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sábado, 12 de setembro de 2020

DE VIRGULINO FERREIRA A LAMPIÃO

 Por Luiz Bento de Sousa

Tenho forte lembrança daquela madrugada fatídica de julho de 1938. Ao amanhecer, o sol ainda se espreguiçava e os primeiros raios de luz surgiram timidamente, penetrando a névoa que cobria campos e serras da Fazenda Angico. Agora, tantos anos depois, de onde estou, compreendo bem o que foram aqueles dias temerosos, aqueles anos de incertezas quando a vida do homem nada valia para o homem. Agora, entendo perfeitamente aquele momento em que os estudiosos determinam por ciclo do cangaceirismo no Nordeste brasileiro.

Nasci e me criei em vila Bela. A residência dos meus pais era simples como as casas de roças sertanejas daquele tempo, no entanto, havia um grande terreiro com árvores, além da horta de onde provinham folhagens e certos legumes. Mais adiante, descendo para o riacho que passava ao fundo da moradia, eu e meus irmãos brincávamos num balanço que havia debaixo de um frontoso ipê amarelo. Tinha arapuca para aprisionar passarinhos, casinha de varas que fizemos para preguiçoso, nosso cachorrinho pé duro. Casinha para as bonecas das meninas, feitas de espigas de milho e coberta com palha de buriti. Fazíamos badoque e armas de madeira para brincar de polícia e cangaceiro, tudo na maior inocência, por isso éramos felizes.

Crescido, trabalhei o couro com primor. Produzir peças para arreios, bainhas para facões, selas para montarias e tantas outras coisas. Remexi na sanfona. Frequentei arrasta-pés nas fazendas vizinhas, onde não faltava o xaxado e o samba de batuque. Adolescente, viajei com meu pai para Bahia e outros lugares, levando couro para vender aos comerciantes. Aprendi e conheci a vida da labuta diária do sertanejo. Vi de perto as maldades do mundo.

Homem feito, junto com meus irmãos, aprendi a lutar numa briga com os vizinhos. Vi de perto o que a inveja é capaz de proporcionar aos mais fracos. Vi nossos domínios e nossas criações ameaçados. Tive raiva, chorei.

A injustiça social fazia vítimas pelo sertão afora. A polícia perseguia aqueles que trabalhavam. A tristeza e a morte chegavam sobre às famílias sertanejas, promovidas por aqueles que deveriam garantir a paz nos lares, porém a corrupção que assolava, destruía o sonho dos jovens que acreditavam numa vida honesta.

Cansado e afogueado peguei em armas para fazer a justiça com as próprias mãos. Lembrava-me constantemente o que meus pais passaram nesta vida por causa de maus elementos, que em nome da lei fazia e acontecia. Tornei-me cangaceiro. Passei de Virgulino a Lampião. Conheci Maria, e com Maria fui feliz. Naquele tempo não entendia bem as coisas. Convivi boa parte da vida com a maldade dos homens. Vi a cor vermelha do sangue e pintar um quadro de horrores, emoldurado pela dor e sofrimento de tantos que amei no pedaço de chão sertanejo.

Hoje, onde estou, não vejo mais aquela névoa que cobria os campos de Angico e, sim, a luz divina que irradia dos corações humanos, daqueles que trocaram o poder das armas pelo poder do amor, semeando palavras de estímulo e conforto.

Hoje, onde estou, estendo a mão amiga para tantos quantos queiram trilhar pelo caminho do amor e da fraternidade, como tenho aprendido com o Pai.

Um dia fui Lampião e Virgulino. Hoje, sou apenas seu irmão, que aprendeu a perdoar e amar o próximo.

CASA. DE. CULTURA

APOIO - Prefeitura Municipal de Jati-Ce

DIRETOR DE CULTURA

Luís Bento de Sousa.

Seabra, Bahia, 15 de janeiro de 2014. Renato Luis Bandeira

Dicionário biográfico - Cangaceiros e Jagunços.

https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste

 

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