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terça-feira, 11 de julho de 2017

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CIVILIZAÇÃO DA SECA

Rita de Cássia Rocha (1) José Romero Araújo Cardoso (2)

Podemos considerar Civilização da Seca, conforme definição do próprio idealizador teórico (MENDES, 2010), como sendo a existente na vasta área seca e quente do sertão nordestino.
          
A Civilização da Seca caracteriza-se por ter sido capaz de:

“Originar um cangaceirismo, uma medicina caseira, uma culinária, uma prática religiosa, uma poesia popular, uma música regional, um tipo de arte, um tipo de arquitetura e uma engenharia empírica diferentes, próprios do povo dessa região, que, em seu conjunto, forma a identidade cultural dessa civilização ímpar, pioneira e criativa, que existe no semiárido nordestino”.

Elaborada pelo Prof. Dr. Benedito Vasconcelos Mendes, inspirado em obra de autoria do engenheiro agrônomo Paulo de Brito Guerra (1981), esta proposta teórica possui a versatilidade de buscar entender o processo de formação sócio-cultural sertanejo de forma holística, pois analisa a influência exercida pelas etnias constitutivas do homem do semiárido, amalgamada com os ditames estabelecidos pelas condições mesológicas regionais, sobretudo no que tange à convivência com as estiagens periódicas (MENDES, 2009).
           
O cangaceirismo expressou, em muitos casos, a revolta da população marginalizada em busca de justiça social. MELLO (1985) classificou o movimento em três categorias: Cangaço-Meio de vida, cujos representantes foram Antônio Silvino e Lampião; Cangaço-Vingança, cujo expoente foi Sebastião Pereira e Silva, o célebre Sinhô Pereira e Cangaço-Refúgio, sendo que neste inseriu-se o famoso Ângelo Roque, o qual ficou conhecido no cangaço pela alcunha de Labareda.
           
A farmacopéia sertaneja, também profusamente utilizada pelos cangaceiros, formalizou-se a partir do empirismo, sendo herança dos índios tapuias, quando da observação acerca do valor medicinal presente na fauna e flora locais, incorporando ainda recursos oriundos do criatório, a exemplo da utilização da banha de galinha e sebo de carneiro capado.
          
A culinária do semiárido é fruto também do aproveitamento da flora e da fauna do bioma caatingueiro, enriquecida com frações não destinadas ao abastecimento litorâneo através da pecuária, somada à utilização de criatório de pequeno porte, razão pela qual surgiram pratos hoje tradicionalíssimos como a buchada, a panelada, o baião-de-dois, etc.
           
A prática religiosa da Civilização da Seca agrega elementos culturais do colonizador, católica em essência, com manifestações populares bem complexas, muitas advindas do Velho Mundo, a exemplo do Sebastianismo que caracterizou o episódio da Pedra Bonita, ocorrida no ano de 1836 no sertão de Pernambuco, enumerando-se grandes fatos de nossa História, como Canudos, na Bahia e Caldeirão, no Ceará.
           
A poesia popular fez surgir estilo impar, marcado pelo cordel e desafios de viola enquanto expressão da cultura do povo do semiárido, símbolo da originalidade presente em ermos esquecidos do sertão nordestino. Notavelmente influenciada pelos feitos heroicos de antigos personagens medievais, a Civilização da Seca registrou o surgimento de celebres difundidores da cultura popular, como o paraibano Leandro Gomes de Barros, considerado pelo literato erudito Carlos Drummond de Andrade como o verdadeiro “Príncipe dos Poetas Brasileiros”.
          
A música regional, forjada no calor das intempéries, tem em Luiz Gonzaga ícone supremo de sua produção e divulgação, o qual levou o Nordeste da Civilização da Seca a ser reconhecido em todos os quadrantes.
       
A forma de arte estabelecida na região, a qual, diferente do litoral açucareiro, pautou-se no aproveitamento dos recursos da flora nativa a fim de estabelecer recursos que garantissem a sobrevivência. Exceção à parte, a arte do mestre Vitalino de Caruaru mostrou-se contemplativa, sendo a maioria das manifestações artísticas do semiárido voltada para a melhor forma de implementar a luta cotidiana por melhores condições de vida, fazendo surgir bolandeiras de casas de farinha, de descaroçar algodão, prensas de cera de carnaúba, alambiques de cachaça, engenhos rústicos de fabricação de rapadura, etc.
           
A arquitetura que caracteriza o sertão semiárido é a casa de taipa, típica do homem regional, cuja construção era realizada aproveitando matérias-primas locais, como o barro vermelho e a folhagem de plantas nativas a fim de cobri-las.
           
A seca exerce extraordinária influencia na civilização firmada na hinterlândia nordestina, pois o ritmo da vida social é ditado pela forma como esta se manifesta, assumindo dimensão irretorquível em toda sociedade, quando de sua ocorrência.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do Sol: O Banditismo no Nordeste do Brasil. Recife: Editora Massangana, 1985.

MENDES, B. V. Arte e cultura do sertão. Mossoró: DNOCS/BNB-ETENE, 2009. 202 p., il.
_____________. Manifestações Artísticas da Civilização da Seca. Anais da 62ª Reunião Anual da SBPC. Natal, Julho de 2010. Mimeo.


Rita de Cássia Rocha (1). Discente do oitavo período do Curso de Licenciatura em Geografia do Campus Central da UERN . Discente Rita de Cássia Rocha









José Romero Araújo Cardoso (2). Geógrafo (UFPB). Escritor. Professor-adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB) e em Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (UERN). Membro do Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP), da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e da Associação dos Escritores Mossoroenses (ASCRIM). Prof. Msc. José Romero Araújo Cardoso (UERN/FAFIC/DGE)

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