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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

RECEITAS DE NANÔ, O VENDEIRIM DE CASCA DE PAU

*Rangel Alves da Costa

Nanô é o apelido de um sertanejo de Poço Redondo, no Alto Sertão Sergipano do São Francisco. Já passado dos oitenta anos, ainda assim se mantém no ofício diário de abrir as portas de seu botequim para servir aos interessados numa cerveja gelada, numa pinga da boa ou numa casca de pau preparada com esmero e dedicação.
Botequim mais que tradicional, igualmente o seu vendeirim, pois o mesmo possui algumas peculiaridades mais que famosas. É homem de poucas palavras, de nenhum disse-me-disse, de nenhuma conversinha afiada. Com ele tudo se resolve num instante.
Possui também a fama de ser até ignorante, pois responde na língua tudo aquilo que não lhe pareça proveitoso. Não gosta de quem chega pedindo fiado nem quem se demora demais no pé do balcão. Faz cara feia para quem chega com dinheiro graúdo pra pagas coisa pouca nem daquele que passa horas e horas sentando com a mesma cerveja.
Também não gosta de deixar que a pessoa leve sua garrafa com a casca de pau. Tem que ser muito amigo pra sair de seu botequim levando garrafa com o preparado e tudo. Mas com o tempo certo de retornar a garrafa. Do contrário nunca mais receberá favor algum. Apenas um jeito próprio de ser e de comercializar seu produto.
Quem conhece Nanô e seu botequim sempre percebe que o homem que o homem não é tão assim como falam, não é grosso nem ignorante como desejam passar a imagem. É apenas um vendeirim que preza pelo respeito e pela consideração. Quando se mostra mais afetado na hora de servir um ou outro, assim exatamente porque já conhece a fio sua freguesia, já sabe que merece mais atenção ou não.
Eu já não viro uma boa golada de pinga já desde uns dez anos, mas ainda assim de vez em quando estou por lá para encher litros que são servidos aos amigos em visitações. E de vez em quando, nos finais de semana em que estou no sertão, passo na sua venda pelo simples prazer do proseado, pois sou apreciador de um bom e prolongado diálogo com os mais velhos, conhecedores por excelência dos tantos causos sertanejos que tanto me interessam. Então sempre em vejo em Nanô um proveitoso interlocutor.
Foi dessas visitas e proseados que fui juntando um rosário de conhecimentos acerca do vendeirim e que hoje chamo de Receitas de Nanô. São contextos nascidos da percepção, da palavra e até do ouvi dizer, e tudo juntado formando a caracterização do homem e do seu jeito tão próprio de comerciar suas bebidas, principalmente a famosa casca de pau, que é a pura aguardente de engenho misturada a ervas, casca, folhas e raízes de pau. E assim segue o receituário de Nanô:
1. Na sua venda tudo é legítimo, desde a aguardente sem mistura (ou aguada, como se diz pelos sertões) à raiz, casca ou folha de pau da melhor qualidade e utilizada no tempo devido e na quantidade certa.
2. A casca de pau, para tomar gosto e sabor, sempre requer amadurecimento, um tempo mais prolongado de depuração. Daí que o mesmo logo avisa ao bebedor se a pinga desejada está ou não na melhor qualidade para ser bebida.
3. Segundo Nanô, quem chega com dinheiro graúdo pede é cerveja e não casca de pau. A pinga é pra dinheiro pouco, trocado, miúdo, sem precisar de muito esforço para passar troco. Já a cerveja requer mais tostão, mais dinheiro, de modo que o bebedor beba quantas quiser com a certeza que vai pagar.
4. Fiado de jeito nenhum. Também não é aceita essa história de depois de beber botar as mãos no bolso e dizer que esqueceu o dinheiro. bebe quem pode e quem vai beber tem de primeiro saber se tem como pagar, sob pena de se arrepender da pinga tomada. E assim por que Nanô não se exime de dizer umas duas aos que se metem a espertinhos.
5. É melhor vender pouco pra cliente bom do que vender muito pra cliente ruim. Cliente bom é aquele que bebe e paga sem problema, que chega com dinheiro miúdo, que não é conversador nem mentiroso. E também que não senta numa mesa achando que está em casa.
6. Casca de pau da boa só presta se for preparada com cachaça legítima e com a mistura da melhor qualidade. Quem bebe pinga quer sentir o sabor da raiz ou da casca de pau, saber se é angico ou quixabeira, se é hortelã ou ameixa. Não adianta querer enganar. A pessoa bebe e não volta mais.
Assim o amigo Nanô espalhando sabedoria pelos sertões. E com uma clientela que já está ao pé do balcão desde o alvorecer. Até o meio-dia, muitos já ficaram bêbados umas três vezes.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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