*Rangel Alves da Costa
Não se iluda. Não há punhal sem ponta nem faca que não corte. Não se iluda. Todo fogo queima e toda água molha. Então por que achar o contrário?
Por que se iludir se tudo é tão pedra e tão chão, é tão buzina e fumaça, é tão grito e tormento? Ou aprende a viver do real, da faca com ponta e da brasa que queima, ou nada.
Mentiras existem, falsidades também. Às vezes acredita-se em mentiras, às vezes envereda-se pela falsidade. Mas assim por desejo próprio. Ora, tudo é o que é.
Neste mundo tão real, vívido e pulsante, sua contradição: tudo é ilusão. Nada há, absolutamente nada, que não seja ilusão.
Em tudo a ilusão e em tudo e por todo lugar o ser iludido consigo mesmo, com a sua vida, com a realidade, com o seu mundo.
A ilusão do nascer para a alegria, para o contentamento, para a felicidade. É tudo como se os desejos dos pais e familiares não fossem atravessados pelo futuro.
A ilusão da infância, do brincar, do traquinar, do sequer pensar que mais adiante existe uma realidade diferente. Então o arco-íris muda de cor e a bola some pelo ar.
A ilusão da mocidade, dos sonhos amorosos, dos desejos tantos, das promessas e compromissos. E depois saber que tudo não passou mesmo de ilusão.
A ilusão do adulto perante o seu mundo e sua realidade. Ainda sonha, ainda busca a felicidade, mas quanto mais caminha mais percebe que a estrada é longa demais.
A ilusão da velhice e sua costumeira expectativa de ainda conseguir fazer o que não conseguiu no passado. E deixando assim de viver o tempo próprio de sua idade.
A ilusão de um mundo que faz do amanhã uma esperança de dias melhores, quando, desde o seu início, não buscou fazer o melhor a cada passo e a cada segundo de sua estrada.
A ilusão de um povo que vota acreditando que exista político honesto, que algum dia um surgirá que diga não à mala endinheirada, que não se enlameie entre a imundície de porcos.
A ilusão de um povo que sai às ruas - e quando sai - achando que sua voz, seu grito ou seu berro, surtirá algum efeito perante os encastelados na cegueira do poder.
A ilusão de um povo que só reclama, reclama e mais reclama, mas depois se ajoelha perante a urna para santificar o candidato corrupto, o ladrão e o salafrário.
A ilusão de um mundo de paz. Quanta ilusão na ilusão de um mundo de paz. Quando haverá paz num mundo que se compraz com a guerra, com o genocídio, com o terrorismo?
A ilusão da pomba da paz. Quanta ilusão na pomba da paz. O mesmo homem que elegeu o pombo como símbolo da paz é aquele que o tange das praças e ruas sob a alegação de que é imundo e causa doenças.
A ilusão do “eu te amo”. Muito fácil dizer e daí toda a ilusão. E mais ilusão ainda em acreditar na palavra dita sobre o amor, quando o a palavra silenciosa do coração sequer é ouvida.
A ilusão da amizade. Quantos amigos a pessoa tem, há de se perguntar. Amigos apenas alguns, poucos. No restante a falsidade, a traição, a aleivosia, o desejo de ter o outro exatamente no oposto daquilo que falseia pela palavra.
A ilusão do namoro, do noivado, do casamento. Haverá formalismo, anel ou igreja, que sustente a vida a dois? Ama mais ou ama menos aqueles que apenas escolhem o convívio respeitoso e compromissado na fé e no coração?
A ilusão do pecado. O pecado não passa de uma ilusão. Como as pessoas não são iguais, os sentimentos também não o são. O que é transgressão a alguns, a outros se afeiçoa de forma diferente. E não é a religião que possa dizer o que está certo ou está errado.
A ilusão da certeza. Quanta incerteza na certeza. O que está certo está também errado. Dependendo do ponto de vista ou da concepção de cada um, jamais haverá consenso sobre qualquer situação ou fato da vida.
A ilusão da ilusão. Ora, se tudo é ilusão, também a ilusão é ilusão. Quando a névoa se dissipa, a bruma perde sua força ou a poeira amaina, o que se imaginou de uma forma poderá ter outra. Como um oásis inexistente no deserto, apenas imagina-se.
Imagina-se. Mas sem a certeza é melhor não seguir adiante. É melhor não se iludir quando a sede pode esperar ao menos duas gotas d’água.
Escritor
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