O primeiro foi travado o seguinte diálogo.
Octacílio -
Que idade tem?
Lampião -
Vinte e sete anos.
Octacílio -
Há quanto tempo está nesta vida?
Lampião
- Há nove anos, desde 1917, quando me ajuntei ao grupo do Senhor
Pereira.
Octacílio -
Não pretende abandonar a profissão? A esta pergunta Lampião respondeu com
outra:
Lampião -
Se o senhor estiver em um negócio, e for se dando bem com ele, pensará
porventura em abandoná-lo? Pois é exatamente o meu caso. Porque vou me dando
bem com este "negócio", ainda não pensei em abandoná-lo.
Octacílio - Em
todo o caso, espera passar a vida toda neste “negócio"?
Lampião -
Não sei... Talvez... Preciso, porém "trabalhar" ainda uns três anos.
Tenho alguns "amigos" que quero visitá-los, o que ainda não fiz,
esperando uma oportunidade.
Octacílio -
E depois, que profissão adotará?
Lampião
- Talvez a de negociante..
Octacílio -
Não se comove a extorquir dinheiro e a "variar" propriedades alheias?
Lampião
- Oh! Mas eu nunca fiz isto. Quando preciso de algum dinheiro, mando pedir
"amigavelmente" a alguns camaradas. Nesta altura chegou o 1°
tenente do Batalhão Patriótico de Juazeiro, e chamou Lampião para um
particular. De volta avisou-nos o facínora:
Lampião -
Só continuo a fazer este "depoimento" com ordem do meu superior.
(Sic!)
Octacílio -
E quem é seu superior? (!).
Lampião -
Está direito Quando voltamos, algumas horas depois, à presença de Lampião,
já este se encontrava instalado em casa do historiador brasileiro João Mendes
de Oliveira. Rompida, novamente, a custo, a enorme massa popular que
estacionava defronte a casa, penetramos por um portão de ferro, aonde veio
Lampião ao nosso encontro, dizendo:
Lampião -
Vamos para o sótão, onde conversaremos melhor.
Subimos uma escadaria de pedra até o sótão. Aí notamos, seguramente, uns
quarenta homens de Lampião, uns descansando em redes, outros conversando em
grupos; todos, porém, aptos à luta imediata: rifle, cartucheiras, punhais e
balas...
Octacílio -
Desejamos um autógrafo seu Lampião.
Lampião -
Pois não!
Sentado
próximo de uma mesa, o bandido pegou da pena e estacou embaraçado.
Lampião -
Que qui escrevo?
Octacílio -
Eu vou ditar.
E
Lampião escreveu com mãos firmes, caligrafia regular.
Juazeiro,
seis de março de 1926 Para... E o Coronel... Lembrança de eu, Virgulino
Ferreira da Silva. Vulgo Lampião.
Os
outros facínoras observavam-nos, com um misto de simpatia e desconfiança.
Ao lado, como um cão de fila, velava o homem de maior confiança de Lampião,
Sabino Gomes, seu lugar-tenente, mal-encarado.
Sabino
Gomes - É verdade, rapazes! Vocês vão ter os nomes publicados nos
jornais em letras redondas...
A
esta afirmativa, uns gozaram o efeito dela, porém parece que não gostaram da
coisa.
Octacílio -
Agora, Lampião, pedem para você escrever os nomes dos rapazes de sua maior
confiança.
Lampião
- Pois não. E para não melindrar os demais companheiros, todos me merecem
igual confiança, entretanto poderia citar o nome dos companheiros que estão há
mais tempo comigo.
E
escreveu.
1
- Luiz Pedro,
2 – Juriti,
3 – Xumbinho,
4 - Nevoeiro ,
5 - Vicente ,
6 – Jurema.
E
O ESTADO MAIOR:
1
- Eu, Virgulino Ferreira
2 - Antônio Ferreira
3
- Sabino Gomes .
