O que não se
esperava é que um fato vindo da pequena Paraíba pudesse desaguar na grande
revolução de 30... Dia 26 de julho, era assassinado o presidente do estado da
Paraíba, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, renomado político e candidato à
vice-presidência da chapa derrotada do gaúcho Getúlio Vargas.
As esquinas
das ruas Palma e Nova, no centro rico de Recife, foi o palco dos 3 tiros que
viriam a tirar a vida de João Pessoa. Ali, na Confeitaria Glória, ponto de
encontro da elite nordestina, em 26 de junho de 1930 morria uma das maiores
lideranças políticas do nordeste e aliado do derrotado Getúlio Vargas. O crime,
apesar de ter sido o estopim para o movimento “revolucionário” não teve ligação
com a campanha presidencial.
Um conflito
entre o advogado paraibano João Dantas, João Pessoa e o coronel José Pereira,
chefe da cidade de Princesa teria sido o real motivo do assassinato. Senão
vejamos: era presidente do estado da Paraíba, João Suassuna, que à revelia da
oligarquia de Epitácio Pessoa, articulava a sua própria sucessão lançando a
chamada chapa dos 3 Jotas: seu chefe de polícia Júlio Lyra e os coronéis José
Pereira e José Queiroga para a presidência, e primeira e segunda vice
presidências do estado, consolidando sua força no estado.
Epitácio
Pessoa interveio e lança seu sobrinho João Pessoa que ganha a disputa e no
discurso de posse em outubro de 1928 declara: “que desejava assegurar garantias
a todos e que levaria a polícia a vasculhar propriedades à procura de armas que
abasteciam o cangaço.” Frontalmente contra a política sertanista de Suassuna e
Zé Pereira de complacência com o banditismo cangaceiro. No conflito envolvendo
as partes, que culminou com a chamada “Revolta de Princesa”, o advogado João
Dantas, filho do coronel Franklin Dantas do município de Teixeira, havia tomado
partido de Zé Pereira.
A oposição
mantida a João Pessoa por João Dantas se efetivava violenta, um apartamento
seu, localizado em um sobrado da então Rua Direita, 519, bem no centro da
capital e próximo do palácio onde trabalhava João Pessoa, foi invadido pela
polícia no dia 10 de julho, livros, documentos e móveis de João Dantas foram
queimados na calçada fronteira. Ali também teriam sido recolhidas
correspondência íntimas entre João Dantas e sua noiva Anayde Beiriz, ato contínuo
O jornal A União, que já era então o órgão oficial do governo da Paraíba,
publicou uma série de acusações gravíssimas a familiares de João Dantas,
inclusive ao patriarca, Cel. Franklin Dantas, unido a isso fizeram publicar em
jornal local, as cartas que João Dantas tinha escrito para sua amada, Anayde .
Aqui abrimos
um parêntese para citar declaração do historiador José Joffily sobre o escárnio
sofrido por Dantas com relação à privacidade de sua relação com a amada: “Bem
me lembro, quando, a caminho do Colégio Pio X onde estava concluindo o ginásio,
entrei numa fila, com outros estudantes, para ler sonetos extravagantes e
páginas confidenciais do diário do fogoso advogado, eram confidências amorosas
entre o advogado João Dantas e Anayde Beiriz”.
As desavenças
e ódio passaram a deixar cada vez as ácidas e perigosas as ligações entre
Dantas e João Pessoa, culminando, diante da pressão de amigos, com a mudança de
João Dantas da Paraíba para Olinda em Pernambuco.
João Dantas,
que morava em Olinda, aproveitou uma visita do presidente do vizinho estado
paraibano à cidade do Recife; a despeito de visitar um amigo enfermo, o Juiz
Francisco Tavares da Cunha Melo, internado no Hospital Centenário; mas que
segundo afirmação de Ronildo Maia Leite, “provavelmente João Pessoa viera ao
Recife encontrar-se com uma cantora com quem mantinha um romance secreto. ”Essa
cantora seria a soprano Cristina Maristany. E quando o mesmo se encontrava na
Confeitaria Glória, entra João Dantas, armado de um revólver, acompanhado do
cunhado Moreira Caldas. Se aproximando de João Pessoa teria dito:
”- João
Pessoa? Eu sou João Dantas”.
Aqui saem os
cangaceiros das caatingas e entram os cangaceiros da capital... Vários tiros
foram disparados por João Dantas e por Moreira Caldas, não se sabendo ao certo,
qual tenha sido a bala fatal que mataria o político. Ainda segundo Ronildo Maia
“ele morreu com as joias que, minutos antes, havia comprado na joalharia Krauze
para sua amante”. Em seguida ao assassinato do líder paraibano, o governo é
assumido por seu vice-presidente Álvaro Pereira de Carvalho, que muda o nome da
capital da Paraíba para João Pessoa e o acrescenta o lema NEGO à bandeira do
Estado, numa referência à resposta que João Pessoa teria dado via telegrama, ao
presidente Washington Luís sobre a negação de seu apoio à candidatura vitoriosa
de Júlio Prestes; o vermelho da flâmula representava o sangue da morte de seu
líder e o preto, o luto.
