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segunda-feira, 1 de maio de 2017

REORDENAR A CONVIVÊNCIA HUMANA COM A REFORMA DAS ESTRUTURAS

Tomislav R. Femenick

Entrevista de Dom Gentil Diniz Barreto ao jornalista Tomislav R. Femenick

Dom Gentil Diniz Barreto, Bispo de Mossoró, é um homem simples. No exercício de suas funções tem sido, desde a sua ordenação, um exemplo de trabalho, amor ao ministério e sobretudo humilde. Seu desapego às coisas materiais tem-no levado a uma existência modesta, sem perder sua condição de príncipe da Igreja. Já tendo residido em Mossoró antes de ser Bispo, Dom Gentil houve-se àquela época como professor brilhante.

Dom Gentil Diniz Barreto

De volta a Mossoró em 1960, como Bispo, Dom Gentil deu mostras de sua simplicidade chegando a pretender andar em nossas ruas, de bicicleta, único meio de transporte de que dispunha. Por insistência de amigos, resolveu abandonar o (precário) veículo.

E este homem de Deus e do povo que hoje entrevistamos e em cujas respostas pode-se notar a simplicidade de seu espírito.

“POPULORUM PROGRESSIO” – Nossa primeira pergunta: Há condições no Nordeste e em sua Diocese, para aplicação dos ensinamentos e diretrizes de "Populorum Progressio"?

R – “É óbvio que a aplicação dos ensinamentos e diretrizes da "Populorum Progressio", depende de ‘uma ação organizada, para o desenvolvimento integral do homem’, como bem se expressou Paulo VI. Urge que, católicos ou não católicos, todos os homens de boa vontade, pondo de lado seus preconceitos e ambições, queiram colaborar para o ‘desenvolvimento solidário da humanidade’. Em primeiro lugar deve o homem ser educado para sentir e viver, em plano horizontal, a obra de reordenação de sua convivência humana pela reforma das estruturas, tanto na ordem social, como política, administrativa, agrária e educativa. Sejamos inteligentes para perceber que o homem de hoje chegou à consciência clara de dignidade de sua pessoas humana e que está procurando na completa readaptação de sua vida. Creio que no Nordeste há condições para a prática da Populorum Progressio”.

P – O que já se faz aqui nesse sentido?

R – “Tudo quanto já se está realizando nesta Diocese é uma resposta à sua primeira pergunta e um passo na aplicação dos ensinamentos e diretrizes da Populorum Progressio, neste pedaço do Nordeste brasileiro, que é a Diocese de Mossoró”.

P – Quais as iniciativas de vulto da Diocese de Mossoró?

R – “Em ordem à Pastoral Diocesana, julgo ser a aplicação do Documento Base desta Diocese inspirado na Pastoral do Conjunto, para o Plano Qüinquenal da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Para sua execução já se movimentaram os vigários e demais sacerdotes desta Diocese, bem assim as religiosas e leigos. Em ordem à assistência social temos o Departamento Diocesano de Ação Social que movimenta as Maternidade, Postos de Puericultura, Clube de Mães de Caritas Diocesanas, serviços coordenados por esta Diocese. Em ordem aos meios de comunicação social: A Emissora de Educação Rural de Mossoró. temos outras iniciativas de vulto nesta Diocese nos setores de educação, de treinamento do pessoal, de aprendizagem profissional e de cooperativismo”.

P – Os sacerdotes da Diocese recebem as mudanças da Igreja de que maneira?

R – “Com espírito disciplinado, desejosos de ajudar a Igreja no seu mister de transmitir a mensagem Evangélica de que são ministros, e encaminhar o Povo de Deus para a casa do Pai”.

AÇÃO PASTORAL – Perguntamos, ainda: A ação pastoral da Igreja, em Mossoró, como vem sendo desenvolvida?

R – “Segundo o Documento Base da Diocese de Mossoró, motivada pelo Plano Qüinquenal da Pastoral de Conjunto da CNBB, o trabalho pastoral está dividido em 4 zonais. São equipes de sacerdotes vigários ou não, que se reúnem e planejam os trabalhos pastorais para o seu zonal, para um ano, tomando por base o Documento já citado acima. Estão engajados na pastoral diocesana \, religiosa e leigos. Todo trabalho levado a efeito nesta diocese está em consonância com os planejados e executados pela Arquidiocese de Natal Caico”.

P – Que outras ações em a Igreja, aqui, afora a catequese?

