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domingo, 2 de abril de 2017

AMANHECEU CHOVENDO NO SERTÃO

*Rangel Alves da Costa

Assim que despertei um pouco menos das quatro horas da manhã, logo ouvi um som que há muito não ouvia pelos sertões: a canção da chuva.

Não acreditei muito inicialmente, vez que fato tão raro de acontecer som de chuva, que verdadeiramente faz o sertanejo imaginar que esteja delirando perante sua chegada.

Pulei da rede e lancei o olhar adiante, além do portão, e vi não só o asfalto molhado como avistei os pingos caindo em meio às luzes da rua ainda acesas.

Bastou tal confirmação e logo me veio à mente os campos secos sendo molhados e o verdor não demorando a moldurar paisagens tão tristes, feias e definhadas.

Não chovia forte, em derramados que corressem pelo chão em enxurrada ou que fossem capazes de juntar água nos tanques rachados de sol, nos barreiros e açudes e pequenas fontes.

Não descia água suficiente para não só molhar a terra como a encharcá-la por muitos dias, sequer fazer o sertanejo sonhar em lançar semente boa sobre a terra prenhe.

Naquele instante, apenas uma chuva mediana caindo e lavando ruas, telhados, vidas. Com o chão molhado, certamente a diminuição do calor insuportável que vem fazendo.

Talvez não haja acordar mais esperançoso ao sertanejo do que aquele na presença da chuva caindo. Deita rezando para isso aconteça, vive em orações para que assim aconteça.

Já são quase cinco anos de seca braba, como se diz por aqui. Em muitos, a certeza de que nunca houve seca tão duradoura e tão devastadora como essa que ainda continua nestas distâncias matutas.

Aquele sertanejo do mato, homem sábio por natureza, ao abrir a porta na madrugada já sabe ler o livro inteiro da chuvarada. Perante seu olhar, a certeza de apenas pingos caindo ou a alegria de uma molhação muito mais forte e demorada.


Mesmo que seus olhos leiam chuvas apenas passageiras, ainda assim se enche de contentamento pelas consequências de apenas uma chuva fininha no sertão. Ao menos a terra é molhada e não vai demorar muito para que as paisagens mudem de cor.

No sertão é assim, seu moço, pois basta uma chuvinha cair e dentro de dois ou três dias o verdor vai novamente se espalhando onde restava apenas galhagens secas e folhas mortas, plantas esturricadas e tufos secos de mato.

Certamente que já estão passando as épocas das trovoadas. O Dia de São José já se foi e nenhuma gota d’água caiu em muitos rincões sertanejos. Os grãos juntados para serem jogados a terra tiveram de ser novamente guardados.

A semente não foi plantada e será mais um mês junino sem milho cozido ou assado, sem canjica e pamonha. As fogueiras crepitarão solitárias e o homem da terra estará ao redor do fogo apenas se recordando dos velhos tempos.

Agora, ante a situação catastrófica de seca, de fome, de sede e de sofrimento, o sertanejo deseja apenas que o tanque volte a juntar água, que o seu ossudo rebanho não se definhe de vez, que na sua malhada e adiante uma nova feição de esperança ressurja.

O tempo do sertanejo é tempo do Eclesiastes: tempo de esperança. Diante de tudo perdido, diante de toda dor e de toda angústia, ainda assim a certeza que dias melhores virão. Hoje ainda a seca, mas amanhã o retorno das trovoadas e as boas-novas alegrando vidas.

Depois das quatro da manhã, contudo, os pingos d’água escassearam e se recolheram. A chuva veio, beijou a terra e voltou com seu aceno de adeus. Quando retornará ninguém sabe. Ou sabe. A sabedoria sertaneja ensina que algum dia, apenas.

Daqui a pouco o sol se levanta e a vida sertaneja continuará seu passo. O sertão acordou na chuva, mas já se faz um tempo de sol, de calor, de campos ainda ressequidos. Quem dirá um dia inteiro molhado, chuvoso, abençoado.

Mas não. No sertão é assim. Acorda molhado de chuva e depois padece no ventre o ardor do braseiro do sol.

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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