Por: Leandro Cardoso Fernandes*
O cangaceiro Moreno e Leandro Cardoso Fernandes - Publicado em 20/07/2012 por pacabral
Na madrugada
do dia 28 de julho de 1938, na margem sergipana do Rio São Francisco, em
Angico, irrompeu o tiroteio em que morreram Lampião, Maria Bonita,
Enedina, Luiz Pedro, Mergulhão, outros 6 cangaceiros e o soldado Adrião Pedro
de Souza.
O ataque foi
fruto da ação conjunta entre as volantes do Tenente João Bezerra da Silva, do
Aspirante Francisco Ferreira de Melo e do sargento Aniceto Rodrigues, todos da
polícia alagoana. Apesar dos contratempos, Bezerra e Ferreira de Melo
conseguiram superar a inteligência bélica de Lampião, impondo ao experiente
cangaceiro o fator surpresa, com grande êxito.
Fonte: http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/
Neste pequeno artigo,
tentaremos reconstituir, de maneira sucinta, o desenrolar da trama que culminou
com a morte do Rei e da Rainha do Cangaço.
Desde meados
de 1936, após a invasão de Piranhas (AL) por Gato, Moreno e Corisco,
que a perseguição aos cangaceiros acirrou-se sobremaneira. Lampião vinha
driblando as volantes na região limítrofe entre Alagoas, Sergipe e Bahia,
sempre margeando o Rio São Francisco e as caatingas destes três estados, onde
estabelecera grande e sólida rede de coiteiros.
Antes do
combate do Angico, o último grande confronto de Lampião com forças volantes foi
o combate da Lagoa do Domingos João, arredores de Canindé do São Francisco
(SE), em meados de 1937, onde fora surpreendido pela volante de Zé Rufino.
Desde então, Lampião estava retraído, escondendo-se ora na margem sergipana,
ora na margem alagoana do Velho Chico.
Zé Rufino - Fonte: Acervo pessoal Leandro Cardoso
Neste período,
Maria Bonita começou a “escarrar” sangue. Especula-se que tenha sido
sequela do tiro que levara na Serrinha do Catimbau (Garanhuns, Pernambuco) dois
anos antes ou, quem sabe, tuberculose. Lampião, com a ajuda e proteção do
todo-poderoso Coronel sergipano Hercílio Brito, enviara Maria, incógnita, para
Propriá, cidade próspera do interior sergipano, para ser tratada adequadamente
por médico, o que foi feito a contento.
No período de
ausência de Maria, Lampião ficou gravitando entre os municípios de Canindé do
São Francisco, Poço Redondo (SE) e Piranhas. Numa das vezes que
visitou a fazenda Pedra D’Água, município de Canindé do São Francisco, de
propriedade de Dona Delfina Fernandes. Lampião prometeu, nesta ocasião, que em
fins de julho, após o retorno de Maria, retornaria à fazenda para apadrinhar
uma criança da fazenda, conforme havia lhe pedido a proprietária.
Quando da
travessia do São Francisco, de Alagoas para Sergipe, dias antes do combate do Angico,
teria dito ao grupo que estava cansado da perseguição que lhe moviam as
volantes da Bahia, Pernambuco (os Nazarenos), Alagoas e Sergipe; que talvez
fizesse uma grande viagem para Minas Gerais, e que quem quisesse acompanha-lo
estava livre para fazê-lo (palavras do ex-cangaceiro Candeeiro). Disse também
que chamara, para uma reunião, os subgrupos de Corisco, Ângelo Roque (o
Labareda) e Zé Sereno.
Corisco
recebera um bilhete de Lampião, cujo conteúdo (relatado por Dadá) convocava-o
para dar uma lição em Zé Rufino, que “queria passar de pato a ganso”. No
entanto, o real motivo da reunião, até hoje é motivo de especulação. Corisco
ainda chegou até o Angico, dois dias antes do combate, mas disse a Lampião que
não gostava daquele lugar que parecia “cova de defunto: com uma entrada e uma
saída”. Após conversar com Lampião, atravessou novamente o São Francisco,
ficando na margem alagoana, esperando o grupo de Ângelo Roque, que ainda não
havia chegado, para novamente se encontrarem.
