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domingo, 15 de maio de 2022

UM OLHAR SOBRE ANGICO PARTE I

Por Alfredo Bonessi

Pesquisador Alfredo Bonessi em sua palestra durante o Cariri Cangaço 2010

Ainda hoje a gente sente o calor do fogo que aqui se deu naquela manhã de 28 de julho de 1938. No entardecer do dia 27 de julho de 1938, na grota de Angicos, Pedro chega com a mercadoria encomendada por Lampião. Lampião está triste, acabrunhado, esquisito. Tinha recebido notícias que a Força tinha saído ao encalço dele para as bandas do Moxotó. Já é noite e Lampião corta uma melancia e distribui entre Maria Bonita e Sila e após isso elas vão conversar em cima de uma pedra existente na subida do barranco, oposto a gruta, de frente à barraca de Lampião.

Maria se queixa de Lampião, da vida que leva, quer ir embora, largar a vida, mas Lampião não quer. Estavam de brigas, tinham discutido muito. Maria tinha cortado os cabelos. Daí Sila ver algumas luzinhas no alto do morro e pergunta a Maria o que é aquilo, aquelas luzinhas açula ? Ela triste e pensativa responde que é vaga-lume. E só podia ser mesmo, porque naquela hora a volante estava com Joca, o delator, bem distante dali. Maria ainda fala que não tem medo da volante de Alagoas, porque possui nela um parente. Sila diz que não tem medo da volante Sergipana, mas não explica por que. Separam -se cada uma vai para a sua barraca.

Anos depois, Zé Sereno, marido de Sila, afirma que naquela noite derradeira Lampião e Pedro conversaram dentro do mato, sozinhos até as 23 horas. Durval confirma isso. Pedro vai para casa, atravessa o rio de canoa. Chega em casa e pouco depois chega a polícia para buscá-lo. Ele diz que não pode ir. Teve tempo suficiente para pegar a canoa e atravessar de volta para o coito dos cangaceiros, ou mesmo avisar o irmão para que avisasse Lampião. Mas fica em casa, espera. A vida de Lampião está com as horas contadas. Minutos depois a polícia retorna, daí ele segue por terra com o Cabo Bida até onde está a volante. Chegando lá o Tenente Bezerra põe a mão no ombro dele e avisa: eu vim para te matar se você não me der conta dos cangaceiros. Pedro pensa um pouco e entrega tudo, mas não dá a certeza se os homens ainda estão lá na grota – precisa salvar a sua vida - e, temendo que o irmão esteja entre os cangaceiros e possa ser morto pela polícia, indica a polícia o irmão que está do outro lado e para lá seguem. Chegando lá avisa o irmão para que entregue tudo, porque está preso. Durval sem pestanejar confirma: estão lá sim, acabei de chegar de lá e a bem pouco eles estavam aqui pegando bebida. O fim de Lampião estava traçado.

O que não encaixa na história relatada posteriormente por Durval era que o irmão estava com a camisa ensanguentada da ponta do punhal de João Bezerra, ou mesmo com as unhas arrancadas.

Esse relato é para minimizar uma possível ação posterior de vingança dos cangaceiros contra eles. Sabe-se que o Aspirante Ferreira queria matar logo Pedro, coisa que o Tenente Bezerra não deixou. Lógico, era uma estratégia policial para fazer com que ele desse no bico, pois os mortos não falam e Pedro morto não valia nada para a operação e a missão fracassaria. Depois foi a vez de Durval ser amedrontado. Segundo ele, o Aspirante deu uma tapa no lado do seu rosto que ele caiu no terreiro. Em outro depoimento diz que foi apenas empurrões e que o Aspirante queria logo matar a ambos no que João Bezerra saiu em defesa deles, em proteção. Cenas de artistas primários em picadeiros de circo das periferias. Por fim, com os objetivos traçados e a força avisada com quem iria brigar, começam a subir o leito do riacho. Daí o Tenente Bezerra acende uma lanterna e foca a tropa que em coluna avançava, dá um sorriso e pensa consigo mesmo: quantos daí vão morrer ? ora para quem vai enfrentar um número de cangaceiros superior ao número de seus comandados, e ainda em um terreno desconhecido, a noite, sem saber onde estavam os inimigos e acender uma lanterna é uma atitude reprovável, criminosa, leviana, e inexplicável. Estaria avisando a alguém? Se a força estivesse em campo aberto o foco da lanterna poderia ser visto a mais de um quilometro de distância, e uma saraivada de balas cairia sobre todos e a maioria morreria naquele momento ou ficaria ferida.

