*Rangel Alves da Costa
Muito melhor que gaiola é o viver em liberdade, é ter diante de si os horizontes e mais além. Após a porta sempre há um destino a seguir, um lugar para ir.
O pássaro quer, o pássaro precisa de liberdade. Contudo, não é toda forma de liberdade que garante a sua canção, o seu voo contente, o seu reencontro com as alegrias da vida.
A porta pode estar aberta, escancarada, e o mundo lá fora chamando a viver. Mas qual a motivação do pássaro se o mesmo está aprisionado por outros motivos? Qual sua propensão ao canto e ao voo se continuará preso em liberdade?
Não há pássaro que voe feliz levando nas asas o peso da dor. Não há pássaro que voe contente carregando consigo a angústia e a melancolia. Não há pássaro que alce os céus tendo os pés aprisionados em sofrimentos passados. Não há pássaro que cante a sua própria dor.
Coisa mais triste avistar um pássaro em liberdade e o seu primeiro voo ser em direção a uma solitária copa de árvore. Talvez queira até cantar, mas qual gorjeio traduzirá seu estado de espírito? Não é fácil ser pássaro cujo voo ainda está aprisionado ao passado.
Pássaro também sofre. O pássaro vive a dor da solidão, padece o sofrimento da perda, chora por dentro as angústias da vida. Sua prisão maior talvez não seja sequer a gaiola, mas as dores interiores que não permitam nenhum ânimo para voar, cantar e viver.
Também temos a nossa gaiola e o nosso entristecido ninho. Também somos pássaros cuja gaiola se abriu para o nada. Tantas vezes somos assim. Portas e janelas abertas à nossa frente, céus e horizontes, estradas e caminhos, mas continuamos sem desejo algum de voar.
A solidão nos aprisiona em quartos escuros, ainda que na liberdade das ruas. A tristeza nos encarcera como se nenhuma luz e nenhum sol pudessem chegar pelas frestas. As dolorosas nostalgias nos colocam em tamanha redoma que não há esperanças que nos permita sair.
O pássaro, entristecido, emudece no alto, na copa da árvore, no galho de maior altura. Tudo avista, mas é como nada avistasse, pois sem motivo algum para tirar proveito dessa liberdade. E o homem, o que faz com sua liberdade aprisionada na dor? Torna-se um pássaro triste na copa da árvore.
Tem-se, assim, que não é toda liberdade que verdadeiramente liberta. Estar livre não significa estar com o mundo aberto adiante. A primeira liberdade que deve ser conquistada é a interior, pois é no âmago que as asas humanas ganham forças para seguir adiante.
Sair pela porta sem ter aonde ir. Avistar o mundo sem sentir prazer. Ter tudo adiante e nada aproveitar. Ter a voz de canto e não poder cantar. E nada por acaso. Mesmo que os outros não percebam, é dentro do ser que continuam as correntes e os grilhões.
Ninguém é feliz desamado. Ninguém canta sem felicidade. Ninguém quer voa sem desejar o azul. Assim no pássaro, assim no homem. Daí a existência de pássaros tristes e de homens tristes: continuam aprisionados em alguma gaiola da alma.
Escritor
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