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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

SINHÔ PEREIRA EM PASSAGEM POR CARACOL

Sinhô Pereira

De acordo com a maioria dos autores sobre o tema, a expressão “cangaço” deriva-se de “canga”, peça de madeira colocada sobre o pescoço dos bois de carga. Os cangaceiros usavam verdadeiras cangas no pescoço para o transporte de utensílios pessoais.

O cangaço ocorreu em vários momentos da história nordestina. Primeiro com o valente José Gomes, de alcunha “Cabeleira”. Este aterrorizava as terras do Estado do Pernambuco, por volta de 1775. Anos depois, o cangaço foi protagonizado por Jesuíno Alves de Melo Calado, apelidado de “Jesuíno Brilhante”. Nasceu em 1844 e faleceu em 1879. Era natural do Estado do Rio Grande do Norte. Este saqueava os comboios do governo, roubava alimentos e distribuía entre a população pobre das redondezas. Depois foi a vez de Antônio Silvino. Nasceu em 1875 e faleceu em 1944. Tinha o apelido de “Rifle de Ouro”. Era pernambucano. 

Iniciou-se o cangaço como volante. Em 1914. O mentor e líder era Sebastião Pereira da Silva, conhecido como Sinhô Pereira. Foi o comandante de Lampião. Nasceu em Serra Talhada-PE, a 20 de janeiro de 1896. Apelidado “Demônio do Sertão” pelos populares, por ser um rei nas estratégias de guerrilhas pela caatinga. Por várias vezes foi cercado pela polícia, e conseguia escapar. Era um homem do bem, embora justiceiro popular, pela via da violência. A época era assim, a justiça era feita pelas próprias mãos.

Era sobrinho neto do coronel Andrelino Pereira da Silva, o Barão do Pajeú, primeiro intendente (prefeito) da Vila Bela (Estado do Pernambuco). Também sobrinho do Padre Pereira e filho de Manuel Pereira da Silva. A tradicional família “Pereira”. A entrada do jovem Sebastião para o cangaço teve início em rixas e mortes entre “Os Pereiras” e “Os Carvalhos”. No livro “Sinhô Pereira: o comandante de Lampião”, de autoria de Nertan Macedo, publicado em 1980, a descrição:

- Manoel Pereira da Silva era irmão do Barão do Pajeú, e pai de outro Manoel – Manoel Pereira da Silva Jacobina (Padre Pereira). Manoel (pai) sempre sonhou em ver o filho padre. Mandou-o, como era de uso no tempo, estudar no Seminário de Olinda. Manoel permaneceu algum tempo de batina, derramado sobre o seu latim, mas terminou voltando para o Sertão, sem ser ordenado. Restou a Manoel o apelido de Padre Pereira.

Padre Pereira era do bem, mas por assumir a liderança política “dos Pereiras” passou a ser o mais odiado “pelos Carvalhos” (família rival). Aos 72 anos de idade, foi vítima de uma emboscada e atingido por um tiro do jagunço Luís de França, a mando da família rival. Seu filho Luís Pereira da Silva Jacobina, apelidado Luís Padre, tinha 17 anos de idade na ocasião da morte do seu pai. A esposa do Padre Pereira, Dona Chiquinha, exigiu (por questão de honra) a vingança da morte do marido. Luís Padre muito novo, não estava preparado para a missão. Pediu ajuda ao primo Né Pereira (ou Né Dadu), irmão de Sinhô Pereira. Foram escolhidos Joaquim Nogueira de Carvalho e Eustáquio Bernardino de Carvalho para serem assassinados. Assim ocorreu. 

Dias depois, Né Pereira foi assassinado “pelos Carvalhos”. Aí entra na história Sinhô Pereira, que se juntou ao primo Luís Padre, no desejo de vingar a morte do seu irmão e do seu tio. Logo os dois jovens (Luís Padre com 24 anos e Sinhô Pereira com 20 anos), mataram Luís de França, assassino de Padre Pereira. E com espírito de guerra, formaram um grupo de jagunços que passou a ser volante, andando com cangas para levar utensílios. Daí o apelido cangaceiros. Guerrearam por muitos anos.