R – “A Diocese de Mossoró, conta com os seguintes serviços de obra social: Abrigo” Amantino Câmara”. Centro Social “Maria Goretti”, a Caritas Diocesana e as Maternidade e Postos de Puericultura, em Areia Branca, Pau dos Ferros, Portalegre, Caraúbas, Marcelino Viera e Luís Gomes. No setor educação e formação profissional e de pessoal, temos O Colégio Diocesano Santa Luzia, as Escolas Ambulatórios “Cardeal Câmara”, “Padre Dehon”, “José Pereira Lima”, o Patronato São Francisco de Assis, o Patronato “Alfredo Fernandes” de Pau dos Ferros, o Instituto “Pe. Ibiapina”, de Açu, O Instituto “Dom João Costa” de Mossoró, as Escolas Diocesanas de Aprendizagem Mecânica e Gráfica e Centro de Treinamento de Líderes. No setor de cooperativismo: a Cooperativa de Consumo dos Servidores da Diocese, em Mossoró, e Cooperativa de Consumo dos Trabalhadores Rurais de Açu. Há uma obra importante na cidade e Paróquia de Apodí, dirigida por Pe. Pedro Neefs, vigário. Chama-se FUNDEVAP-Fundação para o Desenvolvimento do Vale do Apodí. Tem por finalidade promover integralmente o homem da cidade e do campo nas suas dimensões: a) física, b) intelectual e técnica, c) econômica, d) moral, social e política”.

P – Comenta-se que existem duas alas de padres na Diocese de Mossoró. A Conservadora e a que segue a Igreja nova. É verdade? Quais as principiais divergências? Como o Bispo vê esse estado de coisa?

R – “Ignoro a divisão no clero diocesano de Mossoró. Muito pelo contrário, há uma autêntica união entre os meus padres. É evidente que somos pessoas humanas, inteligentes, todos temos a nossa personalidade própria e não pensamos pela cabeça dos outros. O que justifica a opinião pessoal de cada sacerdote a respeito desse ou daquele assunto de livre interpretação”.

PADRES E IÊ-IÊ-IÊ – Prosseguindo a entrevista, perguntamos: Qual a sua opinião sobre sacerdotes andar “à paisana”, na missa em ritmo de iê-iê-iê?

R – “Para ser honesto comigo mesmo, não gosto, de sacerdotes usando os trajes civis mas tolero a aceito as imposições da época, pois estou convencido de que o valor do sacerdote não está na batina, embora esta seja o hábito talar do padre e lhe assegure mais respeito da parte dos que não aceitam e não entendem o porque dos padres em trajes civis. O valor do sacerdote está em seu porte moral e em sua formação sacerdotal. Um bom padre será bom, com ou sem batina. Contudo, não admito em minha diocese que sacerdotes administrem os sacramentos e sacramentais em trajes civis. Acredito que o traje civil possa permitir melhor entrosamento dos sacerdotes coma mocidade. Quanto sei, as poucas missas em que se permitiu o iê-iê-iê foram apenas experiências que não surtiram efeito satisfatório”.

IGREJA E TERRA – Qual a sua opinião sobre as declarações de Dom Helder a propósito de distribuição das terras da Igreja? A Diocese de Mossoró teria terras que pudessem ser distribuídas? 

R – “É possível que Dom Helder tenha falado em distribuição de terras das Dioceses em termos de promoção. A simples distribuição de terras, ao meu ver, não resolve o problema dos ‘sem terra’, porque as terras voltariam a um só dono, os que as recebessem iriam vendê-las alegando o pretexto de não terem os meios necessários para construírem as suas casas. A Diocese de Mossoró dispõe de muitas terras, nas diversas paróquias, porém, aforadas a diversas pessoas. Em Mossoró, a Diocese dispõe de uma faixa de terra pequena, que será loteada, oportunamente, para que possa formar o seu patrimônio, cuja renda assegure a manutenção das obras diocesanas, que se tem mantido desde 1962 com a ajuda dos católicos alemães, através da ‘Aktion Adveniat’, da ‘Aktion Miserior’, da Arquidiocese de Colônia e da Casa Mãe das Franciscanas Maris Stela de Augsburg e amigos da cidade de Karlsruhe. No referido terreno a ser loteado estão reservados três quarteirões, para a fundação de uma comunidade de famílias operárias de diversas profissões assalariadas. Neles serão construídos 40 casas tipo popular, e um Centro Social com uma Capela Escola, sob a coordenação de um sacerdote e de uma equipe de assistentes sociais. Entrei em entendimento com a SUDENE, e com Presidente da FUNDHAP de Natal e com a USAID, e espero a ajuda desses órgãos para levar a efeito plano idealizado”.

