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sábado, 4 de março de 2017

A MENINA DE VIDRO

*Rangel Alves da Costa

E de repente, no ruflar das asas da borboleta, a ventania se fez, a folha se fez, o outono chegou e tudo mudou de repente. Ninguém diria que soprar tão leve pudesse dar início ao completamente inesperado. Mas assim acontece: as fragilidades possuem efeitos devastadores.

Assim na asa da borboleta, na brisa que sopra, na pessoa. Em certas pessoas, quando o olhar avista apenas a fragilidade, certamente não imagina o que nela se esconde com tamanha força de provocar tempestades.

É como a água que ninguém sabe fervente e o leve faz tremer. É como a frágil teia de aranha, porém tão forte que ali sustenta mil vidas. Mas que também pode sucumbir com um leve toque de mão. É como a folha orvalhada que espera o sol e não suporta o sol. Logo se desfaz.

Feições assim são encontradas em algumas pessoas. Em apenas algumas, pois não é fácil encontrar aquelas que carregam tanto segredos e mistérios em si que as tentativas de descobertas logo provocam atitudes inesperadas.

Gente existe que com tudo parece que vai partir, que vai quebrar, que vai estraçalhar por inteiro. Existem pessoas assim: tocadas demais com os acontecimentos mais simples que logo parecem tendentes a despedaçar.

Não significa, contudo, fragilidade ou fraqueza. As pessoas até que são fortes demais, firmes e resolutas, mas nunca suportam ser afetadas por qualquer coisa. Então tudo fica igual a folha seca ao sabor da ventania.

Há, na verdade, uma frágil delicadeza, uma sensibilidade extremada, uma brandura nunca acostumada com os espinhos e punhais ao redor. Por isso mesmo que até mesmo a palavra do outro poderá lhe servir como arma apontada.


Há nestas pessoas uma sensibilidade diferente, uma capacidade de sentimentalizar-se além da normalidade nas demais pessoas. São também demasiadamente emotivas, demasiadamente carentes de afetos, de carinho e de compreensão.

Numa metáfora, eu poderia dizer que são pessoas de vidro. E do mais fino vitral, do mais tênue cristal, de papel-manteiga, de asas de borboleta, da mais translúcida transparência. São pessoas que se partem perlo eco, que estilhaçam no vento, que tilintam já correndo o risco de desabar.

Conheço uma menina - e que, aliás, é minha namorada - toda feita de vidro. Também poderia ser de cristal ou de louça refinada. Mas também poderia ser de algodão doce, de nuvem, de pluma, de leve brisa. Minha namorada é tão cristalina que às vezes avisto suas iras do outro lado.

Em minha namorada há uma louça quebradiça sem igual. O seu vidro é tão fino, tão transparente e tão frágil, que até o vinho derramado sobre ele pode doer na alma. E quando dói o cristal se parte em mil pedaços, se dissolve e se dilui, em pó se transforma.

Por isso que tenho o maior cuidado de não soprar enraivecimentos perto de minha namorada. Tenho a máxima preocupação em jamais ser uma brisa mais afoita ou mesmo leve ventania. Nunca duvido que ela mesma adivinhe o que possa ameaçar sua calma.

Minha namorada - a menina de vidro - é de uma sensibilidade à flor da pele. Tenho medo que se sinta ameaçada pela gota de orvalho, pelo pingo de chuva, pelo meu sussurro. Acaso eu levante a voz um pouco mais, então será certeza de o cálice logo esvoaçar e até me ferir.

Mas por que assim, alguém poderia indagar. E logo eu responderia: simplesmente por que carrega em si tamanha sensibilidade que a mínima afetação já a coloca em perigo de se quebrar, de sumir, de evaporar.

E ao meu lado já se partiu várias vezes, já me feriu, já me sangrou. Mas ao contrário de varrer tudo e jogar fora os mil pedaços, eis que me vejo juntado tudo novamente, com amor e carinho. Mesmo tendo a certeza que mais tarde o cálice se partirá novamente.

Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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