Passada
a lista para nossas mãos fizemos a "chamada" dos cabecilhas fulano,
cicrano, etc. Todos iam explicando a sua origem e os seus feitos. Quando chegou
a vez de "Xumbinho", apresentou-se-nos um rapazola, quase preto,
sorridente, de 18 anos de idade.
Octacílio - É verdade, "Xumbinho"! Você, rapaz tão moço,
foi incluído por Lampião na lista dos seus melhores homens... Queremos que você
nos ofereça uma lembrança..."Xumbinho" gozou o elogio. Todo humilde,
tirou da cartucheira uma bala e nos ofereceu como lembrança.
Octacílio -
No caso de insucesso com a polícia, quem o substituirá como chefe do
bando?
Lampião - Meu
irmão Antônio ou Sabino Gomes.
Octacílio - Os jornais disseram, ultimamente, que o tenente Optato, da
polícia pernambucana, tinha entrado em luta com o grupo, correndo a notícia
oficial da morte de Lampião.
Lampião -
É o tenente é um "corredor", ele nunca fez a diligência de se
encontrar "com nós"; nós é que lhe matemos alguns soldados mais
afoitos.
Octacílio -
E o cel. João Nunes, comandante geral da polícia de Pernambuco, que também já
esteve no seu encalço?
Lampião - Ah,
este é um "velho frouxo", pior do que os outros...
Neste
momento chegou ao sótão uma "romeira" velha, conduzindo um presente
para Lampião. Era um pequeno "registro" e um crucifixo de latão
ordinário. "Velinha", apresentando as imagens: Romeira
- "Stá aqui, seu coroné Lampião, que eu trove para vosmecê”.
Lampião -
Este santo livra a gente de balas? Só me serve si for santo milagroso.
Depois,
respeitosamente, beijou o crucifixo e guardou-o no bolso. Em seguida tirou da
carteira uma nota de 10$000 e gorjeou a romeira
Octacílio - Que importância já distribuiu com o povo do Juazeiro?
Lampião
- Mais de um conto de réis.
Octacílio - Lampião
começou por identificar-se:
Lampião - Chamo-me
Virgulino Ferreira da Silva e pertenço à humilde família Ferreira do Riacho de
São Domingos, município de Vila Bela. Meu pai, por ser constantemente
perseguido pela família Nogueira e em especial por Zé Saturnino, nossos
vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Águas Brancas, no Estado de
Alagoas. Nem por isso cessou a perseguição. Em Águas Brancas, foi
meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos: Nogueira e Saturnino,
no ano de 1920. Não confiando na ação da justiça pública, por que os assassinos
contavam com a escandalosa proteção dos grandes, resolvi fazer justiça por
minha conta própria, isto é, vingar a morte do meu progenitor. Não perdi tempo
e resolutamente arrumei-me e enfrentei a luta. Não escolhi gente das famílias inimigas
para matar, e efetivamente consegui dizimá-las consideravelmente.
Octacílio - Sobre
os grupos a que pertenceu:
Lampião -
Já pertenci ao grupo de Sinhô Pereira, a quem acompanhei durante dois anos.
Muito me afeiçoei a este meu chefe, porque é um leal e valente batalhador,
tanto que se ele ainda voltasse.
Octacílio - ao
cangaço iria ser seu soldado. Sobre suas andanças e seus
perseguidores:
Lampião -
Tenho percorrido os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas, e uma pequena
parte do Ceará. Com as polícias desses estados tenho entrado em vários
combates. A de Pernambuco é disciplinada e valente, e muito cuidado me tem
dado. A da Paraíba, porém, é uma polícia covarde e insolente. Atualmente existe
um contingente da força pernambucana de Nazaré que está praticando as maiores
violências, muito se parecendo com a força paraibana.
