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domingo, 20 de março de 2011

A Traição de Izaías Arruda - Por: José Cícero

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Pesquisador José Cícero, anfitrião na Fazenda Ipueiras,
de Zé Cardoso e Izaias Arruda, durante o Cariri Cangaço 2010.

             A história do cangaço nordestino nem sempre foi possível a construção duradoura de amizades consideradas sólidas. Amigo era quase sempre um artigo que tinha vida efêmera. Não eram amigos apenas cúmplices. Um evidente jogo de interesse que transcorria ao sabor dos acontecimentos. Era um eterno andar sob areia movediça. A lógica dos fatos nos apontava isso. Na vida do cangaço, tantos foram os exemplos desta assertiva. Mas um em particular roubou a cena, de sorte que continua até hoje mexendo com a imaginação e opiniões de pesquisadores, analistas e historiadores da saga lampiônica após o retorno de Mossoró.
 
Lampião
             A começar pela forma como terminou a relação de amizade que(supostamente) existiu entre o rei do cangaço e o Cel. Izaias Arruda – um dos maiores coiteiros que Lampião mantinha a peso de ouro nestas bandas dos sertões do Caririenses. Sim. Nada era de graça quando o que estava em jogo eram os negócios lucrativos do cangaço, guiado no mais das vezes pela teoria macabra do roubo e da pilhagem. O que de fato, corrobora esta lida criminosa como uma opção clara de meio de vida. Um expediente praticado não mais pelos degredados da sorte, mas, sobretudo pelos potentados, políticos e arrogantes coronéis.
Izaias Arruda

             Tanto que em Aurora, Lampião se sentia como que em casa. Com um ingrediente a mais: aqui ele se sentia seguro e em plena mordomia, em face dos verdadeiros banquetes que lhe eram oferecidos pelos poderosos do lugar e das redondezas. E não se diga que era apenas da parte do famoso coronel. Isso não. As regalias assim como os presentes dispensados aos bandoleiros iam muito além dos préstimos oferecidos pelo temível e famoso Izaias Arruda(ex-delegado de Aurora e prefeito pelas balas, de Missão Velha).

            Nas terras aurorenses, Lampião parecia muito mais querido que odiado. Não se sabe se por temor ou pura admiração dos seus feitos cantados e decantados pelo Nordeste adentro. O certo é que em Aurora e circunvizinhança Virgulino promoveu seguidores muito mais que desafetos. Ao passo que verdadeiros bandos nasceram e atuaram anos a fio por estas ribanceiras seguindo a risca os preceitos do renomado cangaceiro. Inclusive de jagunços terríveis e sanguinolentos. Profissionais do crime, organizados como verdadeiras milícias particulares a serviço dos velhos coronéis do latifúndio.
Grupo de Jagunços de Izaias Arruda, em foto de 1926 na Ingazeira

Basta dizer que do subgrupo de Massilon Leite muitos eram naturais d’Aurora principalmente da região do riacho das Antas, tais como: Zé de Lúcio( o Três Pancadas), José de Roque e Zé Côco, só para citar alguns. Além de Asa Branca, natural da Ipueiras, um dos mais jovens a ingressar no bando de Lampião.
 
 
 
              Sua pontaria impressionou sobremaneira o rei do cangaço. Um outro grupo muito mais presente tivera a participação de outros bandoleiros autóctones, uns profissionais outros sazonais de Missão Velha, Aurora e lugares adjacentes que vez por outra, resolviam fazer bico. Tal grupo pertencia ao coronel Izaías sob o comando direto do seu braço direito e confiável Zé Gonçalves.
            Mesmo com sua reconhecida personalidade de homem desconfiado, como era sua praxe, Lampião nunca esperaria uma traição que viesse dos seus amigos das Auroras. Enganara-se redondamente. O tempo não tardaria a lhe provar o contrário em três grandes momentos distintos da sua empreitada nas paragens salgadianas. Tudo envolvido em conjunto na estratégia traçada na fazenda Ipueiras com vista a invasão de Mossoró, o ataque da volante sofrido no sítio Ribeiro( riacho do Bordão de Velhos dia 2 de julho) e por fim, o suculento banquete(envenenado) a cargo do vaqueiro Miguel Saraiva( da serra do Diamante e Coxá) oferecido na casa grande da fazenda-vivenda pertencente a José Cardoso, parente do famoso coronel Izaiais Arruda que terminaria com um cerco policial e o ato incendiário ao bando. Neste episodio marcante ocorrido em 7 de julho de 1927 próximo do meio-dia, cumpre destacar que em cima da hora, Lampião a 500 metros da residência, decidiu que o almoço fosse servido não mais na casa grande, mas ali mesmo, no baixio sob as sombras das Oiticicas e Joazeiros. Uma decisão providencial e salvadora.

 Volante perseguidora de Lampião no Sítio Ribeiro d'Aurora em 1927

             Esta mudança obrigou o major Moisés de Figueiredo com seus quase 80 homens ajudado pelos jagunços do coronel a precipitar o plano de ataque. Empiquetados que estavam em redor da residência. Puseram fogo na manga... Lampião com sua perspicácia saíra quase incólume de mais esta. Não totalmente ileso, mas salvara a sua vida e dos seus próprios apaniguados. Teve pouquíssimas baixas. Uma saída possível do cerco da Ipueiras onde tombaram o cangaceiro Xexéu e Catita após quase quatro horas de fogo cruzados. A chuva de bala não foi nada, comparada ao incêndio do canavial e do algodoal seco que fez daquele ambiente, um verdadeiro inferno de chamas. Por sorte a direção do vento soprou o fogo para o lado dos comandados do major. E Lampião com seu bando escaparam aos gritos de despautérios pela parede do açude velho.

              Foi o preço mínimo que pagara para não sofrer uma derrota ainda mais completa e humilhante. A fome, a sede, o cansaço, a falta de munição e o verdadeiro desmantelamento das suas armas de fogo. Tudo isso somado redundou no enfraquecimento e quase fim do bando lampiônico naquele momento singular da histórica marcha de Lampião depois do malogro de Massoró. Seu know-how de homem estrategista ajudara a escapar de todas as armadilhas e confrontos, contra as volantes dos governos de três estados. Porém aquela refrega o abatera sensivelmente, somada a desproporção do número de combatentes que fora obrigado a enfrentar anteriormente. Chegando em alguns momentos na razão de 40 por 1 em seu desfavor.
 
             Lampião não estava preparado para a derrota. Neste sentido tanto Mossoró quanto Aurora comprometeram para sempre a antes sólida confiança no homem forte de corpo fechado, assim como os inquebrantáveis princípios da velha ousadia dos que fizeram do cangaço uma opção para toda a vida.

José Cícero
Pesquisador - Aurora
Fonte:http://blogdaaurorajc.blogspot.com
 
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