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sábado, 7 de abril de 2018

VITOR DO ESPÍRITO SANTO E O CANGAÇO (5ª PARTE)



NO ENCALÇO DE LAMPIÃO
A generosidade suspeita de Corisco

Como foi poupada a vida do comandante Felix e dos membros de sua comitiva – O cerco a Lampião no raso da Catariana

JEREMOABO, 7 – As diligências para a exterminação do bando sinistro de Lampião, orientadas daqui pelo coronel João Felix de Souza, prosseguem numa progressão matemática, seguidos rigorosamente todos os planos previamente traçados. Até o presente instante, todos os cálculos previstos têm sido realizados. Não fora se encontrassem os bandidos bem montados, ao passo que os seus perseguidores são forçados a desbravar as caatingas a pé, sob o peso não pequeno dos embornais, cartucheiras, cabaças e demais objetos indispensáveis às longas travessias, e, a estas horas, a coluna do sargento Mariano já teria dado o combate decisivo aos “cabras” terríveis.

Embora, porém, essa diferença de recursos de que dispõem perseguidos e perseguidores, Lampião não deixou de ter aos seus calcanhares a volante destemida e foi sob a ação dos repressores que teve de vencer léguas e léguas de mato sem poder realizar um atentado, sem lhe sobrar tempo para angariar medicamentos para os seus quatro feridos. Os bandidos passaram por diversas localidades sertanejas, sob o terror dos respectivos habitantes, mas passaram como relâmpagos, para fugir à ação dos perseguidores que lhe iam no encalço. Entravam nas localidades, bebiam sofregamente a água que lhes serviam e partiam novamente para que qualquer das volantes não os alcançasse. Foi toda a marcha uma fuga precipitada, veloz. Como não dispusesse de recursos para os seus “cabras”, quis Lampião juntar-se ao bando de Corisco, que fizera marcha idêntica em sentido contrário. Nem isto lhe foi possível. As volantes dos tenentes Liberato de Carvalho e Osório Cordeiro foram uma barreira que eles não puderam transpor. E assim teve Lampião de embrenhar-se no raso da Catarina, a fim de, entre as feras que a habitam, fugir ao contato dos homens que o perseguem para lhe exigir a expiação dos crimes incontáveis que vêm praticando há mais de dois lustros.

No seu encalço, com o mapa do raso da Catarina traçado rigorosamente, com todas suas veredas tortuosas descritas, com todas as suas paradas anotadas, partiu desde sábado a coluna montada do tenente José Sampaio Macedo, o aviador que se fez catingueiro destemido.

Para cortar-lhe as demais saídas, outras colunas foram convenientemente dispostas e para acuá-lo, para apertar-lhe o cerco, para dar-lhe a batida final seguiu hoje, com o esquema de ação que terá de desenvolver convenientemente estabelecido, a volante do tenente Ladislau Reis de Souza.

Tudo está convenientemente disposto para que aos nordestinos seja dado o presente de Natal porque tanto anseiam.

CORISCO E A SUA MARCHA DE BEBEDOURO À REGIÃO DE ROSÁRIO

Os bandidos de Lampião não atacam senão as tropas que sabem grandemente inferiores às de que dispõe. Só procuram combate quando certos de vencerem. Não se aventuram nunca a uma luta indecisa para que a derrota não lhes traga o amargo que não querem provar.

Os fracos são sempre as suas vítimas. Uma localidade onde saibam existir dez homens em armas eles respeitam. Só lhe atrai a luta em que a vitória é certa.

O tenente Ladislau, de uma feita, à frente de um punhado insignificante de sertanejos, perseguiu numa extensão de 60 léguas os bandidos numericamente superiores. Foi uma marcha extenuante, em que os perseguidores diminuíam cada vez mais a distância que os separava dos perseguidos. Em toda a parte a tropa encontrava recados atrevidos, ameaças que se não cumpriam. Foi uma fuga desabalada até o raso da Catarina, onde afinal o rastro foi perdido. Assim tem sido sempre. O ataque a Mossoró é uma exceção única.

Corisco, em quem Lampião tem o seu auxiliar mais preferido, a quem encarrega das empresas em que não pode tomar parte, vem realizando um “reide” hípico que dura há quase um mês. Deixando o raso da Catarina, tomou direção inversa à de Lampião, rumando à fronteira sergipana.

Quando o comandante Felix e sua comitiva passavam pelo Sítio do Quito, lugarejo situado entre Antas e Jeremoabo, chegou-lhes a notícia de que, na véspera, o antigo cabo do Exército assaltara uma fazenda, localidade a uma légua de Bebedouro, por sua vez distante dez léguas de Sítio do Quito.