O coiteiro de
Lampião no Angico era Pedro de Cândido, que morava em Entre-Montes, localidade
próxima a Piranhas, na margem alagoana do rio. Um vizinho, Joca Bernardes,
desconfiou de Pedro, pois este havia comprado muitos queijos, além de ter
trazido coisas da feira de Piranhas. Joca, que tinha, talvez, inveja do vizinho
(provavelmente pela proximidade deste com Lampião) foi até a delegacia de
Piranhas e avisou ao Sargento Aniceto Rodrigues: - Aperte Pedro, que ele
tem Lampião!
Aniceto,
então, telegrafou para João Bezerra, que estava na cidade de Pedra de Delmiro
(AL), com sua volante e com Ferreira de Melo, enviando a seguinte mensagem: “Venha
imediatamente. Boi no pasto!”.
Bezerra, que
entendeu a mensagem codificada, tomou duas metralhadoras emprestadas da volante
do nazareno Odilon Flor, sem nada informa-lo, e apressou-se para retornar a
Piranhas.
Na tarde do
dia 27, as três volantes (Bezerra, Ferreira de Melo e Aniceto) partiram com a
informação dada por Joca Bernardo de que Pedro de Cândido tinha o paradeiro de
Lampião. Bezerra, então, manda dois soldados buscarem Pedro em casa.
Pedro é
trazido e questionado por Bezerra e Ferreira de Melo. Nega saber do paradeiro
de Lampião. O Tenente, então, subjuga-o e arranca uma das unhas de Pedro com a
ponta do punhal e “força” sua costela “mindinha” com o cabo do mesmo punhal.
Pedro, então, confessa tudo: Lampião está ali perto e ele os levará até ele.
Pede, entretanto, para irem buscar seu irmão, Durval Rodrigues Rosa, pois ele
sozinho teria dificuldade de guiar as três volantes. Durval, pego de surpresa,
é, então, incorporado à tropa.
Procuram o
canoeiro Pedro Bengo, que ajouja duas canoas, e, assim, consegue transportar
todos os homens para a margem sergipana do rio.
Os soldados
seguiram silentes, tomando cachaça com pólvora para vencer o frio e o medo de,
naquela madrugada, enfrentarem o Rei do Cangaço.
Voltemos aos
cangaceiros.
Após sua
recuperação, Maria retorna ao seio do bando, dias antes do combate do Angico.
Chega, porém, com uma novidade: cortara o cabelo ‘a la garçon’, então na moda,
o que despertou a fúria de Lampião, que não aprovou a “modernidade”. Segundo
testemunhas (depoimentos de Dulce e Cila), tiveram um briga feia na véspera do
combate.
Na noite
daquele 27 de julho de 1938, Maria, Cila e Dulce sentaram-se no alto de uma
pedra para fumarem. Maria botou para fora a raiva que estava de Lampião e as
três conversaram bastante, inclusive sobre o que aconteceria se fossem presas.
Maria dizendo que se fosse presa por uma volante baiana não teria muitos problemas,
pois tinha primos que sentaram praça. Cila, por sua vez, disse que preferia as
volantes de Sergipe. Em determinado momento, Cila chama a atenção das amigas
para uma luz que acendia e apagava ao longe. “- Não será luz de pilha
(lanterna)”, perguntou?. Maria, que era a mais experiente, não deu bola e
disse que era vagalume. Ledo engano. Era a tropa que avançava.
Enfim, jogaram
conversa fora e depois voltaram para dormir. Segundo Balão, todos se recolheram
por volta das 22h. Enquanto isso os soldados se aproximavam silenciosamente,
tentando fechar o cerco.
