ninguém que viveu no campo que não tenha passado por tal
experiência.
O homem usou e
abusou do jumento enquanto este lhe foi útil. Depois que perdeu a serventia,
tendo, de resto, se tornado um problema grave (como alegam), ao pobre animal
restaram apenas o abate e o sacrifício. Entretanto, em lugar nenhum está dito
que o jumento foi feito para ser útil ao homem. O jumento foi feito para viver
e ser jumento, e apenas isto. Ademais, não parece razoável transferir para o
animal a culpa pelos problemas que nós mesmos construímos.
Urge que se
garanta ao jumento, agora e sempre, a cota que lhe cabe na comunidade dos
viventes, mesmo que isto vá de encontro às conveniências dos ditos humanos.
jotagonçalves_66@yahoo.com.br
ADENDO - http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Eu, José Mendes Pereira sou a favor desta ideia de abater jumentos. Se o prefeito (o texto do José Gonçalves não fala o seu nome) irá vender carne de jumento, é bem provável que a população desta espécie
não irá se acabar nunca mais, ao contrário, irá haver crias e mais crias, porque quem
inventou a matança, tem interesse de ganhar dinheiro com a carne do jumento, e para isso,
cuidará do aumento da população. E será copiado por outros e outros possíveis criadores de jumentos, na intenção de ganharem dinheiro com a carne do nosso irmão, como chamou o rei do baião Luiz Gonzaga.
Mas cada um tem a sua opinião. Mas se pensarmos bem, será o tempo em que jumentos irão ser bem tratados sobre os olhos dos seus criadores, sem apanharem, sem trabalharem em carroças e cangalhas ferindo os seus lombos, com enormes bicheiras. Com uma condição. Vida boa, mas terá que morrer. Nós também iremos um dia morrer através do chuncho.
jotagonçalves_66@yahoo.com.br
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