Por: Rubens Antonio
Arvoredo deixou uma correspondência a um "coronel" baiano:
“Ilmo sr. Francisco de Souza - Aspiro boa saúde com a exma. Família, tendo eu frequentado uma fazenda sua, deliberei saudando-o em uma cartinha, pedir um cobrezinho. Basta dois contos de réis. Eu reconheço que o sr. não se sacrifica com isto e eu ficarei bem agradecido e não terei razão de lhe odiar nem também a gente de Virgulino terá esta razão. Sem mais, do seu criado, obrigado. Hortêncio, vulgo Arvoredo, rapaz do bando de Virgulino Ferreira, vulgo Lampião.”
Depoimento de Risa Galdina dos Santos Conceição, então com 83 anos, de Jaguarari/BA:
O bando de Arvoredo tava escondido na Serra da Conceição, quando o chefe do grupo resolveu descer pra pegá água. Enquanto isso, dois jovens, o João da Biana e o Cícero José Ferreira, o Xisto. Eles estão na mata à procura duns jumentos que haviam desaparecido. No meio da mata, eles se encontraram com Arvoredo que obrigou eles a segui ele. O cangaceiro ia conduzindo os dois pra mata fechada.
E eles imaginando que a intenção do bandido era conduzi ele até o bando para matá. Começaram a fazer sinal um pro outro para dominá ele. João Biano estava com um canivete e Xisto com um facão. Num momento, João derrubou Arvoredo e começaram a rolar pela caatinga.
Aí, o Xisto tento fugir e o João gritou:
- Se fugir eu te pego depois!
Durante a luta, o cangaceiro tava pesado, todo aparatado. Acabou desarmado e recebeu várias furada de canivete. Os rapazes saem para irem embora quando lembram que precisam levar alguma prova para a polícia. Quando voltam, encontram Arvoredo já de joelho. O qual implorou por Nossa Senhora para não morrer. Mas, depois de arrancar-lhe o patuá que carregava no pescoço, ele foi sangrado a golpe de facão...
Para levar como prova cortaram a mão para mostrar às tropas da policia que se encontravam em Barrinha. Eles se reuniram indo em companhia dos dois rapazes ao local onde estava o corpo, que tava no mesmo lugar. Levaram para o Povoado de Barrinha e que foi é trazido de trole para a sede de Jaguarari.
Eu fui ver o corpo quando chegou na estação. Depois disso, nunca mais eu fui ver pessoas que morrem de acidente, pois fiquei com trauma do que vi. Oh! coisa feia. Sei que tá enterrado no cemitério velho de Jaguarari próximo ao cruzeiro.”
Acervo de Ivanildo Silveira Colecionador do cangaço
Detalhe da placa:
Acervo de Rubens Antonio
Depoimento de Vicente Romualdo dos Santos, então com 97 anos, de Jaguarari/BA:
"Quando eu morava com papai Felix, em São Miguel, foi quando chegou Arvoredo, Calais com seu bando e começaram a fazer perguntas sobre a polícia volante, a riqueza dos fazendeiros entre outras coisas. Meu pai não deu informações. Então eles pediram para que ele não os denunciasse. Mas ele fez o contrário e a polícia foi atrás deles. Um vizinho, coiteiro do bando, avisou que papai havia denunciado.
Passaram-se alguns dias e Arvoredo morreu próximo a Barrinha [em 26 de maio de 1934]. Após sete dias de sua morte, Calais e seu bando voltou à Fazenda São Miguel encontrando eu e meu irmão na roça de mandioca. Sabendo que os assassinos de Arvoredo são parentes do meu pai e que ele havia denunciado o bando, fizeram muitas perguntas.
Então Calais mandou nos amarrar. Então eu, que me encontrava resfriado, senti um calor subir no corpo, e pedi a Nossa Senhora que me protegesse. Calais percebeu essa reação e mandou me segurar. Juremira foi quem agarrou. Foi então que reagi e lutei com ele até cair os dois no chão.