Acordaram por
volta das quatro e meia/cinco horas da manhã. Lampião convidou para rezarem o
Ofício de Nossa Senhora. Os que quiseram, levantaram-se e rezaram. Outros
continuaram sob as cobertas, por causa do frio (caso de Candeeiro). Já outros,
rezaram e voltaram a deitar-se (caso de Cila). Lampião, Zé Sereno e Luís Pedro
já estavam de pé e tomaram um cafezinho feito pelo cangaceiro Vila Nova (o
único que estava devidamente equipado naquela hora). Zé Sereno ponderava com
Lampião que já haviam se demorado muito ali e que deveriam sair, sob pena de
serem emboscados. Lampião disse que sairiam após o café.
Então, Lampião
ordenou que Amoroso fosse até um dos caldeirões de água (pequena poça d’água
acumulada a uns 70-80 metros de onde estavam). Amoroso, ao chegar no referido
caldeirão, se preparou para urinar, e iria fazê-lo em cima dos soldados, que
estavam escondidos ali próximos. Estes haviam recebido ordens de João Bezerra
para não atirar antes dele, até que o cerco estivesse fechado. Os soldados,
porém, não tiveram escolha, pois o cangaceiro estava muito próximo, quase
“topando” neles.
Atiraram,
então. Mas, por medo ou embriaguez, erraram e Amoroso volta correndo. Nesse
ínterim, Maria Bonita vinha na mesma direção, com uma bacia de queijo do reino,
para pegar também água. Os soldados, então, não perdem tempo e atiram na
cangaceira, que grita: “- Valhei-me, Nossa Senhora!”. Maria foi, então,
alvejada na barriga e, quando virou-se para correr, recebeu um balaço nas
costas, caindo, logo adiante.
O tiroteio,
neste meio tempo, já irrompeu para os lados onde Lampião estava. Zé Sereno,
quando ouviu os tiros sobre Amoroso, disse a Lampião: “Não falei que a gente
brigava hoje?”.
Logo aos
primeiros tiros, o fuzil de Lampião foi atingido no engenho, o que limitou a
reação do Rei do Cangaço (palavras de Candeeiro), e o fez ser atingido no tórax
e no baixo ventre, caindo ao solo.
Zé Sereno
conseguiu escapar ao furar o cerco parcialmente fechado (Aniceto perdera-se e
não havia conseguido chegar neste momento) fingindo-se passar por um volante:
“- Não atire, que é companheiro!”. Conseguiu, portanto, fugir.
Candeeiro
correu, mas topou com os soldados de Aniceto Rodrigues no meio da mata, e foi
atingido no braço, perdendo a capacidade de revidar os tiros. Mesmo assim,
conseguiu fugir, ajudado por Amoroso e outros cangaceiros.
Cila, que
praticamente foi arrastada pelos companheiros, estava em estado de choque.
Correu pela caatinga descalça, pois não teve tempo de calçar as alpercatas. Na
hora da fuga, a cangaceira Enedina vinha atrás dela. Em determinado momento,
Cila sentiu um impacto nas costas e virou-se pra ver o que era. Deparou-se com Enedina
caída no chão: levara um tiro na nuca e os pedaços de massa encefálica,
meninges e sangue foram às costas de Cila. Segundo relatou em entrevista ao
autor destas linhas, demorou muito tempo para tirar as manchas de sangue e
cérebro que ficaram no seu vestido.
O tiroteio foi
intenso e durou uns 20 a 25 minutos. Um dos soldados, Honorato, deu um tiro na
cabeça de Lampião, quando este estava caído no chão, o que suscitou grande
reprimenda de João Bezerra, que disse: “-Não atirem na cabeça! Não é pra esbagaçar!
É pra cortar e levar!”.
Segundo
depoimentos de cangaceiros e volantes, Maria Bonita teria implorado para não
morrer. No entanto, foi degolada pelo soldado Santo (na verdade, Sandes), ao
que parece ainda com vida.
O tenente João
Bezerra foi baleado na perna durante o combate, provavelmente por Zé Sereno. Um
soldado, Adrião Pedro de Souza foi morto durante o combate, provavelmente por
Balão.
