Por Rangel Alves
da Costa*
O significado
do termo olhar, enquanto verbo transitivo direto e indireto, não vai além
de avistar, dirigir os olhos a algo ou alguém, mirar numa direção, contemplar,
observar. Com efeito, olha-se para discernir, enxergar, avistar. Mas será
somente assim que os olhos funcionam perante a realidade da vida?
Os olhos
escondem mistérios. Suas retinas espelham intimamente e, por isso mesmo,
abstraem da visão a forma daquilo que desejam avistar. Não é o simples olhar,
mas a forma de olhar, o sentido provocado pela visão. E assim porque num olhar
aparentemente inocente pode estar escondida uma intencionalidade que vai além
da malícia.
Certamente que
é o pensamento, por via da construção mental, que proporciona à visão a forma
que desejar. A intencionalidade do homem – ou sua mente sádica e doentia –
chega ao cúmulo de avistar um seio nu onde há apenas uma roupa, de enxergar a
nudez por cima de uma calça, e assim por diante. Daí ser impossível saber da
normalidade ou da má intencionalidade do olhar.
Ontem,
passando pelo centro da capital, avistei uma jovem mãe amamentando sua filhinha
diante de todos. Estava sentada num banco e com um dos seios fora da blusa e ao
alcance daquela boquinha miúda, que prazerosamente sugava. Assim observei pela
curiosidade ante a atitude de desatenção dos caminhantes.
Logo fiquei
imaginando acerca da intencionalidade dos olhares das pessoas. Quem olhasse
aquela cena talvez não avistasse além de um fato simples, corriqueiro, de uma
mãe com seio de fora para amamentar sua filha. Até aí tudo bem, mas certamente
aquele mesmo seio seria avistado de outra forma perante outra situação.
Um exemplo. Se
aquela mãe estivesse desacompanhada da filhinha e sob o decote de sua blusa
surgisse uma pequena mostra dos seios, não há que duvidar das intencionalidades
maldosas dos olhares. E mais ainda se aquele mesmo seio que amamentou estivesse
totalmente à mostra.
Significa
dizer que a intencionalidade do olhar depende da intencionalidade da própria
pessoa que olha. Voltando ao exemplo do seio, para muitas pessoas, um seio
amamentando é apenas um seio que amamenta. Mas aquele mesmo seio será avistado
de forma diferente acaso seja olhado apenas como um seio à mostra.
E isto implica
em consequências. O seio que amamenta não desperta nenhuma curiosidade, nenhum
olhar diferenciado, nenhum desejo interior. Mas o seio à mostra logo faz surgir
desejos, volúpias, taras, impulsos sexuais, aflorações instintivas. Pelo
simples fato de que aquele seio é visto como uma simples parte do corpo, mas
este é percebido como verdadeiro órgão sexual da mulher.
Neste sentido,
os exemplos são muitos. Por que uma calcinha feminina exposta numa loja não
provoca o mesmo furor masculino que uma calcinha pendurada numa varal? Por que
a calcinha no varal pode provocar mais a intencionalidade erótica que a mesma
calcinha vestida pela mulher numa praia? Ou por que a mulher seminua na praia
provoca menos desejo que a mulher que passa pela rua se rebolando ou com a saia
quase mostrando a calcinha?
É a conotação
sexual que diferencia e provoca a intencionalidade do olhar. Tudo aquilo que o
homem – ou a mulher – deseje avistar com malícia ou intenção sexual, então
assim será visto pelo olhar e sentido pelo resto do corpo. Tanto é assim que
uma “cruzada de pernas” pode ser motivo suficiente para aflorar os sentidos
mais depravados. Igualmente com uma roupa justa, com um decote mais acentuado,
com umbigos de fora e bundas querendo saltar das roupas curtas demais.
Há olhares que
se acostumam e outros que redescobrem o sentido das coisas. Talvez o segredo
esteja no ato provocativo e não na nudez em si. Daí que para muitos não há a
mínima excitação em meio a uma praia de corpos quase nus. Diferente ocorre
quando alguém passa diante do olhar expondo a nudez abaixo das roupas ou
insinuando o que tem a oferecer. Então não se avista mais a pessoa, mas apenas
a nudez, o sexo, a intencionalidade.
Não é uma
situação fácil de ser compreendida, principalmente pelo fato de que um corpo nu
pode provocar menos desejo que um corpo que passa vestindo um longo. É que a
nudez parece consistir numa posteriori comum, sem maiores segredos a ser
revelados. Um corpo nu é apenas um corpo nu. E em situação tal, a
intencionalidade do olhar já perdeu seu sentido, pois concretizado.
O que importa
ao olhar é o ainda não descoberto, o não totalmente desvendado. É a vontade de
conhecer mais que deflagra um mundo de fantasias e aberrações, ao menos na
conotação sexual que se dá aos corpos que passam, às partes que se mostram, aos
rebolados que chamam. E desnecessário usar óculos escuros, pois o olhar está na
mente. E no pensamento mais ou menos obsceno de cada um.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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