*Rangel Alves
da Costa
Morreu ainda
na idade de cama, alguém afirmou com voz embargada e olhos lacrimejantes, ao
saber do passamento da prostituta. Prostituta não, uma dama das quengas, diria
outra, ante um gole de rum como despedida.
Toda a região
do meretrício se espantou quando o anúncio da morte foi confirmado. Muitos
diziam não acreditar que a mais famosa das putas de cabaré havia morrido. Gente
chorava, gente gritava, de repente os desmaios, as dolorosas manifestações. Mas
todos se perguntando: Morreu de que?
Morreu de
morte matada, um logo respondeu. Não de tiro nem de faca, não de pedra jogada
nem de punhalada, mas de uma morte matada diferente: morte matada por amor.
Sim, a prostituta havia morrido de amor, mas de um amor tão sofrido que se
podia considerar como a lâmina mais afiada.
Um amor tão
secreto quanto não correspondido. Suas amigas tudo faziam para que ela
derramasse de vez suas mágoas, revelando nome e sobrenome daquele que tanto lhe
afligia o coração. Será o Coronel Licurguino, aquele do Engenho D’Água,
perguntava uma. Ou será o deputado Climério Veremundo, aquele calhorda fisgador
de corações, indagava outra.
Mas a verdade
é que ninguém sabia. Ora, quem vai acreditar em amor verdadeiro numa mulher que
por toda vida abriu as portas pra qualquer um? Verdade que já na robustez da
idade se dava o direito de escolher seu macho, segundo o poder político,
governamental ou coronelista que quisesse. Mas ninguém acreditava que pudesse
se apaixonar.
Morreu com um
copo de uísque derramado sobre o seu peito. Dançava sozinha um bolero antigo,
inebriada de amor e solidão, sussurrando baixinho um nome tão desejado e tão
cruel ao seu coração. Quando o batom vermelho roçou a borda do copo para mais
um trago, um repuxo acompanhado de dor no peito fez com que caísse no meio da
solidão do bordel, ao som do bolero:
“Siempre que
te pregunto/ Que, cuando, como y donde/ Tu siempre me respondes/ Quizás,
quizás, quizás/ Y así pasan los días/ Y yo hay desesperando/ Y tu, tu, tu
contestando Quizás, quizás, quizás/ Estás perdiendo el tempo/ Pensando,
pensando/ Por lo que más tú quieras/ Hasta cuando? Hasta cuando?...”.
Quizás,
quizás, quizás, talvez, talvez, talvez... Eis a tortura a mortalmente afligir
aquele coração sem mais tempo para esperar. O copo deitou-se sobre o seu peito,
a boca vermelha sorria, os olhos brilhavam vívidos, tão bela ainda, tão bela...
O corpo estirado sem vida e a vitrola repetindo: Quizás, quizás, quizás...
Quando
Rosaflor - um amulezado zelador de bordel - entrou no salão para fazer limpeza,
quase se defunteia também ao se deparar com a morta ao chão. Deu dois gritinhos
finos, três pulinhos e procurou um lugar para desmaiar. Depois de passado o
chilique, correu a gritar porta afora: Açucena morreu, Açucena morreu, Açucena
morreu!
Após a notícia
se espalhar, logo foi determinado luto fechado até o enterro da amiga. Quer
dizer, daquele instante em diante nenhuma quenga abriria as pernas pra macho
algum, em respeito àquela que tão bem havia representado a vida raparigueira.
Não havia sido à toa que ela tinha levado ao bordel as classes mais influentes e
endinheiradas da região.
O velório mais
estranho que já existiu, mas foi assim com o de Açucena. O salão do bordel todo
enfeitado de rosas vermelhas, as raparigas chorosas ao redor, todas de xales
negros e lenços molhados. A defunta parecia sorrindo, contente com a homenagem
das tantas amigas, desde quengas novas a quengas velhas.
Mas seu rosto
pareceu entristecer e dos olhos surgirem como um filete de lágrima, assim que
os clientes antigos e outros senhores começaram a chegar para o derradeiro
adeus. Foi quando uma das mulheres segredou: No meio destes está o grande amor
de Açucena. Mas qual será?
Impossível
saber. Todos que dela se aproximavam com buquês se derramavam em lágrimas,
diziam palavras apaixonadas, revelavam segredos até safados demais para o momento.
Mas quando um se abeirou do caixão sem levar qualquer flor, apenas com sua mão
para acariciar as mãos da defunta, então esta empalideceu a palidez mais pálida
dos mortos.
Será este o
doce amor e mortal veneno? Quizás, quizás, quizás...
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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