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sábado, 4 de fevereiro de 2017

O ASSALTO A CASA CARRAPATELO 2ª PARTE

Por Campos Monteiro

O comandante preparara o assalto com todo o cuidado, e tomara as precauções necessárias para não se repetirem os erros de Cadeade. Acompanhavam-no, talvez, 25 homens (ou mais alguns, no máximo 30: a polícia não conseguiu apurar todos os nomes).

Ajudado pela sua experiência guerreira, traçou uma estratégia apropriada e pensou em todos os pormenores.

Mandara fazer um reconhecimento prévio ao local e escolhera os homens que entrariam consigo dentro de casa. Os restantes cobririam o assalto, uns vigiando os caminhos que levavam à quinta, outros postando-se mesmo ao redor da casa. Para pôr todo este grande plano em marcha, faltava só o regresso do batedor que enviara à frente para verificar se estava o caminho livre. Esse homem era o Vinagre, arrematante de carnes por profissão, em Canaveses, e profundo conhecedor da região.

- Vamos ter uma cobertura completa - disse o Avarento enquanto esperavam por notícias. - Os povos aqui para estes lados ficam longe da quinta, e os caseiros estão muito espalhados, e mesmo que quisessem não podiam acudir, porque temos muito pessoal.

- Se não fossem os meus homens não havia esta segurança toda - disse o Joaquim do Telhado, mal podendo abafar a inveja por os seus subordinados preferirem a chefia do irmão.

- Só há aqui uma coisa - interveio o Manuel Morgado. - Mourilhe é uma povoação grande, e podemos tê-los à perna. Fica logo do lado de lá do rio. Basta desconfiarem de alguma coisa, e aí vêm eles, é só meterem-se nos barcos, estão aí em menos de um credo.

- És um palerma! - replicou-lhe o José do Telhado. - Preparei tudo. Mandei os barqueiros virem todos para o lado de cá, Mourilhe está sem barcos.

- E não há o perigo de eles desobedecerem? - perguntou o Glórias.

- Respeitam-me muito - respondeu o José do Telhado. - Não vão arredar pé sem eu dar ordens.

Calaram-se. Ouviam-se passos a aproximar-se. Era o Vinagre que estava de volta.

- As novidades não são boas, chefe! - apressou-se ele a dizer. - Ainda há muita gente na casa.

- Ó diabo! - exclamou o comandante, preocupado. - Mas há homens? Viste bem?

- Há alguns! Há alguns! Estive lá mesmo ao pé de casa, é uma confusão, ainda há fidalgos e povo por todo o lado, ninguém deu por mim. Eu soube, por uma criada, que além da senhora, da irmã e da menina, ainda ficam lá para amanhã, o genro e o capelão, e o abade de Penha Longa, e mais o de Paços de Gaiolo, e um tal Serpa Pinto que é da Casa de Cerdeiredo, e mais duas meninas que são irmãs do genro.

- É muita gente! -disse o José do Telhado, pensativo. - É melhor esperar até amanhã.

Todo o bando olhou com ar interrogador para o comandante, aguardando explicações: então, o que fazer?

O José do Telhado virou-se para o Vinagre e recomendou-lhe: - Vais lá baixo à venda do José Ferreira, das Fragas, e trazeis comida à farta, broa, chouriço, e um cântaro de vinho e tabaco. Mas diz-Ihe que... bico calado! Desandas logo com ele para aqui, e não quero que vos vejam.

- Pronto! Está descansado!

E o Vinagre apressou-se a descer até à venda do José Ferreira, das Fragas.

No dia seguinte, 8 de Janeiro.

Terminara a ceia na Casa de Carrapatelo.

João, um dos dois homens que nesse momento se encontrava em casa - os outros criados, um fora ver sua mãe, outros dois tinham ido acompanhar ao fim da tarde o capelão, e finalmente o Francisco estava doente -, acabara de fechar todas as portas. Aproximavam-se as oito horas. Como de costume, os cães tinham entrado na cozinha para comer.

D. Ana Vitória encontrava-se num dos dois quartos do andar superior do edifício (eram as águas-furtadas) conversando com a filha, O. Ana Amélia, com a filha natural do falecido, D. Rita de Cássia, idade cerca de 45 anos, e com duas outras meninas, D. Maria da Glória e D. Josefa Maurícia (irmãs do genro por parte da outra filha que não estava presente; teriam ambas uns 22 anos de idade"

- Mãe! Pareceu-me ouvir barulho! -exclamou Ana Amélia, assustada.

- Não é nada. Foi impressão tua. São os criados a falar - disse D. Ana Vitória, procurando tranquilizar a filha.

Os criados que se encontravam em casa, nesse dia, eram:

João de Carvalho, novo, mas não sabemos a idade José Pinto, 26 anos Luísa Maria, 37 anos Quitéria, 20 anos Marcelina, 19 anos
  
Entretanto, momentos antes, tinham batido à porta da cozinha. O fiel João, pensando tratar-se de qualquer caseiro que viesse trazer algum recado ou saber ordens, aprestou-se a abrir a porta, ao mesmo tempo que soltava os cães e perguntava:

- Quem está aí?

De imediato surge-lhe um vulto pela frente. Ouve mais passos. Lembra-se dos ladrões Num movimento rápido, procura recuar e deitar a mão à porta para a fechar.

O Peneireiro vibrou-lhe uma violenta pancada com as costas de um machado, fazendo-o cair no chão, sem sentidos, à entrada da cozinha.

- Este já está! - exclamou o agressor.

Instantes depois, estavam dentro da cozinha uns dez homens: entre eles, o José do Telhado, como comandante; e ainda o Joaquim do Telhado, o José Pequeno, o Glórrias, o João de Morais, o Peneireiro, o Francisco Mineiro, e os irmãos Pedreiro (o Sopro-Leve). O José do Telhado e o seu irmão Joaquim levavam bacamarte e pistolas, e os outros iam armados com clavinas, pistolas, machados ou facas (4).

-Tu e o Glórias ficais aí de guarda! - ordenou o comandante virando-se para o Peneireiro. - Vigiais e vedes se é preciso alguma coisa. Não quero que façam mal ao homem. Se ele vier a si, mandai-o estar quieto.

As criadas gritaram. Foi um pandemónio. Luísa, a mais velha, estava sentada ao lume.

- Onde estão as suas amas? - perguntou-lhe o José do Telhado.

Diante de tantos assaltantes e o João de Carvalho no chão com a cabeça partida, Luísa nada podia fazer, quase nem podia entrar em pânico, tinha de enfrentar a situação com o máximo de sentido prático possível.

- As minhas amas estão nas águas-furtadas.

- Leve-nos até lá - disse o comandante.

Luísa obedeceu, conduzindo-os pelo corredor em direcção à sala.


Aproveitando a barafunda da agressão ao criado, a Marcelina, que também se encontrava na cozinha, percebeu de imediato o que se passava e num tremendo salto de pavor subiu para cima do forno e daí para o caniço (5), onde se manteve quieta e aterrorizada vendo o que em baixo se passava. No meio da confusão, ninguém reparara na sua fuga. "Oxalá não se lembrassem de a procurar!", pensou. "Oxalá que uma tossidela involuntária, ou até a simples respiração, a não denunciassem!"

Enviado de Lisboa capital de Portugal pelo pesquisador Roberto Emídio

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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