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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

JORNAL O MOSSOROENSE ENTREVISTA O PROFESSOR, POETA, ESCRITOR, PESQUISADOR DO CANGAÇO, DO LUIZ GONZAGA E DO TRIO MOSSORÓ KYDELMIR DANTAS DE OLIVEIRA

Por Leonardo Sodré Jornal O Mossoroense.

Entrevista com o Presidente da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, Kydelmir Dantas, por "O Mossoroense":

O Mossoroense - O que o levou a ter interesse em pesquisar o cangaço?

Kydelmir Dantas - A culpa foi do meu pai. Ele era um autodidata que lia compulsivamente e eu ouvia muitas histórias sobre os sertanejos, sobre cangaceiros. Daí comecei a me interessar pelo estudo do cangaço, pelas coisas do Nordeste e a influência que esse movimento representou para o sertão.

OM - Você nasceu em Mossoró?

KD - Eu sou de Nova Floresta, Paraíba, e estou em Mossoró há 19 anos, desde que comecei a trabalhar na Petrobras. Sou mossoroense há 19 anos de fato e de direito, até porque sou cidadão mossoroense. Gosto muito daqui.

OM - Existem duas fases no cangaço: a primeira foi com o surgimento de Jesuíno Brilhante e a segunda com Lampião, Antonio Silvino e outros. Existe alguma diferença no comportamento dos cangaceiros de uma fase para a outra?

KD - Uso como exemplo a Bíblia: antes de Cristo e depois de Cristo. O cangaço está dividido em duas fases: antes de Lampião e depois de Lampião. Antes de Lampião existiam pequenos grupos, a maioria ligados em questões de família e política, como Zé Pereira e Jesuíno Brilhante. Na briga de Brilhante com os Limões, por exemplo, a política estava do lado dos Limões. Zé Pereira não começou no cangaço como meio de vida e sim por causa de briga de famílias, ele brigou com os Carvalhos.

OM - Qual foi o tema do Simpósio do Cangaço?

KD - A Sociedade Brasileira de Estudo do Cangaço (SBEC) nasceu há 13 anos com o objetivo de estudar com profundidade o assunto. Mas, temos no nosso estatuto, como obrigação, não somente estudar o cangaço mas todos os temas que possam estar relacionados a ele. Esse Simpósio, por exemplo, tem quatro vertentes: A influência na cultura do Nordeste, o coronelismo, que é um estudo da posse da terra ao controle da mídia, os direitos autorais no cordel e sobre religião e política no Rio Grande do Norte nos anos 30. Muitos temas estão intrinsecamente ligados ao cangaço e o estudo não pode ser limitado. Tem que ser amplo.

OM - O livro "A marcha de Lampião", de Raul Fernandes, filho do prefeito Rodolfo Fernandes, que comandou a defesa de Mossoró em 1927, mostra um Lampião bandoleiro, um bandido comum, absolutamente cruel. O que você acha dessa abordagem?

KD - Dentro do universo do cangaço temos duas vertentes. Até três. Tem o escritor imparcial, tem o que é a favor e tem o que é contra Lampião. Logicamente, sendo filho de Rodolfo Fernandes, Raul não poderia colocá-lo de forma diferente. Tinha que puxar para o lado dele. O fenótipo que ele produz de Lampião não tem nem em fotografia: o de que ele era negro, do cabelo ruim, do beiço virado e da canela lascada. Em fotografias você vê que Lampião não era assim, ele era caboclo e não negro. O livro dele é interessante pelos aspectos da resistência da cidade ao bando do cangaceiro montada pelo seu pai, Rodolfo Fernandes, o grande comandante daquela defesa, que deveria ser venerado pelos mossoroenses. No cemitério, estranhamente, veneram Jararaca, o bandido morto durante a tentativa de invasão. Já o padre Frederico Bezerra Maciel só falta canonizar Lampião. É absolutamente a favor do cangaceiro e da sua história. Temos que ter equilíbrio e isenção. Temos que ver o aspecto histórico para não passarmos informações deturpadas para as novas gerações. Não queremos transformá-lo em herói e tampouco em bandido ao extremo. Nem em santo, nem diabo. É preciso lembrar que o cangaço foi um produto de uma época.
OM - Voltando ao Simpósio do Cangaço, o resultado foi bom?

KD - Se levarmos em consideração que a abertura do evento aconteceu no dia da abertura da Copa do Mundo e tínhamos um auditório com mais de 200 pessoas assistindo a palestra sobre coronelismo, posso dizer que o resultado foi muito positivo. Durante todo o dia foi muito concorrido. Íamos encerrar às 17 horas, mas somente conseguimos às 18 horas porque até aquela hora tinha pessoas debatendo, questionando os assuntos tratados.

OM - Você, que é considerado um dos maiores estudiosos do cangaço no Nordeste e talvez até mesmo no Brasil, possui algum site que divulgue o resultado de suas pesquisas?

KD - Eu assumi a presidência da Sociedade Brasileira de Estudo do Cangaço (SBEC) há dois anos. Nesse momento estamos montando um site para divulgação de artigos e resultados de estudos. Atualmente passo por e-mail para algumas listas as informações que recebemos. A Internet tem ajudado muito. Divulgo os trabalhos com o apoio da empresa onde trabalho (Petrobras) e os que quiserem entrar em contato podem escrever para kydelmir@petrobras.com.br . Em dezembro o site estará pronto.

OM - O espetáculo "Chuva de Bala" retrata bem a resistência da cidade ao bando de Lampião?

KD - Na palestra que fiz sobre a influência do cangaço no teatro, na cultura, falei justamente sobre o Chuva de Bala, que começou no átrio da Igreja São Vicente e que muita gente chama de Capela de Lampião (risos). No começo a encenação era mais realista, mas sempre seguiu uma linha histórica. Depois, veio um diretor "global". Aliás, esse nome global está se tornando uma peste. Para ser alguém, tem que ser da Globo, para ser bom, tem que ser da Globo. Depois, chegou João Marcelino e mostrou que é muito capaz, que faz um excelente trabalho, sem ser da Globo, pois o global Abujamra literalmente estuprou a história da resistência a Lampião. Foi um estupro a história e aos resistentes. Depois, João Marcelino pegou o texto e fez uma coisa mais aproximada da história, mais realista. Tanto, que os atores mais aplaudidos foram os que representaram a resistência. Depois, nos anos seguintes, passou-se a fazer a coisa mais "hollywodiana" e os atores que representaram os cangaceiros foram mais aplaudidos do que os da resistência.

OM - Outro dia o poeta Caio Muniz falou sobre as estátuas que enfeitam o espaço Arte da Terra. Dizia que os resistentes eram esquecidos, em detrimento aos cangaceiros...

KD - Realmente. Quando a gente pensa em Rodolfo Fernandes, em homenageá-lo, termina por ver esses contrastes. Por exemplo, na praça Rodolfo Fernandes não tem mais o seu busto, que existia na década de 70. Fizeram inúmeras reformas na praça e terminaram por tirar o busto do homenageado que era para estar ali. Nós que fazemos a SBEC procuramos dar ênfase aos resistentes. Sempre trabalhamos nessa linha. Jamais fizemos nenhum evento que enaltecesse o nome dos cangaceiros. Nunca fizemos um seminário que dissesse: O ataque de Lampião a Mossoró. Sempre ligamos preferencialmente o nome dos resistentes. No ano passado, por exemplo, no Chuva de Bala, exageraram tanto na dança, no palco, em Lampião, que só faltou cangaceiro dançando balé no palco. Tanto que quando terminou o espetáculo, João Marcelino me perguntou se eu tinha gostado e eu respondi: no ano que vem não precisa contratar ninguém, basta trazer Gal Costa para cantar "Chuva de Bala que cai sem parar..." (risos).

Em 2008.

http://lentescangaceiras.blogspot.com/2008/07/entrevista-kydelmir-dantas.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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