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quinta-feira, 6 de setembro de 2018

O PASSADO NUNCA SE CALA


Se a história de “Lampião” é recheada de mistérios, a de sua mulher Maria é quase um mistério, apesar dos já tantos anos de pesquisa.

Abraão Benjamim Boto, o gringo que secretariou Padre Cícero e depois se fez cinegrafista e fotógrafo, foi quem, nos idos de 1936, filmou e fotografou Lampião com sua companheira e sua turma de cangaceiros, onde ali os jornais da época passaram a nomear a mulher do rei, de Maria do Capitão, Maria de Lampião, Maria Oliveira, Maria Déa. Pelo menos, nessas reportagens de 1936 sobre a produção de Abrão Boto, não vi a imprensa mencionar o nome "Maria Bonita".

"MARIA BONITA" como outra designação da mulher de Lampião, até onde li nos jornais, é mencionado pela primeira vez na edição do “Diário de Pernambuco” de 24 de maio de 1936, na matéria “CHEGOU AO RECIFE UMA DAS VÍTIMAS DE LAMPIÃO”, quando, em dois momentos, lemos o seguinte:

“Quando cheguei lá vi que a casa estava cercada. Oito homens e duas mulheres estavam armados até os dentes. Tinham todos a cara de assassinos. Uma delas, a quem chamaram de Maria Bonita, me deu logo duas chibatadas”.

“Maria Bonita, a amasia do chefe do grupo, usa calça culote, dois parabéluns à cinta e cartucheira”.

Pois bem. O famoso cordelista Manuel D’Almeida Filho, no seu “CABRAS DE LAMPIÃO", primeiro volume, produzido e editado após as mortes de Lampião e Maria Bonita, diz, num dos muitos versos da obra, que quem inventou de chamar Maria de Déa, a Maria de Lampião, de Maria Bonita foram os:

“Violeiros repentistas 
Cantando na região,
Batizaram novamente
A mulher de Lampião,
Como Maria Bonita,
A linda flor do sertão”.

Para, no mesmo cordel, mais adiante, cantar o seguinte:

“Por ser perto de Garanhuns
Deu a viagem perdida,
Encontrou com a polícia.
Quase que perdeu a vida,
Até Maria Bonita
Nessa luta foi ferida”.

Nesta segunda sextilha, o cordelista volta a chamar a mulher de Lampião de "Maria Bonita", o que até então só a chamava de Maria de Lampião, etc, justamente quando faz registrado o ferimento à bala que ela sofrera, em 1935, no lugar Serrinha do Catimbau, região de Garanhuns/PE.

Imagino se não teve a ver passarem a chamar a mulher de Lampião de “Maria Bonita” depois da sua presença no interior pernambucano, nos idos de 1935, quando este jornal e, talvez outros, andou divulgando história de a cangaceira Maria, mulher do chefe, andar participando diretamente de ataques a localidades, armadas e tudo mais.

E é exatamente aqui que eu trago aos amigos uma indagação, que nenhuma pretensão carrega senão a de enriquecer o debate a respeito de coisas relacionadas ao cangaço a meu ver ainda não muito claras, pergunta que faço a partir de uma dúvida que me surgiu quando li uma outra matéria deste periódico pernambucano, desta feita a que veio a lume na edição do dia 10 de janeiro de 1936 (abaixo), assinada pelo jornalista Vicente Neto, intitulada "NA PISTA DOS BANDIDOS", publicação esta, portanto, anterior às das sensacionais e inéditas imagens dos cangaceiros, e entrevista com o seu autor, Abraão Boto, das quais, lamentavelmente, como sabemos, só nos restaram apenas alguns poucos minutos. Como eu disse, uma dúvida me surgiu ao ler o texto referido, relacionado à mulher de Lampião, uma vez que me pareceu tratar-se de uma outra Maria, uma tal de Maria da Glória, claramente diferente da hoje consolidada pela história oficial, sem mencionar que de forma ampla, pela mídia nacional e internacional, logo após a sua morte em Angico, a de uma Maria Bonita filha das terras baianas de Paulo Afonso. 

A informação lida em todo o Brasil sobre a mulher de Lampião, de forma inédita na imprensa, salvo melhor juízo, naquela sexta-feira do dia 10 de janeiro de 1936, foi a de que Maria de Lampião era uma filha do Cariri e que se chamava Maria da Glória.