Em 1918, Sinhô Pereira e Luís Padre resolveram recomeçar a vida e deixaram o cangaço. Alguns historiadores afirmam que eles haviam atendido a um pedido de Padre Cícero, enviado numa carta endereçada ao Sinhô Pereira, em que o sacerdote pedia que os primos deixassem a região, que vivia em clima de guerra e de medo. O sacerdote cearense ao receber a resposta favorável, enviou outra carta para Padre Castro, no município de Pedro II (Estado do Piauí), pedindo ao vigário que recebesse os dois jovens e encaminhasse-os para o Maranhão, para as terras do Barão de Santa Filomena (Estado do Piauí) e do Marquês de Paranaguá (Estado do Piauí). Mas os primos escolheram o Estado de Goiás. Do município de José do Belmonte-PE vieram em direção ao Estado do Piauí. Em Simões-PI, a caminho de Pedro II-PI, foram perseguidos e mudaram de rumo. Por questões de estratégia militar se separaram. Montados a cavalos, acompanhados de seis cangaceiros. 

Luís Padre ficou com dois cangaceiros e rumou Uruçuí-PI (hoje município). Já Sinhô Pereira ficou com quatro cangaceiros (“Cacheado”, “Coqueiro”, “Raimundo Morais” e “Gato”), rumou Corrente-PI. Passou por São Raimundo Nonato-PI e chegou a Caracol - PI. O próximo destino seria Parnaguá-PI. Mas foi cercado pela polícia do Piauí, em Caracol – PI. Isso em dezembro de 1918. A força policial era comandada pelo tenente Zeca Rubens. Um contingente de 20 soldados, e ainda mais de 40 populares. Sinhô Pereira, tido por alguns como “arquiduque do sertão”, e por outros o rei das guerrilhas na caatinga, mesmo com um grupo de cinco pessoas conseguiu escapar. Suas táticas de guerrilha funcionaram. 

Retornou para sua terra (no Pernambuco). Desistiu da viagem para o Estado de Goiás. Alegava que eles teriam um longo trecho pelo Estado do Piauí até chegar o destino final. 

Com pouca munição, com alguns dias de fome e de sede, era melhor retornar. Próximo a Remanso - BA encontraram abrigo, água e comida. Seguiu o futuro comandante de Lampião para sua terra. Chegou por lá em março de 1920. Em passagem por Serra Talhada-PE esteve com Lampião e seus irmãos Antônio e Livino. Mais tarde, outro irmão entrou para o cangaço: Ezequiel. Muitas ligações entre Lampião e Sinhô Pereira: eram vizinhos; a mãe de Lampião era afilhada do pai de Sinhô Pereira; o pai de Lampião era afilhado do Padre Pereira, tio de Sinhô Pereira; as famílias eram amigas; e com comuns inimigos: “Os Saturninos” e José Lucena.

Em Gilbués-PI (hoje município), vindo de Uruçuí-PI, Luís Padre soube do ataque ao primo. Mas seguiu pelo cerrado piauiense rumo ao Estado de Goiás. Passou em Santa Filomena-PI (hoje município). Já havia adotado um nome fajuto: José Piauí. Anos depois, já em Goiás, Luís Padre comunicou ao Sinhô Pereira o lugar onde estava. Seguro e sossegado. O cangaço na região Nordeste estava cada vez mais difícil. Sinhô Pereira resolveu ir onde estava seu primo, e comunicou ao grupo. Lampião disse que ficaria. Muitos cangaceiros ficaram com o futuro rei do cangaço, que assumiu o comando do grupo. Ao despedir-se de Lampião, disse-lhe: “Vou deixar umas brasas acesas por aí. Trate de apagá-las”.

Sinhô Pereira deixou o cangaço (definitivamente) a 08 de agosto de 1922, e foi para Minas Gerais. Anos depois se mudou para Goiás. Deu suas justificativas ao Nertan Macedo, autor do livro “Sinhô Pereira: o comandante de Lampião”, que esteve na sua casa em Minas Gerais, em 1975:

- Depois que houve outro combate na fazenda Tabuleiro, de Neco Alves, na Paraíba, fronteira com Pernambuco. De longe avistamos uns homens. Pensamos que fossem nossos companheiros. Lampião ia à frente, com Livino e “Meia Noite” (cangaceiro). Os soldados atiraram. Lampião perdeu o chapéu, ao pular para se livrar das balas. Ao voltar para apanhá-lo tomou dois tiros, um na virilha e outro acima do peito. Na hora ele saiu andando, mas não aguentou e caiu. Livino e “Meia Noite” (cangaceiro) o arrastaram até um lugar seguro. Mandei chamar o Dr. Mota, amigo da minha família, para examinar Lampião. Disse: “Nunca vi tanta sorte. Por um triz a bala pegava a bexiga e a espinha.” Fizemos um rancho, onde ficamos até Lampião poder andar. Depois do combate em que Lampião saiu ferido eu resolvi me retirar daquela vida. Saí mais por causa do reumatismo, que me atacava tanto. Tinha dia que eu não conseguia nem caminhar. Isso por causa das longas noites passadas ao relento, na friagem do sertão.

