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domingo, 19 de julho de 2015

UMA CIDADE, UM MONTE, UMA CRUZ (A SAGA DE FREI APOLÔNIO DE TODI E O SURGIMENTO DE UMA LENDA SERTANEJA, HÁ 230 ANOS)

por José Gonçalves do Nascimento*

Quando no primeiro quarto do século XIX o naturalista alemão Carl F. P. von Martius e o cavalheiro inglês A. F. Mornay cruzaram o sertão baiano em busca do lendário Bendegó, Monte Santo já era uma vila de proporções apreciáveis, igualando-se a um sem-número de povoações que então despontavam no vasto território da antiga província da Bahia.

O início do povoação remonta aos tempos coloniais, sendo seu principal responsável o religioso italiano frei Apolônio de Todi que ali estivera pela primeira vez em 1785, procedente da missão capuchinha de Massacará. Ali fora a convite de moradores da região, com a incumbência de pregar, batizar e celebrar casamentos.


Situado no sopé da serra do Piquaraçá, o antigo logradouro integrava os domínios do grande Morgado da Casa da Torre, cuja extensão principiava nos arredores da cidade de Salvador e se prolongava por praticamente toda a região nordeste. Era seu proprietário o velho e poderoso clã dos Garcia D’Ávila, pródromo da aristocracia baiana e brasileira, conhecida desde sempre pela prática condenável da pilhagem, que tinha como alvos preferenciais a terra, o ouro e o índio.

Ao alcançar o local, encanta-se o frade com a majestosa montanha. Acha-a parecida com o Calvário de Jerusalém, descrito nos textos bíblicos. E convida o público fiel a escalá-la em contrita penitência. Era primeiro de novembro de 1785.

Nascia, assim, uma lenda sertaneja.

Por ordem do religioso, cruzes de madeira foram fincadas ao longo do monte, de forma a delinear o traçado onde posteriormente seriam construídas as capelinhas que deram origem ao fabuloso santuário. “E sendo vontade de Deus – escreveu frei Apolônio anos depois, em carta ao conselheiro do rei – logo achei neste desabrido sertão muitos que sabiam de carapina e de pedreiro, de modo que mandei fazer cruzes grandes e no fim da missão, depois das duas horas, fiz o sermão da procissão da Penitência e daí às três horas da tarde se principiou a procissão da Penitência, indo colocando as cruzes no modo e na distância que ordenam os sumos pontífices”.

Durante o trajeto, foram os penitentes surpreendidos por fenômeno que os pôs à prova, significando, quiçá, o prenúncio de prodígios vindouros: “e quando se chegou à metade da colocação das cruzes de Nosso Senhor – continua o devotado filho de Francisco de Assis – repentinamente se levantou de uma baixa que descia do monte um furacão de vento tão violento, que não só apagou as lanternas que cada um trazia, mas foi preciso botarem-se no chão, especialmente as mulheres que vinham atrás. E assim, como todo povo ficou espantado, gritei que não temessem, mas que invocassem Nosso Senhor do Amparo, e, no mesmo instante, fazendo o sinal da cruz, sossegou e prosseguimos a procissão”.

Finda a missão, exortou o frade que tal penitência fosse repetida a cada ano, no dia de Todos os Santos; e que dito local não se chamasse mais Piquaraçá e sim Monte Santo. Tempos depois, de volta ao lugarejo, encarregou-se o religioso de pôr termo à magnifica obra, cuja fama, a essa altura, já corria os sertões, mobilizando levas de peregrinos em torno dos pés da Santa Cruz.

Deixemos que fale o próprio frei Apolônio, a quem Euclides da Cunha classificou como o “apóstolo do sertão” ou como um “modelo belíssimo” de missionário: “apenas eu de lá parti, Deus, para fazer conhecer que era obra sua e não do missionário, principiaram a aparecer na extensão das cruzes arco-íris de cinco cores, azul, amarelo, branco, roxo, e vermelho. O que vendo o povo ficou admirado e principiou a visitar as santas Cruzes e chegando à cruz do Calvário e beijando-a, logo viam que ficavam bons os que estavam doentes. Espalhou-se este boato, e com isto, e com os arco-íris que apareciam, principiaram a concorrer os doentes. E logo cuidei em fazer cal para fechar os passos com uma pequena capelinha e para se fazer a igreja. Mandei fazer painéis grandes a cada passo; no Calvário a imagem de Nosso Senhor; no túmulo Nossa Senhora da Soledade e São João; na igreja matriz, Nossa Senhora da Conceição e o Santíssimo Coração de Jesus”.

Em 1790, por decreto real, foi a vila elevada à condição de freguesia, sob o patrocínio do Sagrado Coração de Jesus. O título conferia status à recém- inaugurada vila, abrindo caminhos para conquistas futuras.

E assim, do labor missionário de um gigante do Evangelho, teve origem a histórica e encantadora Monte Santo – monumento singular de fé, devoção e valentia. Nos rochedos e pedras em que se assenta a arquitetura do imponente santuário, restam gravadas as marcas de heroísmo de um povo que lutou contra todas as adversidades que a história lhe impôs, mantendo-se forte, firme e resoluto.

*Poeta e cronista
jotagoncalves_66@yahoo.com.br

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Um comentário:

  1. Anônimo11:24:00

    Caro Amigo José Gonçalves do Nascimento, é impressionante os acontecimentos ocorrido com os povos da região do nordeste brasileiro. A cada nova historia um mistério, um segredo enfim, um mundo fantástico de inúmeros fatos que nos surpreende a cada dia. Eu fico fascinado diante de tanta realidade em casos que um dia aconteceu em meu país, mas me aborreço em saber que ainda são desconhecidos pela nossa sociedade. Adorei este seu documentário amigo José Gonçalves, te juro que fiquei emocionado diante de tamanha fé, que como todos sabem; é comum no coração do nobre povo nordestino. E quanto a você amigo, que nosso Bom Deus lhe de muita saúde para que tu continue a nos trazer mais fatos de nossa história para enriquecer ainda mais os nossos conhecimentos.Obrigado querido amigo, continue assim.

    Francisco Carlos Jorge de Oliveira PMPR-RR "Saudações Militares".

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