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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Jararaca - O Cangaceiro que Virou Santo

Por: Eleuda de Carvalho

Jararaca - O Cangaceiro que Virou Santo

Cemitério de Mossoró, final de tarde. Pouca gente viva por aqui. Um sujeito meio triscado de cachaça dá a dica: este túmulo pintadinho de azul caixão-de-anjo, à esquerda de quem entra, coberto de flores e pedrinhas de rio, guarda os restos mortais do cangaceiro Jararaca. Preso em 14 de junho de 1927, um dia depois da invasão frustrada de Lampião à maior cidade do Seridó, Jararaca penou quatro dias na cadeia pública da cidade, ferido no peito e nas pernas. Na noite de 18 de junho, foi trazido para cá. A guarda que o conduzia, obrigou Jararaca a abrir a própria cova. O soldado João Arcanjo o sangrou, mas o povo diz que o bandido foi enterrado ainda vivo. Tinha apenas 26 anos.

 

Ao lado do túmulo, Toinho do Açu explica o que são estas pedrinhas; É em agradecimento a uma graça alcançada. Aqui foi um velho bandido, ói, ele sacudiu uma criança pra cima e espetou num punhal. Depois ele ficou arrependido do que tinha feito, explica. A cera das muitas velas votivas que alumiaram esta cova no dia de Finados recobre o chão.

José Leite de Santana, o Jararaca, nasceu há cem anos, em Buíque, estado de Pernambuco. Entre 1920 e 1926 foi soldado do Exército. Largou a farda para vestir a armadura de pano e couro do cangaço. Sua desaventura durou bem pouco. Em começos de junho de 1927, o cangaceiro paraibano Massilon (tem quem diga que ele era da família Diógenes, do Jaguaribe) encheu os ouvidos do chefe maior do cangaço. Bem que Lampião ficou meio arisco, Mossoró era uma cidade grande demais, ele jamais ousara tanto. Mas a possibilidade de lucros gordos superou a hesitação. Assim, juntaram-se para a empreitada os bandos comandados por Massilon, Jararaca, Sabino Costa, Vinte-e-dois, todos sob a ordem maior de Lampião. No total, pouco mais de 50 homens bem armados.

A cidade tinha sido avisada, ninguém acreditou, a não ser o prefeito. Naquele ano, o dia de Santo Antônio caiu numa segunda-feira, e o povo passou a noite anterior dançando. No fim da tarde do dia 13, uma chuva boa. Ouviram-se os primeiros tiros, teve quem pensasse ser barulho de trovão. Rodolfo Fernandes, o prefeito, recebeu um ultimato assinado pelo capitão Lampião, que cobrava 400 contos de réis para deixar Mossoró em paz. Fernandes não se intimidou. Na cidade havia um contingente de 22 soldados, apenas. O prefeito organizou a resistência, acantonada em trincheiras de fardos de algodão.

Na lateral da igreja de São Vicente, que ainda guarda os buracos de bala do entrevero, Raimundim do Mixto, de nome todo Raimundo de Freitas Nunes, 72 (40 anos de boléia transportando passageiros entre Mossoró e Limoeiro do Norte), também conhece a história do cangaceiro milagroso. ''Todos os anos vou ao cemitério. Visito o túmulo de Jararaca por curiosidade, pra ver o movimento. Este ano, contei 520 velas, afora as da fornalha do lado. Dizem que ele se arrependeu de dois crimes, antes de morrer, o menino que ele sangrou na ponta de uma faca e os bicos dos peitos de uma mulher, que ele arrancou''.

Raimundim sabe outra história da mal-sucedida invasão. A do cangaceiro Menino de Ouro. ''Ele saiu baleado, muito doente, mas não quis morrer aqui. Quando chegou na Baixa Branca, divisa com o Ceará, num lugar conhecido como Lagoa do Rocha, perguntou a Lampião, já saímos do Rio Grande? - Já. Pois acabem de me matar, pra não atrasar a viagem. Eu não vi, mas todo mundo conta (Eleuda de Carvalho)


O Povo

Fonte: sincep



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