Por Rangel Alves
da Costa*
Ontem teve
início a novela Velho Chico, da Rede Globo. Nas primeiras cenas, no núcleo
ribeirinho da trama, logo foi possível a fidelidade na narrativa, nos episódios
e no contexto social, histórico e geográfico. Um tempo de coronéis, de desditas
de sangue, de explorados e de padecentes pelas secas grandes.
Como mostrado,
as barrancas ribeirinhas do passado, quando o Rio São Francisco ainda corria
pujante e caudaloso, grandes propriedades se estendiam desde suas margens. Era
um tempo de coronéis, de senhores de poder e posse, de uma gente potentada que
fazia da exploração - do homem e das águas - aquelas distâncias existir.
Coronéis de
terno de linho branco, chapéus importados sobre a cabeça, charutos sempre
presentes nos dedos, de olhos brilhosos e bocas acostumadas ao mando, a dizer
sobre os destinos de todos. Uma classe endinheirada que mandava seus filhos às
capitais em busca de anéis e formaturas para dignificar as raízes familiares. E
tal aspecto foi mostrado no primeiro capítulo da novela, onde um jovem filho de
coronel se esbalda nas facilidades da cidade grande.
Aquele
primeiro confronto havido entre o Coronel Jacinto de Sá Ribeiro e o Capitão
Ernesto Rosa, quando as armas foram puxadas e o sangue não jorrou pela
interferência do velho padre, bem retratou as desavenças constantes entre os
poderosos de então. Contudo, diante da menor patente econômica de um perante o
poder do outro, a situação seria resolvida de outra forma, com a encomendação
de morte mesmo.
O coronel
barranqueiro de antigamente não puxava, ele próprio, a arma para fazer o
serviço, para matar. Mantinha homens destinados exclusivamente à prestação dos
serviços da tocaia, da emboscada, da vileza sanguinária. Eram os jagunços, ou
profissionais da morte sob as ordens de seu patrão, que se encarregavam de todo
o feito, bastando que o sinal fosse dado para que a desfeita se transformasse
em tiro certeiro.
Envolvendo
ainda o Coronel Jacinto, afrontado por um capitão destemido, as consequências
desse fato geraram situações não muito usuais naqueles tempos coronelistas.
Primeiro, o coronel afrontado não foi mostrado perante os seus jagunços,
perante frios assassinos que estariam esperando apenas receber ordens para
tingir de sangue a desfeita. Pelo contrário, mostrou um coronel abatido,
amargurado, quase um solitário entremeado de remorsos a abandono.
Em segundo
lugar, não era costumeiro que um coronel procurasse outro coronel para que este
providenciasse o serviço de sangue. Não, pois cada coronel possuía seus
próprios jagunços. Mas o que se viu na novela foi o coronel confrontado se
servindo de outro para a empreitada de morte do capitão. Este sim, mesmo não
tendo jagunços a seu dispor, certamente tinha amigos muito interessados no fim
do poderoso da região, tido e havido como um explorador de sertanejos
empobrecidos, vitimados pela seca.
A seca escorrendo
debaixo do sol e o rio correndo mais adiante, assim os contrastes nordestinos.
Tal fato não foi esquecido no primeiro capítulo de Velho Chico. As terras
sertanejas queimadas pela seca grande, a vegetação acinzentada de dor e
sofrimento, bicho e homem sofrendo, retirantes pela estrada, um carro de bois
levando o que restava da vida de uma família. E se despedindo de um amigo que
jurou jamais sair do seu chão, ainda que a esposa grávida muito desejasse
seguir pela mesma estrada.
Contudo, a
mais impressionante das cenas não foi a da esposa do coronel remoendo
sofrimentos pela perda de um filho nas águas do rio, o amor confessado pelo
jovem Afrânio à beira do mar nem quando o velho poderoso entra na casa negando
sua culpa pelo acontecido com o filho e o sofrimento da esposa, para depois
enfartar e desabar ao chão, mas uma cena envolvendo um drama sertanejo a cada
seca que chega.
E foi uma cena
forte demais, talvez desnecessária como mostrada. Se aquela vaca estava
realmente fragilizada daquele jeito, lançada ao chão pela magreza e falta de
forças para se sustentar, a Globo, em nome da dramaturgia, negligenciou a
lastimável situação e ainda causou terrível sofrimento ao animal, que foi
puxado para cima e pra baixo e depois prostrada na terra. É assim mesmo que
acontece no sertão, mas a novela bem que poderia ter evitado mostrar tal
padecimento e com veracidade tamanha. Talvez grupos protetores dos animais
peçam maiores explicações pelos maus tratos explicitamente provocados.
Eis, assim, as
primeiras impressões sobre Velho Chico. Com erros e acertos, teve um bom
início. Resta saber o que vai acontecer quando Afrânio retornar e começar a
enfrentar o Capitão Ernesto Rosa.
Poeta e
cronista
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