Joaquim
Rezende (à esquerda) conversa com Melchiades da Rocha. Foto: Maurício Moura - A
Noite
A notícia da
morte de Lampião, em 28 de julho de 1938, chegou ao conhecimento dos jornais da
então capital do país, Rio de Janeiro, pelas mãos de um alagoano. Melchiades
da Rocha era repórter do jornal carioca A Noite, quando recebeu um
telegrama o seu irmão Durval da Rocha, despachado de Santana do Ipanema, em
Alagoas, comunicando que “onze bandidos, inclusive Lampião, foram mortos pela
polícia alagoano na fazenda Angico, em Sergipe”. Foi um dos maiores furos de
reportagem daquela época.
A título de
curiosidade, a participação da família da Rocha no episódio não para por aí.
Quando as cabeças dos cangaceiros chegaram à Santa Casa de Misericórdia de
Maceió, foram autopsiadas pela equipe chefiada pelo Dr. Ezechias da Rocha,
outro irmão de Melchiades.
Como prêmio
pelo furo de reportagem, e também porque era alagoano, Melchiades recebeu a
incumbência de viajar, no dia seguinte para a sua terra e acompanhar os
acontecimentos. Do aeroporto, o repórter se dirigiu para Santana do Ipanema,
onde as cabeças iriam ser expostas.
Foi assim que,
no dia 30 de julho de 1938, Melchiades descobre que naquela cidade do sertão
alagoano se encontrava também o prefeito recém-eleito de Pão de Açúcar, Joaquim
Rezende, a quem se referiam como sendo um dos amigos de Lampião.
O Coronel
Joaquim Rezende foi prefeito de Pão de Açúcar entre 1938 e 1941. Segundo
Etevaldo Amorim, em seu livro Terra do Sol, Espelho da Lua, a sua
administração foi marcada por investimentos importantes para cidade,
principalmente na melhoria das condições de moradias das populações mais
pobres.
Morreu
assassinado em 1954, quando ocupava o cargo de delegado de Polícia. Os
assassinos formam os irmãos Elísio e Luiz Maia. Elísio era o prefeito do
município.
Melchiades da
Rocha, no seu livro Bandoleiros das Catingas, lançado em 1942, recorda do
encontro que teve com Joaquim Rezende em Santana do Ipanema. Ele se refere ao
prefeito de Pão de Açúcar como sendo “um abastado proprietário em seu
município” e que ele estava em Santana também “à espera da cabeça de Lampião,
pois desejava certificar-se se de fato ele havia morrido”.
A situação de
amigo de Lampião de Joaquim Rezende aguçou os instintos do repórter, que
começou a se perguntar o que teria levado um rico cidadão a “se tornar um
afeiçoado do Rei do Cangaço”, quando era prefeito de uma cidade que era alvo
das ações do bandido.
A narrativa a
seguir é um valioso documento de como se davam as relações de Lampião com o
poder político e econômico das regiões sertanejas vítimas do cangaço. Com a
palavra Melchiades da Rocha:
Sem quaisquer
etiquetas, pois nós sertanejos não somos, apenas, iguais perante a lei,
apresentei-me ao Cel. Rezende e lhe disse à moda da terra:
— “Seu”
Rezende, eu queria uma palavrinha do senhor!
— Pois não! —
respondeu-me, amavelmente, o prefeito de Pão de Açúcar.
Momentos
depois o Sr. Rezende e eu nos achávamos na sede da Prefeitura de Santana. Em
poucas palavras relatei os meus propósitos ao cavalheiro que me fora apontado
como sendo grande amigo de Lampião.
Após ter-me
oferecido uma cadeira, o Sr. Rezende sentou-se e narrou, pormenorizadamente,
como e por que se tornara amigo do Rei do Cangaço, amigo ocasional, bem
entendido, pois não poderia ter sido de outro modo.
Fala o Coronel
Rezende
Conheci
Lampião em 1935, época em que me escreveu ele, pedindo mandasse-lhe a
importância de quatro contos de réis, prometendo-me, ao mesmo tempo, tornar-se
meu amigo se fosse atendido.
Frente do
Salvo-conduto entregue por Lampião ao
Coronel Joaquim Rezende
Em resposta à
carta do terrível bandoleiro, mandei dizer-lhe pelo mesmo portador que lhe
daria de muito bom grado o dinheiro, mas que só o faria pessoalmente.
Três dias
depois Lampião mandou-me outro bilhete do seu próprio punho, dizendo-me que me
esperava às 10 horas da noite na fazenda Floresta, município de Porto da Folha,
em Sergipe, recomendando-me que fosse até ali, mas não deixasse de levar o
dinheiro.
