Por: Rangel Alves da Costa*
DOCE E SUBLIME TRISTEZA
Da tristeza com tantas faces, prefiro a do disfarce. A doce, a meiga, a sublime, a singela tristeza.
Tristeza cortante não, que dói. Tristeza de perda, de angústia, de sofrimento, de dor e de lamento não, pois tudo dói demais.
Mas a tristeza do disfarce, aquela que chega porque há quase um desejo de sua presença. Uma tristeza que vira e remexe um pouco com os sentimentos, traz uma pontinha de tormento, mas que é adorável suportá-la.
Pois sublime é a tristeza plantada e colhida com a chuva que cai lá fora, com a vidraça embaçada, com a música que ressoa momentos, com o verso que vai nascer, com a recordação que virá ao abrir ao baú de tantas lembranças guardadas.
Vou ensinar uma receita de doce e singela tristeza. É tudo simples demais, assim como bolinho de chuva com pitada de melancolia. Leia cuidadosamente minha bula e siga todas as instruções aqui contidas. Não haverá contraindicações se fizer apenas o que prescrevo.
Na verdade, são várias receitas num só sentido, pois todas objetivam mostrar que a tristeza como algo desejado serve para alimentar os sentimentos e proporcionar em cada um reflexões sobre coisas inusitadas que tanto gostaria de reviver.
Revire os móveis antigos, traga do canto mais fundo aquele velho e esquecido baú. O simples olhar para a madeira de verniz antigo já produz enternecimento no olhar. Abra com carinho e vá revirado tudo até encontrar o que deseja.
Talvez não deseje encontrar algo em especial, mas os envelopes, as cartas, os bilhetes, as fotografias e os pequenos objetos encontrados logo despertarão especial interesse. Dentre todos, sempre haverá alguns que merecerão ser relidos, revividos, docemente relembrados.
E que bela tristeza no olhar ao tocar na velha e amarelada fotografia. Nem lembrava mais daquele bilhetinho ali guardado, mas como foi significativo um dia. Uma folha escrita e jamais enviada. A marca do batom ainda continua avermelhada. Aquele papel poderia ter mudado tudo...
Certamente virá uma tristezinha miudinha, uma pontadinha de relembrança sofrida, mas nada que não seja muito menor do que o prazer de reviver momentos idos. E o mesmo acontecerá quando você decidir olhar mais atentamente para os móveis, os objetos, as dependências de sua casa.
As fotografias penduradas nas paredes, a velha cristaleira com suas taças e outras relíquias, a escrivaninha antiga e de madeira trabalhada tantas vezes usada para escrever cartas e memórias, um porta-retrato faltando a fotografia de alguém, um quadro pintado a óleo com paisagem que faz lembrar muitas coisas, o velho baú, o velho piano, até a janela com seu cortinado dançante ao sabor do vento do entardecer.
Se quiser chorar também pode, mas não de dor ou tristeza profunda, mas apenas com lágrimas que descem merecidamente suaves. E não poderia ser diferente quando você enxerga lá no alto a lua mis bonita do mundo, mais cheia, mais namoradeira e apaixonante; quando você abre a janela para mirar o horizonte e encontrar a revoada que sempre passa naquele momento.
Faça um pacto com a lágrima boa, com o doce chorar, o singelo entristecimento. Assim, quando a chuva cair, principalmente se for no meio da noite ou na madrugada, vá para o lado da porta e procure sentir aquele vapor molhado acariciar, estenda a mão para encontrar um pingo, sinta quanta grata melancolia chega nesse momento. O tempo fechado, o barulho da chuva, os pingos caindo, as águas correndo, tudo e tanta descoberta para os sentimentos.
Os olhos se fecham um pouco, apertam, o coração se ressente, o sentimento viaja em busca do bom entristecimento. A lágrima fininha insiste em se derramar. Não finja não, não esforce para escondê-la não, deixa-a brotar, correr, escorrer, que logo em seguida surgirá o sorriso de encantamento, o doce prazer pela tristezinha momentânea.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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