E então consegui me soltar e correr até a porteira que estava aberta. O bando atirou, mas as balas passaram por eu e só uma pegou na manga da camisa. Pensei que meu irmão havia corrido também. Fui em casa e contei a meus pais. E fui a Jaguarari contar à polícia. Mas, em Jaguarari, não havia soldado suficiente. E o delegado Zé Gringo buscou reforço em Bonfim. E somente no outro dia iriam ao local do acontecimento.
Na mesma noite, eu fui à casa de João Resenaldo, e lá apareceram João Biana, Xisto e outros homens dispostos a irem ao local da luta. Mas não tinham armas. Foram à casa de algumas pessoas. Zé Ferreira, Zé Melado e outras, conseguindo armas, indo até a roça. Chegando lá, encontramos Antônio dos Santos, meu irmão, morto. Estava sangrado, com a boca cheia de terra, para não gritar, com nove facadas no peito e o rosto todo cortado. Eu coloquei ele em cima de umas tábuas no jumento e o levei para casa. E os demais foram procurar os bandidos.
Passado algum tempo, apareceu uma espírita, de Petrolina, trazida por minha sobrinha. Ela entrou na casa pela porta da frente e parou na dos fundos. Perguntou:
– Seu Vicente... Seu irmão que morreu gostava de tomar café?Eu disse que sim, então ela pediu café em pó e açúcar. Pôs em uma vasilha e colocou brasas. A fumaça tomou a casa. Ela disse que, no canto do alpendre, eu deveria conservar sempre com uma luz, porque havia alguém ali. Após isso, a mulher recebeu o espírito de alguém. Eu ouvi uma batida na parede e a mulher falou:
- Boa noite, ô irmão, sabe quem eu sou?E eu disse:
- Não.
– Você tá falando com seu inimigo.E me abraçou. Eu senti que os ossos quebraram-se. A mulher falou:
- Até hoje eu era seu inimigo. Agora sou seu maior amigo. A partir de hoje você só tenha medo dos castigos de Deus, porque dos males da Terra eu lhe livro.
Então eu reconheci. Era Arvoredo. Disse ainda Arvoredo:
- No dia que seu irmão morreu, eu estava lá.Depois a espírita recebeu meu irmão Antônio. Ele disse:
- Irmão. Aquela era chegada à minha hora. Agora eu vou ver minha mãe.Outro dia, a mesma mulher voltou até minha casa onde encontrou todos dormindo. Ela chamou:
- Vicente!Em um dos cômodos, ela recebeu novamente o espírito de Antônio que disse:
- Agora eu vou me libertar...Nesse momento vi a mulher colocar grande quantidade de terra pela boca até ficar com a voz limpa. Tempos depois eu fui a Petrolina, à casa da espírita e no Salão de suas consultas. A espírita recebeu doutor Antônio, que perguntou a mim se eu sabia dos benefícios que ele, o doutor Antônio, já fez. Nisso apareceu o esposo da espírita vestido de cangaceiro e tocando sanfona.
A mulher recebe Arvoredo que me chama no salão e coloca as mãos em meu ombro e pede para eu contar como foi sua morte. E depois disse:
- Fui morto por dois meninos... um de catorze e outro de quinze anos... Nunca pensei que o perigo estivesse ali.Alguns anos depois, a mulher voltou à fazenda de nossa família e pediu para nós irmos ao cemitério para arrumar a cova de Arvoredo. A cova estava funda. Após arrumar a cova, rodearam velas na mesma e acenderam.
Arvoredo apareceu novamente através da espírita. O céu estava fechado. Era época de inverno, parecendo que ia chover. Estava escurecendo. Arvoredo falou:
- Graças a Deus, agora tou liberto... As armas que estavam comigo caíram agora...O céu se abriu e num clarão ele disse:
- Meu espírito está agora como o céu...A espírita acendeu vela em todos as covas, mas ao chegar no canto do cemitério não consegue acender em uma carneira antiga. A vela apagava.
Em outra ocasião a espírita retornou ao cemitério na companhia minha e de duas pessoas ajudantes para colocar uma cruz de ferro no túmulo de Arvoredo.
Daí eu sempre acendia velas e rezava um “Pai Nosso” para a alma de Arvoredo. Hoje em dia, estou com dor nas pernas, por causa da velhice. Estou impossibilitado de ir ao cemitério mas oro em casa.”
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