Octacílio - Referindo-se
a seus coiteiros, Lampião esclareceu:
Lampião -
Não tenho tido propriamente protetores. A família Pereira, de Pajeú, é que tem
me protegido, mais ou menos. Todavia, conto por toda parte com bons amigos, que
me facilitam tudo e me consideram eficazmente quando me acho muito perseguido
pelos governos. Se não tivesse de procurar meios para a manutenção
dos meus companheiros, poderia ficar oculto indefinidamente, sem nunca ser
descoberto pelas forças que me perseguem. De todos meus protetores, só um
traiu-me miseravelmente. Foi o coronel José Pereira Lima, chefe político de Princesa.
É um homem perverso, falso e desonesto, a quem durante anos o servimos,
prestando os mais vantajosos favores de nossa profissão
Octacílio - A
respeito de como mantém o grupo:
Lampião - Consigo
meios para manter meu grupo pedindo recursos aos ricos e tomando à força aos
usuários que miseravelmente se negam de prestar-me auxílio.
Octacílio -
Já está rico?
Lampião -
Tudo quanto tenho adquirido na minha vida de bandoleiro, mal tem chegado para
as vultosas despesas do meu pessoal - aquisição de armas, convindo notar que
muito tenho gasto, também, com a distribuição de esmolas aos necessitados.
Octacílio - A respeito do número de seus combates e de suas
vítimas quantos combates já participou?
Lampião -
Não posso dizer ao certo o número de combates em que já estive envolvido.
Calculo, porém, que já tomei parte em mais de duzentos. Também não posso
informar com segurança o número de vítimas que tombaram sob a pontaria
adestrada e certeira de meu rifle. Entretanto, lembro-me perfeitamente que,
além dos civis, já matei três oficiais de polícia, sendo um de Pernambuco e
dois da Paraíba. Sargentos, cabos e soldados, são impossíveis dizer o número
dos que foi levado para o outro mundo.
Octacílio - Sobre
as perseguições e fugas deixou claro que:
Lampião -
Tenho conseguido escapar à tremenda perseguição que me movem os governos,
brigando como louco e correndo rápido como vento, quando vejo que não posso
resistir ao ataque. Além disso, sou muito vigilante, e confio sempre
desconfiando, de modo que dificilmente me pegarão de corpo aberto. Ainda
é de notar que tenho bons amigos por toda parte, e estou sempre avisado do
movimento das forças. Tenho também excelente serviço de espionagem,
dispendioso, mas utilíssimo.
Octacílio - Seu
comportamento mereceu alguns comentários bastante francos?
Lampião -
Tenho cometido violências e depredações vingando-me dos que me perseguem e em
represália a inimigos. Costumo, porém, respeitar as famílias, por mais humildes
que sejam, e quando sucede algum do meu grupo desrespeitar uma mulher, castigo
severamente.
Octacílio -
Deseja deixar essa vida de bandido?
Lampião -
Até agora não desejei, abandonar a vida das armas, com a qual já me
acostumei e sinto-me bem. Mesmo que assim não sucedesse, não poderia deixá-la,
porque os inimigos não se esquecem de mim, e por isso eu não posso e nem devo
deixá-los tranquilos. Poderia retirar-me para um lugar longínquo, mas julgo que
seria uma covardia, e não quero nunca passar por um covarde.
Octacílio - Sobre
a classe da sua simpatia:
Lampião - Gosto geralmente de todas as classes. Aprecio de
preferência as classes conservadoras - agricultores, fazendeiros, comerciantes,
etc., por serem os homens do trabalho. Tenho veneração e respeito pelos padres,
porque sou católico. Sou amigo dos telegrafistas, porque alguns já me têm
salvado de grandes perigos. Acato os juizes, porque são homens da lei e não
atiram em ninguém. - Só uma classe eu detesto: é a dos soldados, que são meus
constantes perseguidores. Reconheço que muitas vezes eles me perseguem porque
são sujeitos, e é justamente por isso que ainda poupo alguns quando os
encontros fora da luta.