Corisco ouviu
o tiroteio, mas como estava no outro lado do rio, não teve como dar uma
retaguarda a Lampião. Só depois ficou sabendo o resultado do confronto.
João Bezerra
ordenou que os onze cangaceiros mortos fossem decapitados e as cabeças levadas
para Piranhas, onde foram fotografadas na escadaria da prefeitura. Depois de
condicionadas em latas de querosene, foram levadas para Maceió, não sem antes
serem exibidas em várias cidades do interior de Alagoas aos circunstantes, o
que muito prejudicou a conservação das mesmas.
Em Maceió, as
de Lampião e Maria foram examinadas pelo médico legista da Polícia Militar de
Alagoas, Dr. José Lages Filho, que emitiu laudo de necropsia das peças.
Posteriormente, foram mandadas para o Instituto Nina Rodrigues, em Salvador,
onde ficaram expostas até 1969. Neste ano, foram sepultadas em urnas, após
pedido da família.
Aí está, em
algumas pinceladas, o combate do Angico, o tiro de misericórdia no Cangaço, que
ainda estrebucharia até 1940, com a morte de Corisco. Os grandes vitoriosos
deste episódio foram João Bezerra e Francisco Ferreira de Melo, que conseguiram
seu intento, apesar dos muitos empecilhos que se apresentaram (a recusa inicial
de Pedro em ajudar, o cerco que não estava fechado, a travessia do rio…). As
luzes de Bezerra e Ferreira de Melo ofuscaram o brilho de Lampião, que não
conseguiu cumprir a promessa que fizera a Dona Delfina. A dona da fazenda Pedra
D’Água teve de arrumar outros padrinhos para festa em que aguardava Lampião e
seu bando, com muito arroz doce e canjica.
* Leandro
Cardoso Fernandes é médico, escritor e consultor da Sertão Games para o Cangaço
Wargame. Apaixonado pelo tema desde os 12 anos de idade, coleciona peças e
fotos originais. Também realizou várias entrevistas e conversas informais com
cangaceiros.
Referências:
Araújo. A.A.C.
“Assim Morreu Lampião”. Traco Editora. São Paulo. 1971.
Depoimentos de
Zé Sereno e Balão a Antonio Amaury C. de Araújo. São Paulo. 1970.
Depoimento de
Cila a Leandro Cardoso Fernandes. São Paulo. 2003.
Depoinento de
Leônidas Fernandes (filho de Dona Delfina) a Leandro Cardoso Fernandes. São
Paulo. 2003.
Candeeiro.
Vídeo de Aderbal Nogueira. 2008.
http://cangaco.com/2012/07/20/o-ultimo-combate-de-lampiao
htt://blogdomendesemendes.blogspot.com
Caro Mendes: Grato pelo seu mais recente e-mail a mim dirigido, onde junto ao mesmo trazia uma crônica bem elaborada e divertida, e, fiquei feliz ao ler a matéria: O ÚLTIMO COMBATE DE LAMPIÃO, de autoria do ilustre médico e escritor LEANDRO CARDOSO FERNANDES. Gentiliza dizer ao Dr. Leandro que necessitamos de muitas outras matérias escritas por ele e postadas no blog do MENDES, uma vez que, profundo conhecedor da ciência médica, ele poderá desvendar determinados episódios da sua área de atuação profissional, da vida e morte dos jovens cangaceiros, e mesmo, vida e morte dos volantes que combateram o cangaço. Talvéz por falta de tempo, os artigos do Dr. Leandro têm feito falta aos pesquisadores, principalmente aos estreantes da história, como é o meu caso, que sou um estagiário no assunto. Grato ao Professor Mendes , que é tão atuante nas suas postagens , e ao Escritor Leandro Cardoso - pesquisador de profundo conhecimento na História do Cangaço.
ResponderExcluirAntonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha-Ba. e-mail: antonioj.oliveira@yahoo.com.br