Estamos falando, talvez, de uma outra Maria, de um segundo romance de Lampião, se considerarmos como verdadeiro o conteúdo desta reportagem e o resultado da pesquisa a indicar ser a ex-mulher do sapateiro Nenê a companheira de Lampião?

Seria, outra pergunta, a Maria Bonita que temos, uma formulação feita em cima de duas personagens, de duas reais Marias?

Como costumo dizer, a verdade das coisas passadas, principalmente as não registradas, não é lugar fácil de se chegar, e, principalmente, quando se trata de história embasada fundamentalmente em testemunhos, em ouvir dizer e coisas semelhantes, não obstante, como consolo, sabermos que praticamente toda a história humana é fruto de olhares enredados pela heurística que nos comanda diante de coisas que racionalmente não entendemos.

NA PISTA DOS BANDIDOS

RENDENDO-SE AO AMOR, LAMPIÃO DEIXA EMPALIDECER A SUA ESTRELA – FUGINDO AOS COMBATES, ABANDONA OS SEUS COMPANHEIROS E SE ENTREGA AO CONVÍVIO DA CRIATURA AMADA – DOMINADO PELA MULHER, O CÉLEBRE BANDOLEIRO PERDOA E TRANSIGE – BALEADA, NO COMBATE DE “SERRINHA”, A APAIXONADA DO SENHOR DO CANGAÇO

(Reportagem especial de Vicente Neto, para os Diários Associados)

RIO, 6 (Pelo aéreo – Para o “DIÁRIO DE 
PERNAMBUCO”) – Virgulino Ferreira da Silva, o maior bandoleiro que registram os anos da tumultuosa crônica dos sertões nordestinos, até agora invencível às invectivas policiais está completamente vendido aos caprichos de uma paixão amorosa, Lampião ama intensamente uma mulher!

Há cerca de oito meses, na capital cearense, um velho conhecido dos Cariris dava-me aquela notícia. Uma mulher, ou seja, uma cabocla caririense, vendedora de doce de buriti na feira de Juazeiro, arrebatara todas as possibilidades amorosas do chefe do cangaço e o conduzia, ao seu bel prazer, fazendo de Lampião um pobre e apaixonado mortal, para quem a vida não teria razão de ser se não se resumisse na realização dos desejos da criatura preferida.

Não havia dado crédito à tal informação, vinda do velho comboieiro, Cícero José da Silva e teria perdido interesse pela história quando é definitivamente despertada a minha curiosidade sobre o caso amoroso de Lampião, numa conversa com o ex-cabo da polícia pernambucana, Abdon Cavalcante. Na feira de Lavras, fronteira Ceará-Paraíba, o sertanejo assegurou-me a exatidão do que dissera o velho Cícero. Era fato realismo o que se propalava sobre a paixão alucinada de Virgulino Ferreira da Silva. Não só o perigoso bandoleiro amava como ainda era intensamente correspondido pela eleita do seu coração, tendo agora, ao seu lado, em todos os momentos, a sua Dulcinéa.

Dez dias depois, deixando Lavras, numa excursão pelos Cariris, vinham ao meu conhecimento os antecedentes do romance cupidiano do homem que sobrepuja em façanhas os Antonio Silvino, Jesuíno Brilhante e Luiz Padre.

UM INESPERADO EPISÓDIO SENTIMENTAL

Num dia do ano de 1926, na cidade de Juazeiro do Cariri, sede do prestígio do Padre Cícero Romão Batista, um acontecimento se consumava repercutindo pelos seus aspectos inéditos e escandalosos em todo o Brasil.

Virgulino Ferreira da Silva, à frente do seu já célebre grupo de cangaceiros penetrava solenemente naquela localidade do sul cearense, para receber do “padrim” Cícero uma patente de oficial das tropas legalistas e, em tal posição, dar combate à Coluna Prestes que palmilhava naquele tempo os sertões do Nordeste.

Estava o “capitão” Virgulino, na casa de um seu irmão, negociante em Juazeiro, quando, no meio do espanto geral, uma jovem cabocla invade a sala e se precipita, braços abertos, para Lampião.

- “Maria da Glória, tu por aqui!?”

- Virgulino, sou eu mesma, cada vez mais tua!?”

E o bandido e a mulher se diminuíram num prolongado amplexo, enchendo de estarrecimento aquela assistência feita de uma meia dúzia de facínoras, duas sobrinhas do chefe cangaceiro e sua velha mãe.

Vendo, depois, nos circunstantes, expressões de interrogativo espanto, Lampião abriu-se numa explicação:

- “O que há minha gente, tá tu admirado? É isso mesmo, vocês pensavam que seu capitão não queria bem a ninguém no mundo. Pois tão enganado. Essa aqui é a minha Gulorinha, que eu muito amo!”

UMA PAIXÃO QUE VENCE A AUSÊNCIA E O TEMPO

Contaram-se em Juazeiro este episódio para depois adiantarem um informe que dá uma eloquente ideia de quanto é querido de sua amada o terrível cangaceiro.

Maria da Glória, faz cinco meses abandonou a sua família, e deixou o Cariri, atravessando as grandes distâncias e incríveis perigos, para se juntar a Lampião e seu grupo. E se não o fizera há mais tempo, em 1926, quando o sucessor de Antonio Silvino esteve na Meca do Padre Cícero, foi porque a sua vontade se opôs a de Lampião. Naquela época, entre as tentações do amor e as do malfeitorismo, ficava com estas últimas. Maria da Glória, entre soluços, invocando mil e muitos motivos, quisera acompanhar Virgulino, mas este duramente a repelira, não querendo que uma mulher o sombreasse.

FERIDO PELAS SETAS DE CUPIDO E FUGINDO AOS CONTATOS

Como já sucedeu com uma infinidade de audazes aventureiros, a fúria do homem que há quase quinze anos cruza os estados do Nordeste numa trajetória de sangue e inomináveis desgraças diminui dia a dia, enchendo de apreensões os seus comparsas. Lampião foge presentemente a todos os combates, embrenhado nas matas, não oferecendo ele próprio combate algum. Querendo desfrutar o seu amor ele deixa transparecer quão intenso é em si o instinto de conservação, despertado pelo medo de deixar a sua Maria da Glória.

Tangenciando perigos, contagiando seus auxiliares com a sua surpreendente covardia, o terror nordestino perde terreno, não só para as forças policiais, como para os sertanejos. Assim, têm-no abandonado muitos bandidos, e outros, como os terríveis Grilo de Engrácia, Fortaleza, Limoeiro, Suspeita e Medalha, perderam a sua vida, abandonados pela retirada do seu chefe.

FERIDA A MULHER DE LAMPIÃO!

O último combate de Lampião, que não teve nem o furor nem a estratégia de anteriores investidas, ocorreu no povoado Serrinha, em Pernambuco, uma madrugada, estando a pequena localidade quase deserta. Um habitante de Serrinha assistiu de um esconderijo o saque dos bandidos e a reação popular, quando uma bala dos defensores do povoado atingiu a companheira do bandido.

Virgulino e um lugar-tenente acudiram à mulher, ordenando-se logo, por uma decisão nervosa, a retirada.

O habitante de Serrinha, vendo os invasores fugirem, correu para o ponto em que fora Maria da Glória atingida por um dos projeteis, apanhando uma “capa-gibão” da mulher. Dita capa é guardada como objeto precioso, na delegacia de Garanhuns, onde foi fotografada pelo globe-trotter Nery Camelo.

ELA NA VIDA DE LAMPIÃO

Em Juazeiro contaram-me que data da adolescência de Virgulino a sua paixão pela cabocla.

Maria da Glória, como a descrevem os conhecidos, não é um belo tipo de sertaneja. Mulherzinha dos seus 28 anos, é baixa, raquítica, nariz afilado, boca que se abre às vezes num sorriso desconfiado.

Os seus olhos possuem um estranho brilho e, ao que parece, é por eles que o terrível Lampião se amolece num ser apaixonado, entregando-se, progressivamente, aos caprichos de uma mulher e, não há dúvida, ao laço das praças que o perseguem.

UM EXEMPLO SÓ

Um exemplo só ilustra quanto é imenso o domínio da sertaneja sobre o celebrizado malfeitor. Uns andarilhos colombianos, segundo já noticiou a imprensa, capturados pelos bandoleiros, iam ser fuzilados como sendo “macacos do governo”, escapando, finalmente, graças à intervenção da companheira do orientador dos facínoras.

Imagem dos personagens "Maria Bonita" e "Lampião", interpretados por Tânia Alves e Nelson Xavier, na série "LAMPIÃO E MARIA BONITA", exibida pela Globo em 1982, que colho da internet.

https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste/?fb_dtsg_ag=AdyQT0YzGNMdcelQjt-o7T_TAKv57ict6ycWoTSFLHC-kg%3AAdx6nxYp21U7GFRIwcbGRiKl2fbGtx0SNU5El3hflL9GQg

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