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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Existia amor no cangaço?

Por:Leandro Cardoso
Sousa Neto e Leandro Cardoso

Dois grandes marcos no cangaço de Lampião: a travessia do São Francisco para a Bahia, em 1928, modificando o palco das tropelias dos cangaceiros; e a entrada de Maria Bonita para o bando, como algo sem precedentes nas hostes dos grandes capitães-de-cangaço. No entanto, diferentemente do que muita gente pensa, a participação feminina está longe da passividade. O ingresso de Maria Bonita no bando foi a deixa para que outros cangaceiros trouxessem outras moças para o seio do grupo. Embora a grande maioria tenha ingressado por vontade própria e curiosidade de experimentar aquela vida de aventuras, algumas foram raptadas (como Dadá) e outras vendidas por parentes (como Dulce, de Criança).

É importante levar em conta que a mulher, para cair no cangaço, deixava para trás a intensa rigidez moral, sexual e de comportamento que lhe era imposta pela sociedade machista, para experimentar uma rara sensação de liberdade, ganhado a caatinga na garupa do companheiro. Nas vezes em que a entrevistei, Durvinha falava da opressão que sofria em casa antes de acompanhar Virgínio: intermináveis caminhadas com latas d’água na cabeça e a muda submissão ao pai e aos irmãos. Era a constante da subserviência velada nas casas e fazendas do sertão.


Por outro lado, a visão da aventura do cangaço se traduzia numa sensação de liberdade sem precedentes, qual um sonho medieval da donzela raptada pelos cavaleiros de lança, espada e armadura, de reinos longínquos, enfrentando tudo e todos pelo amor de sua donzela. Entretanto, grande também era a queda do cavalo, logo aos primeiros tiros, transformando o lindo sonho em real pesadelo. A vida no cangaço cobrava seu alto preço com sangue, e era embalada pelo choro triste dos familiares, que ficavam a amargar retaliações por parte da polícia, sob a angústia diária das notícias indesejáveis de filhas degoladas ou seviciadas pelas volantes.

Como falei no início, a participação feminina no cangaço está longe da passividade. A mulher, mesmo sem guerrear (exceção feita a Dadá), impôs sua presença no seio do bando, alterando inclusive a rotina dos grupos.

Esquivo-me de falar aqui do enriquecimento visual pelo apuro da indumentária, para deter-me na violência. Vários autores sugerem que a presença feminina diminuiu a violência no cangaço. Ledo engano. A combatividade sim, a violência não. Esta sempre foi uma constante nomodus operandi dos grupos e das volantes, que após 1930 ganha nova dimensão: o ataque às mulheres pela polícia e pelos próprios cangaceiros. As volantes proporcionaram cenas de extrema barbárie, como a exposição do cadáver de Nenê de Luis Pedro, nua, na localidade Mucambo, em Sergipe, inclusive estimulando cães de rua a simular sexo com o corpo. Os cangaceiros, sob o punho selvagem de Zé Baiano, ferrariam mulheres na “taba” do queixo e, por consórcio entre chefes de grupo, assassinariam a sorridente Cristina, ante o injustificável motivo de preservar a segurança coletiva. Não precisa dizer que Zé Baiano, aparentemente “apaixonado” por sua querida Lídia, a matou a pauladas.

Marca do flagelo de Zé Baiano

Afinal, Zé Baiano amava Lídia? Houve amor no cangaço? Vejamos algumas considerações a respeito:O amor não é um sentimento. É uma decisão. O que muitos tomam por Amor, na verdade é apenas paixão arrebatadora, que evanesce ao cabo de alguns meses sob qualquer contrariedade, ou mesmo amizade duradoura, que isoladamente, também não o é. Amor de verdade é outra coisa: tem base sólida, vem com o tempo. É quando os cônjuges resolvem colocar um coração pareado ao outro, condicionando sua felicidade à felicidade do outro. O Amor de verdade é maduro, não admite inconsequências e, para que exista, tem que ser pautado no perdão. Resumindo: o verdadeiro Amor somente aparece quando o perdão ocupa, incondicionalmente, o lugar da mágoa.

Voltando novamente os olhos para o cangaço, temos alguns exemplos que, talvez, preencham estes critérios: Lampião e Maria Bonita, Corisco e Dadá e Virgínio e Durvalina. Embora, tenha sido raptada e violentada por Corisco, Dadá deu provas de sua devoção ao Vingador de Lampião, mesmo após sua morte. Este foi o único casal (até onde se sabe) que casou durante a vida de estripulias (Zé de Julião e Enedina eram casados, mas já “caíram” no cangaço após o matrimônio). Se, como disse o velho Guimarães Rosa: “no viver tudo cabe”, temos a nítida impressão de que o cangaço foi palco de Amor, amores, paixões, companheirismo e amizade. Cabe a cada um, portanto, saber o peso que o coração lhe tem no peito.

Para encerrar: viva as mulheres sertanejas que, condenadas a envelhecer aos 30, se despojaram de suas latas d’água para, com os bornais cruzados ao peito, acompanharem seus companheiros. Muitas foram amadas, odiadas, fuziladas, decapitadas, mas quebraram tabus e ajudaram a virar a página da História, escrita com seu sangue, dos seus amores e da sua família dilacerada. Abraço a todos do Cariri Cangaço

Leandro Cardoso Fernandes
Médico, escritor
Sócio da SBEC

“A mulher tem na face dois brilhantes
Condutores fiéis do seu destino.
Quem não ama o sorriso feminino,
Desconhece a poesia de Cervantes.
A bravura dos grandes navegantes
Enfrentado a procela em seu furor,
Se não fosse a mulher, mimosa flor,
A História seria mentirosa.
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor”.

Octacílio Batista.

Extraído do Cariricangaço





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