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domingo, 4 de agosto de 2013

“NOS CAMINHOS DESSA VIDA, NUMA PORTA A ACOLHIDA...” (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

“NOS CAMINHOS DESSA VIDA, NUMA PORTA A ACOLHIDA...

O velho viajante, num misto de mercador e ambulante, depois de muita lonjura e muito cansaço, entrou na curva da estrada e logo avistou um casebre. Que alívio, pensou. Talvez receba um gole d’água e uma xícara de café, e nas graças de Deus um punhado de farinha com naco de rapadura. Disse a si mesmo já de boca molhada.

Judiou um pouquinho mais nos quadris do velho burro de estrada e chão, e este entendeu o dolorido recado. Apressou o passo, olhou adiante, e também se viu de olhos mais brilhantes e esperançosos. Talvez fosse ali, nas sombras do juazeiro defronte à casinha, que iria descansar de tão longa viagem e de tanto peso no lombo.

Não demorou muito e o animal riscou debaixo do sombreado. Sentiu um alívio danado quando o seu dono pulou numa ligeireza de quase rolar por cima de espinho. E viu quando o amigo seguiu quase correndo na direção da casinha, que continuava de porta fechada. Mas certamente havia morador, pois se avistava uma galinha ciscando e um cachorro magro fuçando a terra.

Diante da porta, na esperança de todo viajante de receber acolhida, o homem bateu na troncha e carcomida madeira, preparou o cumprimento de chegada e dobrou a mão. Um toque, dois toques:

“Oi de casa, oi de dentro, venho na paz do Senhor, sou um pobre viajante que roga o seu favor...”.

Silêncio total. Mas pareceu ter ouvido um chinelar lá pelos fundos da moradia. E repetiu o mote sertanejo de respeito e veneração diante da porta alheia:


“Senhor meu dono da casa, não se assuste com esse irmão, sou também um conterrâneo, sou filho desse sertão, bato na sua porta com a divina permissão...”.

E aproximou o ouvido da madeira. Sentiu que alguém se aproximava e em seguida uma voz feminina ecoar, resposta de velha senhora que se precavia antes de saber se poderia atender. E disse a sertaneja:

“Se é do bem diga a que vem. Preciso saber quem é antes de dar meu amém. Se vem na graça divina, aqui mora a graça também...”.

Daí em diante o diálogo se aperfeiçoou. Ele falava, ela respondia. Ele numa aflição danada para matar a sede; ela querendo dar acolhida, porém temerosa demais por causa da solidão.

“Senhora dona da casa, sou vivente da estrada, vendo enfeite e pano pra criança e a meninada, trago notícias do mundo pra quem ainda não sabe nada...”.

“Só mesmo um pano de chita pra uma velha ficar bonita. Mas não tenho um só tostão, nada que lhe ponha à mão, em troca de novidade, coisa nova no sertão. A pobreza me impede de ter do buquê uma flor, mas vou lhe abrir a porta em nome do Nosso Senhor...”.

“Senhora dona da casa, mas que bondoso coração, ficarei agradecido se me tirar da aflição, oferecer um gole d’água a esse cansado irmão...”.

“Gole d’água não se nega nem que seja a inimigo, pois a sede é bicho brabo, talvez o maior castigo. Vá entrando e se ajeite, na pobreza o seu deleite, não olhe pro que não tem e pra velharia também, pois vivo sem ter quase nada e já no fim dessa jornada, a última curva da estrada...”.

“Gota d’água satisfaz, quem dera poder ter mais. Vou ficar agradecido por ser tão bem recebido. Não se preocupe em ser pobre se tem uma alma nobre, pois a fortuna está na paz e isso é o que satisfaz...”.

“Depois da água um café, também ofereço um pão. Tão pouco, é quase nada, mas tudo de coração, também a fome não espera a mesa farta de grão...”.

“Qualquer coisa me apetece e o espírito agradece. Com a vossa permissão, mostrarei a gratidão. Vai escolher o que quiser daquilo que eu dispuser. Escolha um corte de pano, uma chaleira ou um abano, um espelho ou um loção, darei com satisfação...”.

“Tudo isso eu queria, e tudo me dá alegria. Mas eis meu mais fervor: uma imagem de Jesus, o filho de Deus numa cruz, mas também ressurreição pra nossa vida ter luz...”.

E ganhou chita e perfume e também um retrato emoldurado do Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao colocar na parede de barro, os olhos da velha senhora brilhavam tanto que mais pareciam o sol do sertão tomando a casa inteira.

Depois de beber água de cuia, do descanso e do capim ressequido, o animal tomou o rumo da estrada. O homem havia comido pouco, quase nada, apenas uma xícara de café com pão, mas parecia saído do maior banquete do mundo. Estava com o espírito tomado do maior alimento que possa existir: a felicidade.

Por isso é que pelos sertões se diz que nos caminhos dessa vida, numa porta a acolhida.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

http|://blogdomendesemendes.blogspot.com


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