*Rangel Alves da Costa
Não na novela, e sim na vida, agora cenas de um novo capítulo. Mas cuja sequência, contudo, sempre trazendo no rastro o que aconteceu no capítulo anterior.
Tudo como causa e consequência, tudo como motivação e efeito. Sem o feito, nada se fará daí em diante. Por isso se diz que o presente é sempre reflexo do passado.
Não apenas do passado distante, pois até o segundo, o minuto ou o instante, pode modificar todo o relógio da vida. Há sempre um entrelaçamento entre o que foi e o que será.
No capítulo anterior da vida, por exemplo, houve uma ação impensada e tal atitude, a partir de qualquer instante, deverá cobrar muito mais do que se imagina daquele gesto.
No capítulo anterior da vida, a janela deixada fechada não permitirá que o sol entre pelo quarto ou sala no instante seguinte. Para que a luz penetre, caberá ao instante querer fugir da escuridão.
No capítulo anterior foi amado e não amou, foi querida e não quis, foi devotada com afeto e meiguice, porém preferiu dizer não. Como desejar ser feliz e amado ou amada no capítulo seguinte?
No capítulo anterior poderia ter sido mais compreensivo, porém preferiu ser arrogante e insensível. E quando agora, deseja que o próximo seja mais indulgente consigo, então percebe que está pagando pelo erro do passado.
No capítulo anterior até que poderia ter trilhado sua estrada por caminhos mais seguros, com menos perigos, mais distanciado dos escondidos dos labirintos. Contudo, nada disso fez. E por isso mesmo agora tem de suportar as escuridões e os medos.
No capítulo anterior poderia ter lido mais vezes o poema Instantes, aquele que diz: “Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono. Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vida pela frente”.
No capítulo anterior também poderia ter ouvido mais a canção Epitáfio, aquela cuja letra diz: “Devia ter amado mais, ter chorado mais
Ter visto o sol nascer, devia ter arriscado mais e até errado mais, ter feito o que eu queria fazer. “Queria ter aceitado as pessoas como elas são. Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração”.
No capítulo anterior poderia ter sido mais criança, jogado mais bola, brincado mais de bonecas, corrido pelas ruas sem direção, tomado banhos de chuva, escorregado pelas calçadas lisas, roubado mamão e goiaba dos quintais vizinhos.
No capítulo anterior poderia ter oferecido mais maçãs do amor, mais buquês de flores, mais bilhetinhos com rimas apaixonadas. Poderia ter beijado mais bocas, amassado mais corpos, tocados mais seios, levantado mais saias.
No capítulo anterior poderia andando mais descalço, ter subido a montanha, sentado na pedra, conversado com bichos e passarinhos. Ninguém diria o que diz agora se for assim. Um louco, um maluco, um desajuizado.
No capítulo anterior poderia ter escrito mais poemas, desenhado mais sonhos, riscado poemas ao chão, olhado mais para a lua e as estrelas, chorado de saudade tanta. Eu teria aprendido a chorar e hoje não me chegaria tudo como um rio triste.
No capítulo anterior jamais poderia ter dito a palavra tão dura. Jamais poderia ter feito o impensado. Jamais poderia ter evitado comer jaca, melancia e goiabada. Tudo tão fácil, mas de repente foi simplesmente deixado pra lá. E agora...
No capítulo anterior apenas a lição. Tudo é lição. E também tudo consequência da lição não aprendida ou simplesmente relegada.
Escritor
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