Octacílio - Perguntado
sobre o cangaceiro mais valente do nordeste:
Lampião -
A meu ver o cangaceiro mais valente do nordeste foi Sinhô Pereira. Depois dele,
Luiz Padre. Antonio Silvino foi um covarde, porque se entregou às forças do
governo em consequência de um pequeno ferimento. Já recebi ferimentos
gravíssimos e nem por isso me entreguei à prisão. - Conheci muito José Inácio
de Barros. Era um homem de planos, e o maior protetor dos cangaceiros do
nordeste, em cujo convívio sentia-se feliz.
Octacílio - Questionado
sobre ferimentos em combate, contou:
Lampião -
Já recebi quatro ferimentos graves. Dentre estes, um na cabeça, do qual só por
um milagre escapei. Os meus companheiros também, vários têm sido feridos.
Pomos, porém, no grupo, pessoas habilitadas para tratar dos ferimentos, de modo
que sempre somos convenientemente tratados. Por isso, como o senhor vê, estou
forte e perfeitamente sadio, sofrendo, raramente, ligeiros ataques reumáticos.
Octacílio - Sobre
ter numeroso grupo:
Lampião -
Desejava andar sempre acompanhado de numeroso grupo. Se não o organizo conforme
o meu desejo é porque me faltam recursos materiais para a compra de armamentos
e para a manutenção do grupo - roupa, alimentação, etc. Estes que me
acompanham é de quarenta e nove homens, todos bem armados e municiados, e
muito me custa sustentá-los como sustento. O meu grupo nunca foi muito
reduzido, tem variado sempre de quinze a cinquenta homens.
Octacílio - Sobre
padre Cícero Lampião foi bem específico:
Lampião -
Sempre respeitei e continuo a respeitar o Estado do Ceará, porque aqui não
tenho inimigos, nunca me fizeram mal, e, além disso, é o Estado do padre
Cícero. Como deve saber, tenho a maior veneração por esse santo sacerdote,
porque é o protetor dos humildes e infelizes, e, sobretudo porque há muitos
anos protege minhas irmãs, que moram nesta cidade. Tem sido para elas um
verdadeiro pai. Convém dizer que eu ainda não conhecia pessoalmente o padre
Cícero, pois esta é a primeira vez que venho a Juazeiro.
Octacílio - Em
relação ao aos revoltosos:
Lampião - Tive
um combate com os revoltosos da coluna Prestes, entre São Miguel e Alto de
Areias. Informado de que eles passavam por ali, e sendo eu um legalista, fui
atacá-los, havendo forte tiroteio. Depois de grande luta, e estando com apenas
dezoito companheiros, vi-me forçado a recuar, deixando diversos inimigos
feridos.
Octacílio - A
respeito de sua vinda ao Ceará:
Lampião
- Vim agora ao Cariri porque desejo prestar meus serviços ao governo da
nação. Tenho o intuito de incorpor-me às forças patrióticas do Juazeiro, e com
elas oferecer combate aos rebeldes. Tenho observado que, geralmente, as forças
legalistas não têm planos estratégicos, e daí os insucessos dos seus combates,
que de nada tem valido. Creio que se aceitassem meus serviços e seguissem meus
planos, muito poderíamos fazer.
Octacílio - Sobre
o futuro Lampião mostrou-se incerto, apesar de ter planos:
Lampião -
Estou me dando bem no cangaço, e não pretendo abandoná-lo. Não sei se vou
passar a vida toda nele. Preciso trabalhar ainda uns três anos. Tenho de
visitar alguns amigos, o que não fiz por falta de oportunidade. Depois, talvez
me torne um comerciante.
Aqui
termina a entrevista concedida por Lampião em Juazeiro. Na despedida
Lampião nos acompanhou até a porta. Pediu nosso cartão de visita e
acrescentou: Lampião - Espero contar com os votos de vocês.
http://lampiaoaceso.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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