Voltando à
Confeitaria Glória; João Dantas ainda seria ferido pelo motorista de João
Pessoa quando fugia, e depois acabaria sendo preso ao lado do cunhado Moreira
Caldas e de novo a ironia do destino colaria cabeças decapitadas; como em
Angico; no caminho do povo nordestino.
Recolhidos à
Casa de Detenção, do Recife, os dois foram degolados e tiveram suas cabeças
enviadas para a Paraíba, era o dia 03 de outubro de 1930, o crime teria sido
arquitetado pelo tenente da força policial Ascendino Feitosa, e seu auxiliar o
soldado João da “Mancha”; ele tinha uma mancha escura no rosto, razão pela qual
lhe foi dado esse apelido; como executor.
Agora nos
valemos de um trecho de entrevista prestada pelo Coronel Manuel Arruda de
Assis, oficial da Policia Militar da Paraíba a José Romero Araújo em janeiro de
1989, “o indivíduo João da Mancha era considerado inclusive por seus antigos
colegas de farda, como um psicótico, extravagante sangrador das forças volantes
paraibanas. Naquele dia rompeu, com um bisturi pertencente ao médico Luiz de
Góes, a carótida do advogado João Dantas, como também de seu cunhado, o
engenheiro Moreira Caldas, ambos assassinados com a mesma “técnica”. O
“serviço” fora feito por um profissional macabro que conhecia muito bem o seu
“ofício”. O militar sabia milimetricamente onde iria romper a artéria, visto
que a luta corporal travada entre o intrépido advogado João Dantas e os seus
algozes impediu o seccionamento no ponto exato, como pretendia Dr. Luiz de
Góes.” E continua o coronel Manuel Arruda, “só alguém que estava profundamente
em contato com a “arte” de sangrar poderia ter feito um “trabalho” com tamanha
perfeição”.
E continuando
com as reflexões de Manuel Arruda, “quando as tropas comandadas por Juarez
Távora, ativo integrante da coluna Prestes, chegaram ao Recife, o primeiro
local visado pelos militares paraibanos foi a detenção onde se encontravam
presos João Dantas e Moreira Caldas que se tornou alvo dos comandados por
Ascendino Feitosa, estando entre estes João da “Mancha” e o médico Luiz de
Góes.” Conforme o entrevistado, esse médico era capaz de tudo, regido por
verdadeiro espírito sanguinário. E segue: “dominados os prisioneiros, Luiz de
Góes apontou a Ascendino a carótida. João Dantas entrou em luta corporal com
seus algozes, sendo atingido na sobrancelha. Com precisão invulgar, João da
“mancha” recolheu o bisturi e aplicou certeiro golpe no local indicado, pondo
fim à vida de João Dantas.” O entrevistado revelou que o corpo do advogado foi
profanado de diversas maneiras, mesmo quando estertorava. Em seguida, o cunhado
Moreira Caldas teve o mesmo fim, morrendo implorando para que o deixassem
cuidar da família.
Segundo Manuel
Arruda de Assis, era comum solicitar a presença de João da “Mancha” quando
cangaceiros eram aprisionados. No combate de 1923, quando o sucessor de Sinhô
Pereira fora ferido no tornozelo, no qual pereceram Lavandeira e Cícero Costa,
ambos foram sangrados pelo frio soldado volante que se aperfeiçoou em matar
usando o extremo da covardia e da perversidade.
Entretanto
outra versão defende que João Dantas e Moreira Caldas se suicidaram com golpes
de um mesmo bisturi, primeiro Dantas, depois Caldas, tese essa reforçada por
supostos bilhetes deixados pelos mesmos em baixo de seus travesseiros. Segundo
afirmações de José Joffily "como poderiam estes documentos de despedida,
escritos em instante derradeiro, apresentar a correta redação, o talho das
letras e a autenticidade das assinaturas, comprovadas em perícia, se tudo fosse
escrito no tumulto de uma feroz degola e trucidamento?” e continua citando a
confidência de João Dantas ao seu irmão Manoel, como prova do seu intuito de
suicidar-se:
“- No caso de
um movimento armado e vitorioso,
eu não me entrego. Mato-me!”
eu não me entrego. Mato-me!”
“- E tens ao menos com que te matar?”
“- Ele abriu a gola do pijama e retirou dele um afiado bisturi.”.
Foto Cariri
Cangaço
Fonte: facebook
Página: Sálvio Siqueira
Grupo: OFÍCIO DAS ESPINGARDAS
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