PERTO DO FIM - Em 1889, a família posa em Petrópolis (Teresa
Cristina, sentada, e, de pé, Isabel, dom Pedro, o neto Pedro Augusto, e o conde
d’Eu): no diário, o sofrimento ao partir (Museu Imperial/VEJA).
Passados 124
anos da chuvosa madrugada em que a família imperial brasileira embarcou em um
navio rumo ao exílio, o melancólico fim da monarquia ganha um relato tingido de
tristeza na voz de uma protagonista da história – Maria Amanda Paranaguá Dória,
a baronesa de Loreto. Seu diário, esquecido nos arquivos do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro (IHGB), no Rio de Janeiro, narra com riqueza de
detalhes a jornada para a Europa do grupo que tinha à frente o já ex-imperador
Pedro II – material que, recuperado recentemente, constará em um livro
comemorativo da instituição. Outros diários conhecidos versaram sobre a viagem,
inclusive um do próprio dom Pedro. Mas das impressões de Maria Amanda, dama de
companhia da imperatriz Teresa Cristina (chamada de Amandinha no círculo
imperial), resulta uma visão particularmente tocante. O primeiro caderno, de
120 páginas, se encerra com o momento carregado de dor em que dom Pedro chora a
morte de Teresa Cristina, três semanas após o desembarque em Portugal. “Esse
tipo de diário é raríssimo, já que poucas mulheres registravam suas memórias no
Brasil imperial, e tem o mérito de documentar um importante capítulo da
história sob o calor da emoção”, avalia a historiadora Mary Del Priore.
O barão e a
baronesa de Loreto acompanharam o imperador no exílio por vontade própria, em
demonstração de fidelidade. Juntaram-se à comitiva de duas dezenas de
integrantes que, dois dias depois de proclamada a República, se dirigiu ao cais
em tom de marcha fúnebre, embalada pelo silêncio do Rio de Janeiro que dormia.
Foram de lancha até o cruzador Parnaíba e, nele, até a enseada do
Abraão, na altura de Angra dos Reis, quando se transferiram para o vapor Alagoas.
“O mar estava um pouco agitado e, temendo enjoo, que me é inevitável, fui
entrincheirar-me no beliche, onde me deitei com vivas saudades e lembranças de
origens diversas”, anotou a baronesa na primeira de vinte noites ao mar. Em
escrita simples e clara, ela destaca a nostalgia e a resignação dos
passageiros, sobretudo de dom Pedro. Quase todas as menções a ele são
acompanhadas da palavra “saudade”. Não se discutia política a bordo, só
literatura. Ali, dom Pedro manteve o hábito das rodas de leitura noturnas, às
quais ele próprio batizou de “conversações saudosas”.
UMA DURA VIAGEM – O navio Alagoas, que
conduziu à Europa a família imperial e seus súditos mais fiéis, entre eles a
baronesa de Loreto: a bordo, rodas de leitura e uma profunda nostalgia dos bons
tempos no Rio de Janeiro
A vida
relativamente simples que a família imperial levava no Rio de Janeiro se
reproduzia a bordo. Não havia festas, banquetes ou roupa de gala; no dia do
aniversário do imperador, 2 de dezembro, abriu-se uma garrafa de champanhe, de
que todos compartilharam. Ele ergueu-se com a taça em riste e disse: “Brindo à
prosperidade do Brasil”. A imperatriz não participou; sentia-se mal. “As outras
senhoras estavam mais ou menos enjoadas e nem se mexiam nas suas cadeiras”,
ressalta a baronesa. Dom Pedro fazia pouco-caso da maioria dos rituais, mas,
mesmo assim, segundo o diário, os almoços e jantares eram servidos sobre uma
mesa devidamente aparelhada, e a princesa Isabel vivia escoltada por duas
criadas. A falta de dinheiro não impedia que o imperador, como era seu costume
no Brasil, fizesse generosas doações. Amandinha relata que, numa escala na ilha
de São Vicente, em Cabo Verde, ele fez questão de dar dinheiro a um padre, para
que distribuísse aos pobres.
A baronesa de
Loreto também se estende sobre um dos maiores motivos de preocupação a bordo
do Alagoas: o comportamento do neto mais velho do imperador, Pedro
Augusto. Preparado desde criança para assumir o trono, Pedro Augusto – que
tinha tendências paranoicas e viria a ser encerrado em um manicômio – sofreu
surtos psicóticos, os quais os demais passageiros atribuíam à aflição que lhe
causava a movimentação do navio encarregado de fazer a segurança do Alagoas.
“Todas essas manobras só têm servido para assustar o príncipe dom Pedro
Augusto, que, desde ontem, sofre de superexcitação nervosa, se acha possuído de
pânico e pensa que estamos todos perdidos e não chegaremos a Lisboa. O seu
estado é lastimável”, registra o diário. Também a imperatriz Teresa Cristina
viajava adoentada. Ela logo morreria vitimada por um infarto. A baronesa lança
parte da culpa na República: “Desde que saiu do Brasil, ela mostrava-se
impressionada pelos horrorosos acontecimentos tão sabidos. Eles, sem dúvida,
concorreram para a sua morte”.
- Na casa da condessa de Barral (de
chapéu), amante de dom Pedro (de barba branca), um ano após a morte da
imperatriz: o diário da baronesa de Loreto (abraçada à princesa Isabel) relata
a dor do imperador A OUTRA.
A cena mais
pungente descrita no diário é justamente a morte da imperatriz em um hotel
simples da cidade do Porto, para onde havia se retirado. Dom Pedro tivera
amantes; com uma delas, a condessa de Barral, manteve um romance de 26 anos que
continuava vivo naquele momento. Mas, no quase meio século em que esteve casado
com Teresa Cristina, apegara-se a ela e tratava-a com ternura. “Antes de
soldar-se a urna, o imperador quis despedir-se da imperatriz e mandou chamar a
todos nós para fazermos também nossas despedidas”, escreveu a baronesa. “Não se
pode descrever a dor dos príncipes e a nossa. Beijamos-lhe a mão e choramos
copiosamente sobre o seu corpo sem vida.” O próprio dom Pedro, normalmente
contido em suas reações, não esconde a tristeza. “Ele abraçou a sua muito amada
esposa soluçando e foi logo retirado dali pelo Mota Maia (médico da família). A
princesa beijou sua santa mãe repetidas vezes; o mesmo fizeram os príncipes, e
nós beijamos a mão de nossa imperatriz, que fora sempre tão boa e carinhosa.” O
choro de dom Pedro era também por ele, que acabou morrendo dois anos depois,
aos 66 anos, de pneumonia, no modesto hotel de Paris onde viveu o fim de seus
dias. A baronesa de Loreto voltou com o marido ao Rio de Janeiro, onde morreu
em 1931, aos 82 anos, sem jamais publicar seu relato da viagem que mudou tantas
vidas e que agora, enfim, vem à tona.
https://veja.abril.com.br/brasil/diario-inedito-narra-a-viagem-de-dom-pedro-ii-ao-exilio/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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