Não obstante
os naturais receios que tive, à hora aprazada cheguei ao local do encontro,
onde permaneci até uma hora da manhã, quando surgiu um cangaceiro que, ao
ver-me, perguntou-me se eu era o moço que desejava falar ao capitão. Respondi
que sim.
Dentro de
poucos minutos, então, o Rei do Cangaço ali se apresentava acompanhado de
quatro homens, “Juriti”, “Zabelê”, “Passarinho” e “Nevoeiro”. Ao ver o grupo
aproximar-se, identifiquei logo Virgulino e a ele me dirigi, cumprimentando-o.
O famoso
bandoleiro, ao contrário do que eu esperava, recebeu-me amavelmente e foi logo
perguntando sobre o que lhe havia levado. Sabendo que o Rei do Cangaço gostava
de beber, eu, que levava comigo três litros de conhaque, lhos ofereci.
A fim de que
desaparecesse logo qualquer suspeita do bandoleiro, prontifiquei-me a ser o
primeiro a provar a bebida. Encarando-me com olhar firme, Lampião me disse em
tom natural: “Concordo em que o senhor beba primeiro, mas não é por suspeita e
sim porque o senhor é um moço decente e eu sou apenas um cangaceiro”.
Verso do
Salvo-conduto, com os seguintes dizeres: “Au Amo Joaquim Rezendis, como prova di amizadi e garantia perante os
Cangaceiro. Offereci C. Lampião.”
Tomamos,
então, o conhaque e, em seguida, abordei o Rei do Cangaço sobre o dinheiro que
ele me havia pedido. Como resposta, disse-me ele: “O senhor dá o que quiser,
pois eu dou mais por um amigo do que pelo dinheiro”.
— Esse fato —
disse o conceituado comerciante de Pão de Açúcar — teve lugar no mês de agosto
de 1935, e a minha palestra com Lampião durou três horas, tendo ele me falado
de vários assuntos, entre os quais o relativo à perseguição de que era alvo,
acrescentando que, de todas as forças que andavam em seu encalço, a que mais o
procurava era a do então Major Lucena, dada a velha inimizade que o separava
desse oficial da polícia alagoana, a quem reconhecia como homem de fato e dos
mais corajosos.
Quanto às forças
dos outros Estados, disse-me Lampião que se arranjava “a seu gosto…”, fazendo
nessa ocasião graves acusações a vários oficiais dos que andavam em sua
perseguição.
— Aí está como
foi o meu primeiro encontro com o Rei do Cangaço. — Depois — acrescentou o prefeito
de Pão de Açúcar — Lampião mandou pedir-me bebidas, charutos e também objetos
de uso doméstico. Mais tarde, porém, fui informado de que ele estava empregando
esforços no sentido de matar o Sr. José Alves Feitosa, ex-prefeito de minha
terra que, como eu, o esperara muitas vezes ali, a fim de fazer-lhe frente,
pois foi das mais terríveis a ação de Virgulino em nosso município.
Tratando-se de
um amigo meu o homem que estava destinado a morrer às mãos de Lampião, procurei
um pretexto para me avistar com este e não me foi difícil encontrá-lo. Todavia,
após uma série de considerações, em que fui até exigente demais, Lampião,
dizendo ao mesmo tempo que só fazia tal “sacrifício” para me satisfazer,
prometeu-me sustar a realização de sua sanguinária intenção, declarando-me
naquele momento que já tinha em campo dois homens para fazer o “serviço” lá
mesmo na cidade de Pão de Açúcar, já que o visado andava resguardado, não
saindo para parte alguma.
Tal
conhecimento com Lampião, deixou-me, aliás, em situação crítica, pois inimigos
meus denunciaram ao Coronel Lucena que eu era um dos coiteiros do celerado
cangaceiro.
Ao ter ciência
de tal acusação, dirigi-me ao referido oficial e lhe expus as razões que me
levaram a ter contato com o Rei do Cangaço, após ter andado prevenido contra
ele, longo tempo. Jamais faria isso se não fosse a situação em que, como muitos
outros sertanejos, me encontrei durante longo tempo.
Intercedi,
depois disso, em favor de várias firmas comerciais de Maceió e Penedo, cujos
representantes teriam caído às garras do bando sinistro se não fora a minha
intervenção junto a Lampião. Há dois meses passados, fui forçado, do que não
guardei reserva ao Coronel Lucena, a intervir novamente em defesa de algumas
vidas preciosas, no que fui feliz, conseguindo que Virgulino desistisse dos
seus sinistros propósitos.
http://www.historiadealagoas.com.br/a-conversa-do-coronel-joaquim-rezende-com-lampiao.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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