Por Yuno Silva - Repórter
A imagem de Maria Bonita combatendo de igual para igual ao lado de Lampião pode
não passar de ficção. Coisa de cinema. “Nos filmes vemos as mulheres do cangaço
pegando em armas e guerreando, quando, na realidade, desempenhavam o papel de
amantes. Eram a elite do bando: ficavam nos acampamentos e não tinham que se
preocupar em fazer a comida ou lavar roupa. Passavam o tempo bordando a
estética do cangaço”, defende Geraldo Maia do Nascimento, economista de
formação, escritor e pesquisador da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço
sediada em Mossoró.
A tese de Geraldo, exposta no livro “Amantes Guerreiras” (Sebo Vermelho
Edições, R$ 30), busca embasamento em relatos reais de ex-cangaceiras,
depoimentos somados a muita pesquisa e testemunhos de parentes e pessoas que
viveram o período.
“Estou envolvido nesses estudos há mais de 15 anos, gravando entrevistas,
consultando outros livros e cruzando informações. Conversei com a ex-cangaceira
Sila (1919-2005), quando ela esteve aqui em Mossoró. Ela foi esposa de Zé
Sereno, era confidente de Maria Bonita, e confirmou tudo o que está no livro”,
garante o pesquisador, que também coletou depoimentos de senhoras, com idade
entre 98 e 105 anos, em Paulo Afonso (BA).
“Amantes Guerreiras” será um dos três lançamentos que o Sebo Vermelho promove
durante a programação do Festival Literário da Pipa – Flipipa, que acontece
entre 6 e 8 de agosto na famosa praia do litoral Sul.
Os outros dois títulos são o inédito “A Ressuscitada”, de Francisco Galvão, que
trata da presença holandesa no litoral sul do RN e das atividades da família
Albuquerque Maranhão em Canguaretama; e uma reedição de “Memória Viva de Chico
Antônio”, do professor Carlos Lira, que chegou a ser lançado em 2003 pela
EDUFRN mas está esgotado. O livro sobre o coquista foi ampliado com fotos mais
texto de apresentação assinado por Mário de Andrade, originalmente publicado em
1929 no jornal A República.
Passado desconhecido
“Amantes Guerreiras” é dividida em duas partes: na primeira metade Geraldo traz
toda a história sobre o papel da mulher no cangaço, enquanto na segunda
apresenta perfis (muitos com fotos) de 95 mulheres que se envolveram com o
cangaço entre 1930 e 1940. “O livro está mais focado no período de Lampião, com
a entrada de Maria Bonita”.
A publicação é desdobramento de uma palestra sobre o papel da mulher no
cangaço, e teve uma primeira edição resumida, já esgotada, que saiu em 2001
pela Coleção Mossoroense (Fundação Vingt-Un Rosado), com 25 perfis.
Obviamente as cangaceiras não eram dondocas, fazer parte do bando e viver de
forma nômade no meio de constantes conflitos não era para qualquer uma. Tinham
que ser guerreiras, apesar de poupadas na hora de encarar a frente de batalha.
Sem falar que não havia lugar para solteiras nem viúvas: se o companheiro
morresse em batalha, não tinham tempo de chorar a perda. “Tinham logo que
escolher um outro marido para permanecer no grupo”, disse Maia.
O pesquisador ressalta que as ex-cangaceiras passaram muitos anos, décadas,
escondendo essas histórias. “Nem a família conhecia o passado dessas mulheres,
muitos filhos e netos ficaram sabendo no leito de morte delas. Demorou muito
até perderem o medo de serem presas, apesar do Governo ter anistiado todos do
cangaço na época, por isso muita coisa se perdeu e há muito o que se descobrir
ainda”.
Pesquisa permanente
Geraldo Maia do Nascimento contou que os membros da Sociedade Brasileira de
Estudos do Cangaço estão sempre viajando, em busca de alguém ainda vivo: “Um
policial que participou de alguma volante, um coronel, um ex-cangaceiro”. Ele
disse que muitos cangaceiros que escaparam foram morar no Sul e Sudeste,
principalmente em São Paulo, onde o dentista, escritor e pesquisador Antônio
Amaury Corrêa de Araújo fez o primeiro levantamento sobre o papel das mulheres
no cangaço.
“Amaury foi pioneiro no tema, publicou ‘Lampião - As mulheres e o cangaço’
(Traço Editora, 2012), teve contato com uma ex-cangaceira e conseguiu chegar a
outras. Foi uma das minhas fontes, e fiz questão de incluir todas as
referências no livro para não deixar dúvidas”, finaliza Maia.
http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/as-amantes-do-cangaa-o/319989
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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