Rangel Alves da Costa
Noite alta, escura demais, tristonha nas suas sombras retintas. As folhagens murmurejantes pela ventania, galhos zunindo nos escondidos da mata. Quase um silêncio. Quase.
No meio da mata, na incerta escuridão, um canto chorado e agonizante. Os lobos uivam suas tristezas e solidões noturnas. Os bichos lamentam seus instantes com gritos, brados e urros. Mas aquele choro agonizante era estranho demais.
Era uma mãe-da-lua, ave temida pelo seu canto agourento ou pelo mau pressentimento causado pela sua presença, mas que naquela escuridão chorava sua dor. Ninguém fugia de seu canto, ninguém temia sua presença, pois ela, afastada de tudo, apenas chorava.
Urutau, por que chora assim? Ayaymama, por que tanta dor? Uruvati, por que lamento tão triste? Kúa-kúa, por que tão incessante tristeza? Urutágua, por que o seu cantar chora como dilacerada viuvez? Tudo teu nome, mãe-da-lua, mas com o mesmo motivo de sofrimento.
Diz a lenda que a mãe-da-lua é a ave protetora da virgindade. A mãe que quiser manter a filha virgem deverá recolher suas penas e com elas fazer uma vassoura para varrer por onde a sua virgem for passar. Estará livre dos ataques enamorados antes da hora.
Ou mesmo fazer um adorno para que a filha use e assim fique livre das tentações da carne. Sob a proteção das penas da mãe-da-lua, os clamores da carne e do coração se tornarão tão prudentes que nem o mais belo príncipe conseguirá antecipar os desejos do amor.
Assim fez uma mãe. Vivendo numa tribo, a filha dos nativos era tida como aquela nascida do beijo da lua. Não havia beleza igual. Por isso mesmo que os seus se esmeravam na proteção. Tudo faziam para que a bela virgem não caísse nas tentações amorosas.
A mãe preparou-lhe adornos com as penas da ave, fez colar e enfeites para os cabelos, de modo que a menina mais parecia um ser emplumado de inigualável beleza. Não obstante isso, a todo instante seu local de repouso era varrido com vassoura de penas.
Contudo, um dia apareceu na tribo um belo jovem e a menina se apaixonou. O rapaz ficou tão encantado que sequer sabia como expressar aquele repentino amor. Começaram a se encontrar às escondidas, mas logo o pai da menina descobriu.
Ao descobrir aquele indesejado romance, o pai logo planejou dar fim ao jovem. Esperou-o enquanto passasse na selva e levou a cabo seu funesto plano. E assim o jovem de repente sumiu aos olhos de todos. A menina, sem saber o que tinha acontecido, chorou rios de lágrimas imaginando haver sido abandonada.
Contudo, um dia, se querer ouviu o seu pai segredando à sua mãe o que tinha feito. Desesperada, porém não acreditando que ele havia morrido, ela correu e se embrenhou na floresta atrás de seu amado. Quando mais se distanciava mais gritava o seu nome. Mas nenhuma resposta aos seus rogos.
De repente ela ouviu uma voz e uma confissão. E a voz dizia: “Sou eu, seu amado, que não existo mais pelas mãos de seu pai. Mas saiba que eu te amarei para sempre”. Quase em tempo de enlouquecer, ela voltou correndo e entrou na sua morada já gritando: “Vou contar tudo o que você fez!”.
O pai, velho feiticeiro, no mesmo instante transformou-a numa ave. Mas não numa ave qualquer, mas sim numa ave noturna que não fosse reconhecida na escuridão. Não queria que o povo ficasse sabendo de sua maldição.
Contudo, a maldição não impediu que a voz da menina passasse à ave. Por isso mesmo que todas as noites ela surge para entoar o seu canto de dor, sua tristeza infinita. Por isso mesmo tanta dor na mãe-da-lua.
Não uma ave agourenta, mas um ser de dor transformado em dor ainda maior.
Escritor
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