CASAMENTO DE PADRES – Padres da Diocese de Mossoró deixaram a batina e se casaram, de há poucos anos para cá. Como é a relação dos atuais sacerdotes como eles?

R – “É verdade que 3 sacerdotes da Diocese de Mossoró contraíram núpcias, com a devida licença da Santa Sé. Está regularizada a sua situação perante a Igreja. Foram liberados do celibato porém dispensados das sua funções sacerdotais. Foram equipados aos leigos e vivem como bons cristãos, gozam de estima e bom conceito dos sacerdotes desta Diocese. Os demais sacerdotes que resolveram deixar as suas funções de sacerdotes poderão recorrer à Roma e receber a dispensa do celibato e das obrigações sacerdotais e poderão contrair núpcias”.

P – Que ajuda tem recebido Caritas Alemã?

R – “As ajudas que a Diocese de Mossoró vem recebendo tem sido da “Aktion Adveniat” da Diocese de Essen, da “Aktion Miserior”, da Diocese de Achen, da Arquidiocese de Colônia, da Casa Mãe da Ordem Franciscana Maris Stela de Augsburg e da cidade de Karlsruhe (Daxladen). Essas ajudas tem sido consignadas à Diocese de Mossoró para motorização do clero Lar Sacerdotal, restauração da capela e dormitório do Seminário Santa Terezinha, construção de um salão dormitório no mesmo Seminário, Casa de Repouso dos Padres e Religiosas em Tibau, e para a Escola Diocesana de Aprendizagem Mecânica e Secretariado Diocesano de Evangelização (Catequese), num total aproximado de oitenta mil cruzeiros novos”.

TIJOLOS E PEDRAS – Quais as passagens interessantes de sua vida de sacerdote?

R – “Quando me fiz enfermeiro e operador de cinema na minha ex-paróquia de Orobó, em Pernambuco, e quando nas Paróquias de Macaparaná e Vertentes, Pe. carregava pedras, tijolos e madeira com os meus paroquianos de então, para a construção de suas matrizes. Certa vez, também em Orobó, Pe. depois de um comício em praça pública, perguntei ao compadre amigo (homem da roça): ‘Então, compadre, gostou do falatório?’ . Respondeu-me ele: Compadre vigário, falar é foigo, obrar é sustância”.

A TECNOLOGIA DA MUDANÇA – Em uma série de reportagens que fizemos sobre a prostituição, uma “mundana” disse que tinha mede de Deus. Qual opinião sobre essa sua atitude e o que a Igreja poderia fazer para salvar essas criaturas, também, filhas de Deus?

R – “Há muita teologia no dizer da pobre mundana, que é uma pobre mulher. Contudo em cada mundana há um problema diferente e diferentes causas. Todas jamais poderão caber na mesma medida. Há corações e almas nobres em meio às declarações morais, físicas e religiosas de muitas mundanas. Sua culpa não é somente sua. Em cada delas temos todos nós uma parcela de responsabilidade ou de culpa. O seu mal não é só pessoal, mas também social. Diria a essa mundana que a misericórdia de Deus é infinita e que o mesmo Deus a criou para amá-la e ser por ela amado. Recordamos as cenas do evangelho em que Jesus perdoa a Maria Madalena e a mulher adúltera. Que disse ele aos acusadores daquela mulher? ‘Quem de vós está sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra’. Em seguida perguntou à mulher: ‘Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou?’. Ela respondeu: ‘Ninguém senhor’. Disse-lhe então Jesus: ‘Nem eu te condeno: vai e NÃO TORNES A PECAR’. A Igreja tem uma instituição chamada ‘Bom Pastor’, dedicada às mundanas que desejam se regenerar. Na Europa e mesmo no Brasil há outras instituições desse gênero. Em Natal há um trabalho muito consolador realizado por uma equipe de SAR, entre as mundanas”.

P – Quais as suas melhores atuações como radioamador?

R – “Nas enchentes do Rio Mossoró, no ano de 1961 e nos comunicados em que tenho prestado serviço ao meu próximo. Associando-me à LABRE-Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão, em 1960. Existem outros padres radioamadores no nordeste, como Pe. José Maria Rabelo Machado, Pe. Onio Caldas, Fr. Antio Gonçalves, Mons. Abdon Pereira e outros”.

P – Afora radioamador, tem outro passatempo? 

R – “Quando seminarista, jogava voleibol, batalha de bandeira, dama, gamão, xadrez, muito mau, é verdade, mas joguei. Nos seminários de Olinda e João Pessoa. Ultimamente meu melhor passatempo é a leitura de bons livros e revistas”.

Diário de Natal – 17.07.1967

Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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