Décadas depois, Sinhô Pereira foi descoberto em Lagoa Grande, povoado de Presidente Olegário-MG, sendo dono de uma farmácia. Com nome fajuto de Chico Maranhão. O coronel Farnesi Dias Maciel foi quem deu abrigo e proteção ao ex-cangaceiro, naqueles confins de Minas Gerais. Era irmão do falecido Presidente Olegário (ex-governador mineiro), homenageado com o nome do município. 

Maura Eustáquia de Oliveira escreve no Jornal “O Globo” sobre Sinhô Pereira, nos anos 70:

- De Serra Talhada, no sertão de Pernambuco, até Lagoa Grande, no sertão de Minas Gerais, há mais de mil quilômetros de distância. Mas uma distância muito maior separa o cangaceiro Sebastião Pereira, que Serra Talhada temeu em torno de 1916, do farmacêutico Chico Maranhão, que Lagoa Grande respeita e venera desde 1923. 

Sebastião Pereira, ou Sinhô Pereira como era conhecido no cangaço, é sobrinho do Barão do Pajeú, um dos mais influentes políticos pernambucanos do início do século. Aderiu ao cangaço para vingar a morte de um irmão na rixa entre as famílias do sertão e “para levar justiça a um povo que só conhecia a lei da força”. Um dia recebeu entre seus homens o jovem Virgulino Ferreira – que mais tarde seria o temido Lampião – a quem ensinou todos os segredos da guerrilha da caatinga e depois fez ele seu lugar-tenente. Quando resolveu abandonar a vida de cangaceiro, convidou seu compadre para sair junto. Mas Lampião preferiu a caatinga.
 
Ao escritor Nertan Macedo o ex-cangaceiro disse em 1975, ao recebê-lo em sua casa, sobre a vida no cangaço:

- Era um tempo ruim. Não tinha sossego. Era só desgraça, seca e miséria. Raro o dia, na caatinga, que podíamos nos dar ao luxo de uma xícara de café. Tinha vez de nós rompermos até 12 léguas (72 km) num dia. Um estirão danado. Nessas ocasiões, a gente mal parava pra comer e descansar. Travessias fortes, perambulando de um lado para outro. Enfrentava inimigos fortes e poderosos, ainda sofria dias e dias de fome e sede. Eis a vida no cangaço. Quase todos do grupo tinham menos de 25 anos (de idade).

Em 1920, mês de junho, Virgulino Ferreira, vulgo Lampião, entra para o cangaço a convite de Sinhô Pereira. Foi seu comandante. Segundo ele próprio, sua entrada foi motivada pelo desejo de vingar a morte do seu pai. O líder Sinhô Pereira admirava-o pela sua valentia e por suas técnicas de guerras (era bom nisso). E Lampião, sempre que necessário, demonstrava idolatria ao comandante e até depois de sua saída fez tributo ao seu mestre, dizendo da sua admiração por ele. O mestre-comandante de Lampião, conta sua vida no livro “Sinhô Pereira: o comandante de Lampião”, de autoria de Nertan Macedo:

- Lampião era de uma família humilde. Ele nasceu a umas três léguas (18 km) de São Francisco, onde eu morava e seu pai fazia a feira e batizava os filhos. Conheci Lampião desde menino. Ele e seus irmãos eram independentes e muito trabalhadores. A questão dele foi de terra. Saturnino, pai de Zé Saturnino, queria tomar um pedaço de terra da fazenda Serra Vermelha, de Zé Ferreira, pai de Lampião. Houve uns tiros entre eles. Morreu um dos jagunços de Zé Saturnino, e Zé Ferreira saiu ferido. Aí “Os Ferreiras” se retiraram para Matinha de Água Branca, em Alagoas, onde ficaram sob a proteção do coronel Ulisses Lunas, em 1917. Eles estavam até destituídos de questão, quietos, trabalhando, quando em 1920 foram procurados por Antônio Matilde, casado com uma parenta deles, para juntos perseguirem Zé Saturnino. Antônio Matilde tinha um grupo de homens. Houve algumas lutas, morreu um sobrinho de Antônio Matilde e Casimiro Honório, tio de Zé Saturnino. Depois disso, Antônio Matilde desapareceu, deixando “Os Ferreiras” encrencados também com a polícia. Essa encrenca foi que provocou a morte de Zé Ferreira, pai de Lampião.