Ninguém teve dúvida de que os bandidos estavam próximo. Certamente, eles se colocariam à margem da estrada para ver passar o comandante da Força. Houve quem temesse uma emboscada, mas os que conheciam os bandoleiros afirmaram desde logo nada haver a recear. Corisco não se atreveria a atacar uma força numerosa como aquela.

E passaram todos pela Abobreira, lugar preferido pelos “cabras” para as suas emboscadas, de olhos atentos para as caatingas. Passamos assim por outras fazendas, até que fizemos um alto na Baixa da Pedra, a alguns quilômetros do Vaza-Barris. Dos bandidos nem sombra.

Passaram-se os dias. Ontem regressou de Salgado uma força que ali fora mandada. O trajeto percorrido foi o mesmo que nós percorremos. Não encontrara essa força os bandidos, mas colhera provas de sua passagem: um bilhete escrito ao coronel Jesuíno de Sá exigindo-lhe certa importância, bilhete esse entregue ao portador, que o deveria levar àquele fazendeiro no dia justo em que se dera a nossa passagem pela localidade.

O “fac-símile” desse bilhete publicamos na reportagem anterior.

Mais ainda: Corisco e seus sequazes nos vira parar na Baixa da Pedra. Acompanhara os nossos passos ali e, partida a caravana, 15 minutos após ele também ali apeava para mitigar a sede. E contara, satisfeito, que tivera nas mãos a vida do comandante e que a poupara generosamente. Não o matara porque não quisera.

A verdade, porém, é que não atentara contra nós porque a revanche certamente lhe seria fatal.

“Diário de Pernambuco” – 06/01/32

NO ENCALÇO DE LAMPIÃO

O chefe de polícia da Bahia no centro de operações contra o banditismo

Interpelado pelos “Diários Associados”, o capitão João Facó expôs o plano de repressão por alto organizado, e declarou esperar que, até o dia 15 de janeiro, os bandidos estejam exterminados ou capturados.

JEREMOABO, 21 (Via Aérea) – A cidade de Jeremoabo hospeda desde ontem o chefe de polícia, capitão João Facó. Querendo conhecer “de visu” o desenvolvimento do plano de ação que ele próprio traçou para combater os cangaceiros, o chefe da polícia baiana abalou-se da capital do Estado e, depois de uma viagem martirizante, aqui chegou em meio de demonstrações de simpatia e entusiasmo do povo desta terra.

O sertanejo é uma gente boa e facilmente catequizável. Os que residem nesta zona têm motivos de sobra para querer mal à polícia, para ver com maus olhos o representante da autoridade, por isso que forças que aqui estiveram praticaram maiores atrocidades que as que Lampião comete com o seu grupo facinorosos.

De muitos ouvi que preferiam ter contato com Lampião a verem de perto, por exemplo, o tenente Dourado. Era, portanto, até certo ponto justificável que as forças, aqui chegando, fossem recebidas com reserva e, mesmo com hostilidade. Mas os tenentes José S. Macedo e Liberato de Carvalho, primeiramente, e o coronel João Felix de Souza, mais tarde, souberam de tal forma tratar o sertanejo que este lhe ficou cativo e pôde retomar a confiança na tropa. Por isso, pôde o capitão João Facó aqui chegar em meio da satisfação e do melhor acolhimento do povo. Todos, do mais abastado ao mais humilde, procuraram cercar Sua Senhoria e sua comitiva de atenções e conforto, procurando dar-lhe da cidade a melhor impressão.

O chefe de polícia veio de Uauá, onde permanecera alguns dias, retido por necessidade de serviço. De Uauá a Jeremoabo, a viagem poderia ser feita em algumas horas, em automóvel, se houvesse estradas de rodagem ligando essas duas cidades. Entretanto, para aqui chegar teve o chefe de polícia de passar por Canudos, Monte Santo, Cumbe, Tucano, Pombal, Bom Conselho, Antas e Sítio do Quinto. Dois dias de viagem! É esse o principal mal do Nordeste, a falta de estradas de rodagem, de meios de comunicação.

Acompanhado o chefe de polícia, aqui chegaram também, o engenheiro Dr. Oliveira Campos, o Dr. Oseas Pimentel Filho, médico de Uauá; o tenente Almerindo Vergne, ajudante de ordens e uma escolta comandada pelo tenente Noblat. Hospedou-se a S. Senhoria no edifício da Prefeitura, onde o fui procurar hoje para ouvir-lhe as impressões sobre o desenvolvimento da campanha contra o banditismo e a sua opinião sobre a marcha do plano de Sua Senhoria traçado.

