por Monólitos
Raimundo
Faustino do Nascimento foi amigo do cangaceiro Lampião. Ele mora em Quixadá e,
em 2016, completará 110 anos de vida. (Foto: Gooldemberg Saraiva)
Quando ele
nasceu o Brasil era muito diferente. Não havia energia elétrica em larga
escala, nem carros e motos circulando pelas ruas; não havia celulares, nem
computadores ou internet. O mundo ainda não havia experimentado a Primeira
Guerra Mundial e a bomba atômica sequer havia sido imaginada. O Brasil era
governado por Afonso Pena, eleito na quinta disputa presidencial após a queda
do Império. No Ceará, Nogueira Accioli era o governador.
Raimundo
Faustino do Nascimento, natural do município de Quixeramobim, mora
atualmente na Fazenda Canadá, na localidade de Daniel de Queiroz, no município
de Quixadá, Sertão Central do Ceará. Segundo seus documentos de
identificação, o idoso nasceu no longínquo ano de 1906 e, em 2016, completará
110 anos. É provavelmente o cidadão mais velho de Quixadá.
O aposentado é
um verdadeiro baú de memórias. Bastante lúcido, conta histórias do que viu ao
longo de todo o século vinte. Diz que, quando rapaz, gostava de frequentar as
rodas de cantoria, onde fazia questão de tentar conquistar o coração das moças
mais bonitas. Casou sete vezes e teve trinta e dois filhos! Não sabe dizer
quantos netos tem e nem onde cada um mora atualmente. Um mosaico de fotos no
alpendre da casa mostra várias dezenas de pessoas. “Saíram todos d’eu”, diz Sr.
Raimundo, com evidente orgulho. São filhos e filhas, genros, noras e netos,
hoje espalhados por São Paulo, Minas Gerais e Ceará.
Memória Viva
do Sertão
Segundo
avaliação feita pelo próprio Sr. Raimundo, sua vida tem sido muito boa durante
essas onze décadas. Realmente, ele tem lembranças preciosas de um estilo de
vida no sertão que não guarda quase nenhuma semelhança com o modo do homem do
campo viver atualmente.
Fazenda
Canadá, na localidade de Daniel de Queiroz, onde Sr. Raimundo mora com sua
sétima esposa. (Foto: Gooldemberg Saraiva).
Inverno e seca
“Vi muitos
períodos de inverno pesado. Épocas boas, de fartura. Muita mata verde, muitos
passarinhos e bicho que menino de hoje não conhece mais”, afirma, empolgado.
“Mas tinha seca também. Já vi gente cortando mandacaru pra comer. Graças a Deus
eu nunca me aperreei muito. Sempre tive leite e queijo pra comer”, relembra,
referindo-se à seca no Ceará no ano de 1958, quando já tinha 52 anos de idade e
estava com a sexta esposa.
II Guerra
Mundial.
Sr. Raimundo
também relembra o período da Segunda Guerra Mundial. “A gente aqui ouvia falar.
O pessoal dizia que era uma guerra medonha, mas graças a Deus era lá pelas
bandas dos Estados Unidos. Mas as mulheres pediam era muito a Deus que não
viesse pra cá”, ele conta, mantendo ainda a inocência de quem não sabe que mais
de setenta milhões de pessoas morreram em decorrência daquele conflito mundial.
“Os
padres mandavam até em quem a gente votava”, diz Sr. Raimundo. (Foto:
Gooldemberg Saraiva)
A autoridade
dos Padres.
“Padre era
autoridade. O que os padres dissessem tava era dito. Votar a gente votava em
quem o padre mandasse”, afirma. “Briga de família e tudo no mundo o povo
resolvia na faca ou no Padre”, diz, sorrindo.
O automóvel.
“Ave Maria!
Quando eu vi um carro andar pela primeira vez deu vontade foi de dar uma
carreira. A gente num entendia como aquele negócio andava sem ser puxado. Tinha
quem pensasse até que fosse coisa do cão”, explica, sem saber precisar em que
ano ocorreu seu primeiro contato com um automóvel. “Meu filho, o mundo era
outro”, diz.
Sete esposas e
32 filhos.
Dona Maria
Augusta, sétima esposa do Sr. Raimundo. Conheceu-o quando tinha 22 anos e ele
na casa dos sessenta. (Foto: Gooldemberg Saraiva).
Dona Maria
Augusta é a atual esposa do Sr. Raimundo. Simpática, explica que o
conheceu quando tinha apenas 22 anos. Na época, ele já estava na casa dos
sessenta anos e tinha a experiência de seis casamentos.
