Por Benedito Vasconcelos Mendes
A carnaubeira
(Copernicia prunifera) é uma palmeira nativa do Nordeste brasileiro que ocorre
em grandes concentrações nas margens dos rios intermitentes do Ceará (Rios Acaraú,
Curu e Jaguaribe) e Rio Grande do Norte (Rios Piranhas/Assú e Apodi/
Mossoró) e nas planícies dos grandes vales do Estado do Piauí, principalmente
nas proximidades do Rio Parnaíba. As folhas da carnaubeira são revestidas por
uma fina camada de cera, que as protege da transpiração excessiva. Esta cera é
extraída na forma de pó cerífero que é depois processado para a formação da
cera. O Brasil é o único país do mundo que produz cera de carnaúba, pois esta
planta foi levada para outros países tropicais, onde se desenvolveu bem,
ficou frondosa, mas não produziu cera em suas folhas. As condições climáticas
da região semiárida nordestina são determinantes para que ela produza
cera.
A Fazenda Aracati tinha um pequeno carnaubal, parte de carnaubeiras nativas, nas margens aluviais do Rio Aracatiaçu, e uma pequena área com carnaubeiras plantadas por meu avô, atrás da casa grande. Todos os anos, meu avô arrendava o carnaubal ao seu compadre Chico Rufino, mas em alguns anos, em vez de arrendar, ele produzia o pó de carnaúba (pó cerífero) e depois o beneficiava na “Casa de Beneficiamento de Cera de Carnaúba”, do Seu Chico Rufino, na cidade de Miraíma. Era uma agroindústria primitiva, porém bem equipada, com caldeirões de ferro fundido para cozinhar a cera e uma gigantesca prensa de madeira (feita de miolo de aroeira) para retirar o excesso de água da cera.
O
processo de extração do pó cerífero se iniciava com o corte das palhas das
carnaubeiras, com uma pequena foice bem amolada, suportada por uma longa
vara de até 9 metros de comprimento. O cortador de palhas (vareiro) ia
derrubando as folhas maduras de cor verde e abertas e as folhas novas, fechadas
(folhas do olho). O juntador de palhas cortava com um facão o talo espinhento
no tronco da folha, separava as folhas abertas das folhas do olho, fazia, com
embira da palha do olho, os feixes de 25 palhas e atrelava os mesmos nas
cangalhas dos jumentos, que transportavam os feixes de palha para o
palheiro, onde eram secas, estendidas no chão forrado com bagaço de
palhas velhas, cortadas em anos anteriores. A distribuição das palhas no chão
do palheiro era feita por setores, de um lado colocava-se as palhas do olho e
do outro as palhas abertas. A secagem ocorria em 9 dias, sendo que de 3
em 3 dias virava-se as palhas para melhor receber o sol e secarem
uniformemente. Depois de secas, as palhas iam ser riscadas e batidas, para
extrair o pó cerífero, em um pequeno quarto todo fechado, com piso de cimento
queimado e teto com forro de tábuas. As palhas secas eram riscadas e batidas
sobre um grande lençol de tecido (algodãozinho), que recebia o pó que se
desprendia das palhas secas riscadas e depois era ensacado em sacos de tecido,
que tinham sido usados para acondicionar massa de trigo ou açúcar. O pó
extraído das folhas jovens (folhas do olho) é branco e produz a cera Tipo
A (cera de primeira), mais valorizada e de cor amarela, enquanto o pó cerífero
tirado das folhas abertas, mais velhas, é escuro e vai originar um tipo
de cera menos valorizada, de cor parda (cera Tipo B ou cera de segunda). Meu avô
mandava o pó de carnaúba produzido na Fazenda Aracati, em lombos de burros,
para a cidade de Miraíma, a 25 quilômetros de distância, para ser transformado
em cera de carnaúba, na unidade de beneficiamento de cera de seu compadre Chico
Rufino. Lá, o pó cerífero era misturado com água limpa e cozinhado (fervido),
depois prensado para retirar a água. A cera resultante era classificada,
pesada, armazenada e depois vendida em Sobral, na Casa Quirino Rodrigues &
Filhos.
O riscador de palha seca era um tipo de pente com dentes de ferro pontiagudos
virados para cima, fixos em um cepo de madeira. O operador batia a palha
seca sobre ele e puxava-a para riscar (abrir) e provocar o desprendimento
do pó, que caía sobre o lençol.
O Beneficiamento do pó cerífero consistia em cozinhar o pó em grandes
caldeirões de ferro fundido, semelhantes aos caldeirões usados nos engenhos de
cana-de-açúcar, para a fabricação de rapadura. Quando se ia cozinhar o pó de
carnaúba, colocava-se água limpa e não salobra, que ao ferver deixava a sujeira
boiar na espuma, que era facilmente retirada do caldeirão e descartada. O pó
derretido era levado para a grande prensa de madeira, onde era prensado para
retirar o excesso de umidade. A cera, ao esfriar, se solidifica. O pó cerífero
branco, retirado das palhas do olho (folhas em cartucho) era processado
separadamente do pó extraído das folhas maduras (folhas abertas). A cera de
carnaúba, por ser extremamente dura, possuir elevado ponto de fusão (em torno
de 83 a 85 graus centígrados) e ser de difícil dissolução, em temperatura
ambiente, é considerada a “Rainha das Ceras”. Quase toda a cera produzida no
Brasil é exportada na forma bruta, não industrializada. Ela é utilizada no
mundo inteiro por diversos segmentos industriais, como na indústria cosmética,
farmacêutica, alimentícia, eletrônica (chips e transistores), na fabricação de
impermeabilizantes, esmaltes, vernizes, lubrificantes, isolantes e por muitos
outros setores industriais.
Além da cera, a palha da carnaubeira é matéria prima para a produção de vários
outros produtos artesanais, como chapéu, vassoura, esteira, uru, surrão, bolsa
e corda. A palha também era empregada para cobrir casa de taipa. A cera e o
chapéu de palha de carnaúba foram dois produtos de exportação, de grande
importância econômica para os Estados do Rio Grande do Norte, Ceará e Piauí. A
estirpe era utilizada para a confecção de linhas, caibros, ripas e bancos. A
estirpe aberta e escavada era largamente utilizada como calha, para escoar água
de chuvas de telhados. Os frutos são comestíveis e as raízes medicinais.
Enviado pelo professor e escritor Benedito Vasconcelos Mendes
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário