Com uma memória privilegiada e domínio destacado sobre a história do cangaço no Brasil, o pesquisador e escritor José Sabino Bassetti, de 76 anos, encantou, na manhã deste sábado (6), membros da Academia Saltense de Letras (ASLe) e convidados com palestra sobre o tema.
Intitulada “Lampião e o Fenômeno do Cangaço no Brasil”, a exposição trouxe detalhes exclusivos sobre a trajetória de Virgulino Ferreira da Silva, conhecido popularmente pelo apelido de Lampião, que foi o principal e mais conhecido cangaceiro brasileiro.
É o caso, por exemplo, do fato de que Lampião nunca trabalhou na vida, embora tenha sido artesão até os 20 anos. Ao contrário da maioria dos cangaceiros também, ele era alfabetizado. “Lampião pode ter sido tudo nesta vida, mas burro ele não era”, disse o pesquisador.
Dispensando o microfone por ter voz forte, Bassetti falou por quase duas horas como se conversasse com amigos na varanda de casa e essa intimidade deu aos presentes a impressão de que tivessem presenciado as cenas, afirmou João Milioni, escritor responsável pela organização.
A palestra estava programada havia seis meses e foi proposta pelo escritor por ele ser um apaixonado pela vida de Lampião e o cangaço. “Eu sabia que Bassetti tem tantos conhecimentos a respeito que achei que seria interessante dividir isto com os colegas da ASLe”.
José Sabino Bassetti é um estudioso sobre o cangaço desde os anos 60 e é autor de “Lampião – O cangaço e seus segredos” (Nova Consciência, 2015) e “Lampião, sua morte passada a limpo” (Nova Consciência, 2011), esta última com Carlos Cesar de Miranda Mengale.
Testemunha ocular
“Tive oportunidade de conhecer pessoas envolvidas com o cangaço, parentes de quem esteve lá também e outros que estiveram próximos das principais cenas desse movimento, além de ter ido aos locais de batalhas, principalmente onde Lampião morreu”, disse Bassetti.
Só na Grota do Angico, fazenda em Porto da Folha, sertão de Sergipe, palco da última batalha entre Lampião e as chamadas Volantes (grupos de policiais), que culminou com a morte do líder e da sua conhecida companheira Maria Bonita, em 1938, ele visitou nove vezes.
“Fui para lá com um dos policiais que participaram da emboscada ao bando e medi com uma trena a distância entre os locais onde membros do grupo estavam para definir detalhes que comporiam os meus livros sobre o tema e ouvi do policial tudo como aconteceu”, afirmou.
Em 27 de julho de 1938, Lampião e vários cangaceiros foram surpreendidos pela volante do tenente João Bezerra, auxiliada pelos militares aspirante Francisco Ferreira de Melo e o sargento Aniceto Rodrigues, e nove deles morreram com Lampião e Maria Bonita.
O pesquisador disse que não houve resistência à emboscada. “O que se pode chamar de resistência foi que os 23 que escaparam fugiram atirando, mas era correr, olhar trás e dar tiro só”. Curiosamente, após o episódio, nenhum dos que escaparam cometeram mais crimes.
Bassetti afirmou que vários deles ajudaram a polícia a desvendar detalhes sobre o bando em uma espécie de delação premiada. “No sertão, o ódio não tem pressa. Muitos deles se vingaram de desafetos dentro do próprio bando com as suas delações”, afirmou.
Os 11 mortos –além de Lampião e Maria Bonita, morreram Quinta-Feira, Luís Pedro, Mergulhão, Manoel Miguel (Elétrico), Caixa de Fósforo, Enedina, Cajarana, Moeda e Mangueira- tiveram as cabeças arrancadas e levadas para Alagoas como troféus.
Mitos desfeitos
“As cabeças foram conservadas em latas de querosene com sal, cal e aguardente”, disse o pesquisador. Para muita gente, Maria Bonita estaria viva quando fora decepada. “Mas isso não é verdade. É mito. Ela levou um tiro na barriga. Depois outro nas costas. Ninguém sobrevive”.
Outro mito que Bassetti desfez foi que Lampião teria escapado da emboscada e acabado morto depois, porque sua cabeça estava muito deformada. Na verdade, ela ficou assim após um dos policiais bater com a coronha do fuzil com força e com muita raiva.
Ele desfez o mito ainda de que os cangaceiros tivessem sido envenenados antes de morrer. “Não foram não. Os policiais colocaram creolina nos corpos para evitar disseminação de doenças”. A atitude levou alguns urubus a morrer intoxicados depois de comer a carne.
Uma das mais conhecidas lendas sobre Lampião, segundo Bassetti, é a que diz que seus companheiros de cangaço deram esse apelido a ele, porque atirava tão rápido (como se fosse uma metralhadora) que a ponta de seu fuzil ficava vermelha, parecendo um lampião.
Mas o pesquisador e escritor fez uma revelação que responde à questão que sempre vem à tona quando se fala de Lampião: ele foi herói ou bandido? Para Bassetti, é difícil dizer quem mais prejudicou o nordeste, se Lampião, padre Cícero ou Antônio Conselheiro.
A afirmação reflete uma vida dedicada a pesquisas sobre a trajetória e toda a repercussão dos atos de Lampião, passando pelos desses líderes, sobre a população sofrida do nordeste e sobre as esperanças e sonhos de um povo que não foi aquinhoado com muitas chances.
Legendas: Na foto 1, José Sabino Bassetti empolga-se na descrição das ações de Lampião. Na foto 2, responde a perguntas da plateia. Na foto 3, concede entrevista para a TV Taperá.
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