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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O HOMEM TAMBÉM CHORA (Crônica)

  Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa

O HOMEM TAMBÉM CHORA

A dor não revelada se torna ferida aberta, sangrando e consumindo tudo, apenas para não desacreditar uma inquebrantável firmeza masculina. Muitas vezes se pensa assim e até se age assim, numa descabida tentativa de omitir os verdadeiros sentimentos, as fragilidades e as propensões emotivas dos homens.

Ora, a pedra se cansa do tempo, se dói, se corrói, sofre demais e nunca procurou esconder isso de ninguém. Basta olhar para um rochedo e sentir o seu coração cheio de mágoas, tomado de solidão, chorando lágrimas que escorrem na umidez que vira musgo. E por que o homem não poderia revelar seus sentimentos, dores e aflições?

Neste sentido, não há como duvidar da realidade descrita por Gonzaguinha na letra de “Guerreiro Menino”, também conhecida por “Um Homem Também Chora”:

“Um homem também chora/ Menina morena/ Também deseja colo, palavras amenas/ Precisa de carinho, precisa de ternura/ Precisa de um abraço, da própria candura/ Guerreiros são pessoas, são fortes, são frágeis/ Guerreiros são meninos por dentro do peito/ Precisam de um descanso/ precisam de um remanso/ Precisam de um sonho que os tornem perfeitos/ É triste ver esse homem, guerreiro menino/ com a barra do seu tempo por sobre os seus ombros/ Eu vejo que ele berra/ Eu vejo que ele sangra/ a dor que traz no peito, pois ama e ama/ Um homem se humilha se castram seus sonhos/ Seu sonho é sua vida e a vida é trabalho/ E sem o seu trabalho o homem não tem honra/ E sem a sua honra se morre, se mata/ Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz...”.

Com razão, pois, o saudoso compositor, vez que por cima do jeito fechado, impenetrável do homem, está a pessoa sem os seus disfarces, o ser humano que ressente e reflete as dores próprias de cada um, os tantos momentos de incertezas, de desgostos e melancolias, e também a própria dor de não querer ou demonstrar o que realmente sente.

Ora, não é porque a pessoa cresce, vai desenvolvendo suas aptidões físicas e intelectuais, aprimorando seus aspectos comportamentais, se torna adulta, cheia de responsabilidades da própria idade, e depois envelhece com a sabedoria própria dos que souberam extrair da vida suas lições, que vai perdendo seu lado sentimental.

O sentimentalismo do homem não é aspecto diferenciador da mulher, não é fator que se despreza por vontade própria e nem some de tal modo a tornar o indivíduo um mero objeto inanimado. Carrega a emotividade consigo desde criança e jamais perderá o poder de, por exemplo, submeter-se ao sofrimento mais incontido todas as vezes que o seu íntimo seja afetado.

Talvez o caráter do homem se mostre mais verdadeiro ao não fingir ou esconder sentimentos. Quando se diz que é próprio de muitos homens o seu jeito inflexível, sua obstinação, seu jeito duro de ser e até sua intolerância, e tudo isso misturado a doses de arrogância e brutalidade, também se poderia dizer sobre o aspecto exterior que tenta demonstrar isso e o interior que sofre por ter de ser assim.

A lógica e o percurso da vida demonstram que o homem não muda totalmente os seus aspectos comportamentais quando alcança a idade adulta. Muito do jeito de criança e do adolescente continua presente nas fases posteriores. E se o menino e o adolescente sofrem, padecem, se angustiam, possuem sofrimentos terríveis, lamentam e choram, então por que o adulto perderia essa capacidade adquirida?

A própria vida testa até onde vai a dureza do homem e como ele se comportará diante de determinadas situações. As perdas são muitas; não pode fingir que não sente a dor que todos sentem; e se ainda assim continua mantendo a inseparável couraça, de repente se vê transtornado ao recordar um momento, ao ouvir uma música, ao reler uma carta, ao olhar para uma fotografia. E se foi abandonado pela mulher, então não haverá como disfarçar contentamento nem que estampe no rosto sinais de felicidade.

Fato é que ninguém é feliz a todo instante, não canta vitória a todo momento. Aliás, a vida é mais permeada de dificuldades, desacertos e desesperanças do que de bonanças e grandes realizações. E quando surgem os momentos indesejáveis, algo surgido por uma perda qualquer, nada mais útil do que chorar essa dor para dizer a si mesmo que se ressente desses momentos mais difíceis.

Verdade é que os banheiros, os quartos, as camas, as portas fechadas, as janelas, os recantos mais escondidos, estão repletos desses durões da vida. Só que lá dentro, fugindo da presença de outros, com vergonha de mostrar o que realmente sentem, choram de se acabar, se lamuriam, batem em paredes e arrancam cabelos. Ah, dor, quanta dor, e sempre navegando num imenso, caudaloso rio de lágrimas.

Portanto, não adianta dissimular, pois, a dor que não é vista no rosto, mas se espalha pelo que resta de corpo, invade o coração e amargura até o pensamento. É melhor, pois, expressar verdadeiramente o que sente, sob pena de que as lágrimas que mereciam ser choradas sejam revertidas sobre você mesmo, quando não mais existir. Alguém demonstrará que tem sentimento.

Rangel Alves da Costa* 
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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