Outro fato acontecido nesse momento que foi relatado e hoje está escrito como verdadeiro é que o Aspirante estava bêbado, aponto de não parar em pé. Ora, para quem desce o Rio São Francisco à noite, nas corredeiras, em três canoas amarradas, podendo a qualquer momento bater em uma pedra e ir ao fundo, estar bêbado e equipado é muito contar com a sorte – é ser negligente demais, ou aventureiro mesmo, aqueles das historinhas de gibis. Outro detalhe tido como verdadeiro: o Aspirante estava tão bêbado que não podia levar a metralhadora e deu a arma a um estranho para levá-la. Ora, dar a metralhadora para um paisano desconhecido, para levá-la, sabendo que ele poderia manobrar a arma e matar muita gente ali presente é demais para quem vai atacar um inimigo naquelas horas da madrugada. O fato que bêbado ou não, foi o Aspirante e sua turma que deram fim ao Rei do Cangaço.

Ainda, para esse momento, e poucas horas antes, o mesmo depoente afirma categoricamente que o Tenente que vai atacar Lampião tinha, ao entardecer, mandado pelo seu irmão, um saco de balas para Lampião. Não cola, não fecha. Não existe explicação enviar um saco de balas para quem você vai atacar horas depois, mesmo porque o Tenente não estava em Piranhas, estava em Pedra, e Pedro comprou as mercadorias em Piranhas. Nessa cidadezinha estavam acantonadas as volantes de Odilon Flor, da Bahia, e talvez a volante de Besouro, também da Bahia. Se o Oficial Comandante estivesse corrompido não iria atacar Lampião naquela madrugada – atacaria no dia seguinte, em plena luz do dia, para ser visto, ou então mandaria um aviso por algum informante a Lampião.

Entre tantas contradições há uma: que o Tenente não conhecia Lampião, foi conhecê-lo após a morte do cangaceiro, quando o mesmo já estava de cabeça cortada. Puro engano. Ambos eram conhecidos de muito tempo quando o Tenente, por ser agiota, estava afastado da corporação, e então se misturou ao grupo de todo o tipo de gente, caçadores, bandidos, cangaceiros e jogadores, daí então que aprendeu as manhas de lidar com a gente do sertão, incluindo aí os cangaceiros. Afirmam testemunhas que o Tenente Bezerra jogou baralho com Lampião – eu acredito nisso. Tanto é, que após a morte de Lampião, se embalando em uma rede no oitão da casa da fazenda do Tenente Zé Rufino, esse falou a aquele: como é rapaz, você foi matar o seu amigo ? – a que o Tenente respondera: é, foi o jeito ! – quem viu, testemunhou e está escrito.

Outra história bem verídica dessa amizade é sobre o cachorro de Lampião que aprisionado em combate pela força de Zé Rufino e entregue ao Tenente Bezerra em Piranhas, sessenta dias depois o animal estava na posse de Lampião. Essa amizade antiga, esse conhecimento da vida cangaceira, a troca de informações entre vários informantes, a atitude, o comportamento proposital aos olhos de todos, dando a impressão de apatia, desinteresse, de ser conivente, frouxo, tanto da parte dele como do Sargento Aniceto é que concorreu sobremaneira para o aniquilamento de Lampião, porque com certeza Lampião sabia muito bem do temperamento de seu oponente e com isso negligenciou a segurança do grupo e dele mesmo. Facilitou e pagou caro por isso.

Outra questão a ser comentada é com relação ao bando de Corisco. Lampião chegara na grota no dia 20 ou 21 de julho. Convocou todo o pessoal para uma reunião. Estava na posse de uma fortuna, algo em torno de mais de R$ 750 mil reais em joias (estimativas ao dia de hoje), cinco quilos de ouro, segundo alguns - mas para encher duas bacias de rosto de joias dão mais ou menos 2,5 quilos de ouro e não cinco. Somente se fosse ouro em barra, aí se poderia estimar esse peso de cinco quilos – analisando por esse lado, esse valor cairia para 350 mil reais. Em dinheiro sim, supomos, sem nenhuma informação, que Lampião estivesse com valores bem acima de 500 contos de réis, valores que daria para adquirir hoje, 10 automóveis, segundo uns, ao preço de 50 contos de réis um automóvel, outros dizem que não, um automóvel custava na época 8 contos de réis. Outros calculam a correspondência entre as moedas: pega-se o conto de réis e divide-se por quatro, tem-se o valor em reais aos dias de hoje. O fato que uma fortuna estava na posse de Lampião naquela ocasião. Maria Bonita possuía 160 contos de réis, daria para comprar quatro fazendas. Luiz Pedro estava com 360 contos de réis (estimativa), fora as joias, daria para comprar nove fazendas, sem contar os outros cangaceiros que foram mortos, e mais ainda, aqueles que largaram tudo nas toldas e correram, abandonando o local. Era muito dinheiro.

A volante se apossou de tudo e ninguém soube o destino em que foi parar essa fortuna.

Depois da refrega, quem seria doido de buscar explicações com o pessoal da volante sobre o paradeiro dessa riqueza em um tempo em que a polícia fazia o que bem queria e um soldado da polícia mandava mais no sertanejo que um Senador Romano no tempo de Júlio César? Esses comentários que foi o dinheiro que matou Lampião surgiu agora na década de 60 e somente foi cogitado no século XXI quando os componentes da volante já não existiam mais.

Continua...

Alfredo Bonessi

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