O PLANO DE COMBATE AO CANGACEIRISMO

Aquiesceu prontamente o capitão João Facó em satisfazer o meu pedido e, apontando para um mapa do nordeste baiano, disse-me:

- Incumbido pelo interventor federal na Bahia de organizar um plano de repressão ao banditismo, procurei desde logo desempenhar-me dessa missão. Estudei primeiramente a maneira de ação dos bandidos para verificar qual o meio mais eficiente de dar-lhes combate. O território baiano é grande e vastíssimo, é o campo de ação dos bandidos. Zona repleta de caatingas agressivas, onde o homem, para penetrá-la, vê-se forçado a abrir mato a facão, cortando-se a cada momento, nos espinhos agudíssimos de plantas agrestes; estendendo-se a cada momento, nos espinhos agudíssimos de plantas agrestes; estendendo-se desertos por léguas e léguas onde a soldadesca não encontra o que beber nem comer; havendo sempre carência completa de recursos em toda essa vastidão, procurei desde logo reduzir esse campo de ação dos bandidos e limitar-lhe os movimentos dentro mesmo desse campo reduzido de ação. Para, de colaboração com as polícias de Alagoas e Sergipe e com as forças federais, foram criados destacamentos desde Curaçá, Patamoté, Barro Vermelho, Poço de Fora, Variá, Canudos, Tarrachi, Brejo do Burgo, Jeremoabo, Serra Negra, São José, Santa Brígida, até o rio do Sal; toda a margem do rio São Francisco, de Juazeiro a Santo Antônio da Glória, de Boa Vista a Quixaba, e daí à fronteira sergipana, bem como toda a linha limítrofe até Salgado. Esses destacamentos tiveram a incumbência de defender essas localidades e auxiliar as volantes em caso de necessidade, não dispondo cada um deles de mais de 50 homens. Foram assim postos destacamentos em toda a zona de operações dos bandidos, limitando-lhes a ação e organizando a defesa de localidades. Para atacá-los foram organizadas volantes com um mínimo de 50 homens cada uma e dispondo cada qual de um ou dois fuzis, metralhadoras, uma ambulância de campanha e duzentos cartuchos para cada soldado. Essas volantes foram organizadas com habitantes destas localidades, conhecedores do terreno e dos hábitos, sendo dados os comandos das mesmas aos tenentes Macedo, Liberato e Pinto, do Exército; Ladislau e Temístocles, da polícia baiana; Osório Cordeiro, civil comissionado em tenente; Manuel Neto e Luiz Mariano, da força pernambucana, e José Joaquim, de Alagoas. Cada uma dessas volantes dispõe também algumas de um aparelho portátil de rádio. Nem todas possuem desses aparelhos devido as dificuldades de transporte. Essas volantes percorrem as caatingas, perseguem os bandidos e têm dado magníficos resultados pela bravura dos que as compõe e pelo devotamento com que cada qual procura desempenhar-se da missão que lhes foi afeta.

OS SERVIÇOS DE REMUNICIAMENTO, REABASTECIMENTO, SAÚDE, RÁDIO-TELEGRÁFICO

- Os meios de transporte e de comunicações nesta zona, como certamente já teria visto, são deficientíssimos. Neles reside a principal dificuldade com que a tropa luta para combater o banditismo. Tudo é conseguido com as maiores dificuldades, pois tudo falta nestas paragens. Procurei solucionar da melhor forma esses problemas para o que fiz criar postos de remuniciamento em Patamoté, Várzea da Ema, Uauá e Jeremoabo, a cargo respectivamente dos doutores Álvaro Conde Lemos e Oseias Filho; depósitos de armamentos e munição em Paripiranga e Bomfim e estações rádio-telegráficas fixas em Jeremoabo, Uauá, Brejo do Burgo, Várzea da Ema, Feira de Pau, Canudos e na capital. Dessa maneira, tem a campanha podido desenvolver-se regularmente, com muitas das dificuldades promovidas relativamente.

O PRÓXIMO FIM DA CAMPANHA

- Estou plenamente satisfeito com o desenvolvimento da campanha. O plano que está sendo executado não pode deixar de dar os melhores resultados. Pode quando muito tardar a exterminação do bando, mas nunca falhar. Com a entrada, agora, dos bandidos em Sergipe, o que se verificou em virtude da ação destemerosa do tenente Osório, que os destocou do até então inviolado raso da Catarina, creio não errar vaticinando o fim da campanha até o próximo de 15 de janeiro. Em Sergipe é muito menos difícil dar-lhes combate. Terreno muito menor, mais povoado e portado de estradas. Além disso maior número de perseguidores. Creio, portanto, que a missão policial está prestes a concluir-se para dar lugar à missão social, também relevante, imprescindível, para que novos bandos não se venham a formar.

“Diário de Pernambuco” – 14/01/1932

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