- Depois da morte de Casimiro Honório, o tenente José Lucena saiu em perseguição a Antônio Matilde. Soube que Zé Ferreira estava na casa de um “Fragoso”, foi lá e matou o velho. Antes havia matado Luís Fragoso, filho do dono da casa. Dona Maria José, mãe de Lampião, morreu 19 dias depois de desgosto. Depois da morte de Zé Ferreira, Lampião e irmãos juntaram-se com os irmãos Porcino, Antônio, Manuel e Pedro. Mas foi por poucos dias. Então, saíram atrás de José Lucena. Tiveram um encontro com um policial num lugar por nome Espírito Santo, fronteira de Pernambuco com Alagoas. Morreu gente de parte a parte. O cabo (policial) foi confundido com José Lucena e recebeu 12 tiros. A força (policial) era muito grande. Eles não eram nem a metade. Aí eles fugiram, achando que tinham matado José Lucena.

Pegando o gancho, farei aqui uma leitura do cangaço; numa visão social. Lampião fez história no cangaço tornando-se numa lenda. Seu nome está memorizado na memória coletiva e no panteão da imortalidade. 

Segundo fontes bibliográficas, os três brasileiros mais biografados – todos com mais de 3000 livros escritos sobre eles - são: Padre Cícero, Lampião e Luiz Gonzaga. Todos nordestinos. Lampião, no caso aqui, foi a referência de mobilização para todos esses grandes líderes existentes da arena da justiça social. Certa vez, o então deputado federal Francisco Julião, representante das Ligas Camponesas e militante político pela reforma agrária, declarou: “Lampião foi o primeiro homem do Nordeste a batalhar contra o latifúndio e a arbitrariedade”. Assim como muitos outros personagens da História, foi injustiçado pela visão elitista. Os fatos históricos perderam lugar para as lendas. 

O fato, é que Lampião era um jovem normal e tranquilo que trabalhava para Delmiro Gouveia, grande empresário da época. Sua revolta deu início a partir do dia em que seu pai (José Ferreira) foi assassinado (em 1920) pelo sargento de polícia José Lucena, por causa de um litígio com o vizinho José Saturnino. Naquela época a honra andava lado a lado com a vingança. Recorrer a quem? À justiça dos homens, muitas vezes manipulada pelo próprio coronelismo político? Não existia democracia. Nem diplomacia. Agir pela via da violência não era um erro de causa, era o meio mais sensato para o fim da dignidade moral. 

Lampião foi um idealista, um revolucionário primitivo, insurgente contra a opressão do latifúndio e a injustiça do sertão nordestino. Um “Robin Hood”. Um justiceiro popular. Ele sempre foi um homem justo, que comungava de valores de respeito e de relacionamento social. Seu problema não era com o povo, nunca o perseguiu. E sim, com os coronéis rurais (posseiros das terras), líderes políticos e comerciantes que exploravam o povo com a carestia. Protestou contra todas as mazelas sociais existentes na região Nordeste. Ensinou o povo a se indignar, a mobilizar-se; ensinou-nos a importância da luta. 

Sua imagem revolucionária começou a se desenhar em 1935, ainda vivo, quando a Aliança Nacional Libertadora – ANL citou-o como um de seus inspiradores políticos. Já nos anos 20 era a referência para essa linha de atuação pela justiça social. E provavelmente nos anos 10 o cangaço já representava o principal exemplo de mobilização social. Existiram erros de causa por parte do cangaço. Isso é inegável. Mas diante da grande obra da causa cívica e do mérito da história desses brasileiros cangaceiros, são insignificantes. 

Sobre a referência social de Lampião, o historiador norte-americano Billy Jayner Chandler escreveu:

- Os ingleses vibram com os feitos de Robin Hood. Os norte-americanos contam as aventuras de Jesse James. Os mexicanos, as façanhas de Pancho Villa. E os brasileiros, as de Lampião.

O cangaço foi importante e notório na luta pela liberdade e dignidade do povo sertanejo do Brasil. Deu significativa contribuição para um país mais desenvolvido e menos desigual socialmente. Vamos nos situar na região. 

Imagine a população sem renda que lhe oferecesse as mínimas condições de sobrevivência... Um povo que fazia parte apenas da estatística nacional brasileira como integrante da população. A exclusão social era total. Esses atores sociais foram ardentes defensores da causa da justiça, e os principais intérpretes das aspirações das massas. Foram líderes sociais. Heróis do povo brasileiro.

Marcos Oliveira Damasceno, 30 anos, escritor. Natural de Dom Inocêncio – PI. Doutorado em Filosofia Política. Diretor-Presidente da Produtora Sertão.

http://www.portalsrn.com.br/noticias/marcos_01.php?id=91

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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