Ao repórter
Everardo Gomes, disse que nunca teve medo de ser traído, mas que hoje não teria
a mesma disposição. Com alegria, ri de lembranças que prefere não contar sobre
namoradas que já morreram. Sr. Raimundo não sabe como se definir, mas pelas
histórias que nos contou, nota-se que ele foi, na juventude, uma versão dos
anos 20 e 30 do século passado do que seria um cavalheiro 99% anjo e 1% do que
você já sabe. Gargalhou quando fizemos essa comparação.
Dos sete
casamentos nasceram 32 filhos cujos nomes ele nem sabe mais dizer. Os
descendentes moram em várias partes do país. Deram ao pai dezenas de netos e
bisnetos. Um mosaico de fotografias no alpendre da casa deixa escapar a
“capacidade de produção” do homem que é, provavelmente, o mais velho da Terra
dos Monólitos.
Carteira de
Trabalha mostra data de nascimento do Sr. Raimundo, o ano de 1906.
Amigo de
Lampião.
Das histórias
que tem para contar, uma de que gosta muito é aquela que tem a ver com o homem
que foi o cangaceiro mais famoso do Nordeste: Virgulino Ferreira da Silva,
o Lampião.
Virgulino
Ferreira da Silva, o Lampião, considerado o Rei do Cangaço no Nordeste.
Sr. Raimundo
afirma que tinha amizade com Lampião. O cangaceiro avisava com antecedência
quando queria ir almoçar e jantar – junto com todo o bando -, na casa da
família dele. Em resultado das visitas frequentes do bando, um irmão de Sr.
Raimundo tornou-se cangaceiro, acompanhando o homem mais temido do sertão.
“Ele não era ruim.
Ele era justiceiro. O cabra que ele visse que fazia maldade ele resolvia. O
bando matou muita gente e todo mundo tinha medo”, diz. “Mas o pessoal lá de
casa tratava ele com amizade e nenhum mal nunca foi feito”, diz, aliviado.
O idoso
explica que muitas das histórias contadas até hoje sobre Lampião não
aconteceram realmente. “As histórias chegavam aos vilarejos antes do bando já
pra deixar o povo assustado”, explica. Uma dessas histórias famosas é a de que
Lampião teria jogado o bebê de um fazendeiro para cima e aparado na ponta da
sua faca.
Relembra que
Lampião tratava Maria Bonita – sua companheira – como uma rainha. O casal
morreu – junto com a maior parte do bando -, em 1938, ao enfrentar os
policiais do Tenente João Bezerra e do Sargento Aniceto Rodrigues da
Silva, na fazenda Angicos, situada no sertão de Sergipe, esconderijo tido
por Lampião como o de maior segurança. O Rei do Cangaço, Maria Bonita e os
principais cangaceiros do bando tiveram suas cabeças decepadas.
Sr. Raimundo
conta que a notícia foi chocante e deixou muitas pessoas tristes. “Tinha muita
gente pobre que torcia por ele e que ficou de luto no sertão, mas a gente sabia
que o Virgulino era fugitivo da Justiça”, diz Sr. Raimundo, com lucidez e
sobriedade impressionantes.
“Não me
arrependo de nada”.
“Não me
arrependo de nada”, diz Sr. Raimundo do alto de seus mais de cem anos. (Foto:
Gooldemberg Saraiva).
“Fiz muita
coisa na vida. Não tenho nenhum arrependimento”, afirma do topo de seus mais de
cem anos. Diz, também, que não espera viver mais por muito tempo, mas que está
satisfeito com a vida que teve. Reclama que não pode mais se alimentar das
mesmas coisas de antes. “Minha diversão hoje é acordar cedo para ouvir o Herley
Nunes falar. Homem da voz bonita aquele”, diz sobre o radialista do
Sistema Monólitos de Comunicação, que apresenta um programa noticioso diário
nas rádios Monólitos AM e Liderança FM.
“O segredo pra
viver bem é não reclamar, trabalhar, respeitar a família e ajudar os outros.
Foi isso o que fiz por esse tanto de anos que tive”, diz, pedindo que a esposa
lhe traga um lenço para enxugar os olhos lacrimejados.
Assista parte da conversa com o Sr. Raimundo no vídeo abaixo, do repórter Everardo Gomes:
Reportagem TV
Monólitos: Everardo Gomes
Contato: 88 9
9696 8070
Redação: Gooldemberg
Saraiva
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