Por: Nilo Sérgio Pinheiro
O cangaceiro Mariano - lampiaoaceso.blogspot.com
Desde o princípio dos anos trinta era comum existiram tropas legais ou ilegais a procura de cangaceiros para matá-los e ficar com o que eles possuíam, já que era do conhecimento público, o tesouro que eles carregavam e que viviam ostentando por onde passavam, especialmente em tempos de festas, com doações generosas às igrejas e à população mais do que carente, na miséria mesmo. Geralmente quem matasse cangaceiros e conseguisse ficar com tudo que eles tivessem já poderia pensar numa aposentadoria confortável. Em Pernambuco, destacaram-se os nazarenos, que roubavam sem distinção ou escolha, tratando-se de fazendeiro, citadino ou cangaceiro.
Quem aparecesse pelo caminho era morto ou assaltado. Na Bahia, a tropa liderada pelo tenente José Rufino, vivia sonhando em pegar um cangaceiro privilegiado, isso aos olhos da macacada fardada era uma verdadeira fortuna perambulando pelos sertões nordestinos. Tenente Rufino era um policial ao gosto do governo baiano, cruel, sem remorsos e odiava a popularidade que cangaceiros tinham, angariando tudo o que fosse de simpatia e amizade. Sua coleção de cabeças era bastante extensa ao ponto da imprensa baiana perguntar se com tantas cabeças cortadas o tenente não poderia deixar algumas penduradas em cada poste da cidade de Salvador. Pelas contas do tenente José Refino ele teria decapitado cerca de quatrocentos e quarenta e oito cangaceiros nos Estados de Sergipe, Alagoas, Bahia e Pernambuco, isso num período de dezoito anos de uma perseguição tresloucada e quase desnecessária.
Somando que cada cangaceiro levava consigo uma pequena fortuna em ouro, brilhante e dinheiro, Rufino já poderia ser um homem bastante rico. O policial que liderava uma volante com cerca de sessenta e oito soldados, iniciou a sua peregrinação no começo dos anos vinte, quando pela primeira vez conseguiu cercar um grupo de vinte e oito cangaceiros liderados pelo conhecido Quinta Feira, no interior de Sergipe. Naquele tempo, ainda não havia o acordo realizado pelos governadores que facilitou a entrada de volantes nos Estados da região que bem entendesse. Quinta Feira às duras penas conseguiu safar-se juntamente com Navalha. Mas o restante do grupo foi degolado por Rufino, que não deixou ninguém prá contar história. Logo depois se soube que a volante de Rufino foi reforçada com adesão de trinta e oito novos recrutas, todos enfeitiçados pela fortuna que o tenente deu de presente ao secretário de segurança da Bahia. No Estado de Sergipe os cangaceiros viviam deitando e rolando, participando de tudo que fosse de festa, homenagens, desfiles e procissão, eram os ídolos aclamados dos sergipanos.
José Rufino tinha todas as informações sobre as regalias dos bandoleiros errantes naquele pequeno Estado. Entrar ali com sua volante simplesmente não dava. Teria que se vestir como cangaceiro fosse. E assim foi feito. Por onde passava a população pensando tratar-se dos comandados de Lampião lhes rendia homenagens, oferecendo tudo o que fosse possível. Foi durante esse período que apareceu um jovem cangaceiro chamado Mariano Laurindo Granja, filho de um fazendeiro, com uma formação diferenciada, que tinha entrado no cangaço por razões idênticas a que levaram quase todos a viver como bandoleiros. Queria pegar os cinco policiais que tinham estuprado suas três irmãs.
Naquela época a polícia militar de quase todos os Estados nordestinos era formada, diferentemente de hoje, por gente da pior espécie. Qualquer um, independentemente de sua formação, podia dar baixa como policial militar, chegando até mesmo ao ponto de a própria polícia desconhecer a origem e o próprio nome daquele que queria sentar praça. E muitos entraram na polícia porque não tinham as mínimas condições de se tornar cangaceiros, já que tinham sido barrados por suas péssimas condutas ou sendo famigerados criminosos. Quando esses rejeitados se tornavam policiais e se juntavam às volantes devotavam um terrível ódio aos cangaceiros. Mariano entrou inicialmente no grupo comandado por Quinta Feira, tempo depois se separou criando seu próprio grupo, perfazendo um universo de doze grupos que viviam no Estado de Sergipe.
Sua fama desde começo no comando do grupo de vinte três cangaceiros foi crescendo, lhe proporcionando vantagens às mais diversas. Cidades, povoados, fazendas, engenhos e vilelas, por onde andava era recebido com galhardia e consideração.
Seu lugar tenente Zepelim era seu fiel escudeiro capaz de dar à sua vida sempre que o momento o colocasse em perigo. Galante e extrovertido, era sempre admirado pelas jovens interioranas que se encantavam com o seu porte atlético, com uma altura muito além da normal do homem sertanejo. Tinha o costume de em solenidades festivas vestir-se a caráter, com uma roupa impecável cheia de adereços chamativos, diferentemente daquelas que usava em combate.
Seu cavalo preto de nome azulão, sempre nessas ocasiões era enfeitado com alfaias cheias de prata e sela incrustada em ouro. Seu fuzil bastante ornamentado era o que de melhor tinha como armamento de última geração, podendo suportar sucessivos tiros em um longo período de combate. Era considerado um juiz para todas as ocasiões, e gostava de resolver inúmeros embates e conflitos conjugais. Certa vez enamorou-se de uma jovem e ela queria de qualquer maneira se juntar ao grupo, e virar cangaceira. Não podendo levar a jovem consigo prometeu buscá-la assim que houvesse oportunidade, deixando-a na esperança dessa busca. Passado algum tempo Mariano soube que José Rufino descobrindo que ela era namorada de cangaceiro, torturou a moça para que ela dissesse onde estava o seu namorado.
O pai dela inconformado e obstaculizado teve um ataque do coração e morreu. Em decorrência disso, a moça com desgosto pelo passamento do pai, também morreu. Mariano ficou enlouquecido, e a partir daquele momento, prometeu perseguir Rufino até as portas do inferno. Ai começava o ódio de Mariano pelo tenente José Rufino. Inúmeras volantes perambulavam por todo o Nordeste, a procura de cangaceiros, esquecidas de que também tinham a obrigação de perseguir a bandidagem propriamente dita e os criminosos de aluguel que infestavam a região. Agora, tudo o que fosse de bandido andava vestido de cangaceiro, aumentando ainda mais a fama de criminosos e ladrões contumazes que eles nunca conseguiram desvencilhar. Rufino não parava de cortar cabeças dos cangaceiros que aprisionava. Mariano, apreciador de um bom romance, carregava com ele alguns livros que presenteava as jovens que às vezes ficavam interessadas. Escuro, mas com uma aparência, de branco bem nutrido, vivia fazendo justiça em lugares esquecidos e abandonados dos sertões nordestinos. Carregava consigo uma palmatória, com a finalidade de dar bolos nas mulheres que traíssem seus maridos, que abandonados lhe pediam ajuda para recolocar nos trilhos as ingratas que fugiam com outro homem e do juramento matrimonial. Houve um determinado dia que um marido o procurou desesperadamente porque a sua mulher o tinha abandonado, enfeitiçada por outro homem, deixando também os seus três filhos pequenos, chorando. Procurando tomar pé da situação soube que a mulher do infeliz tinha lhe trocado por um mascate que vivia pelos sertões nordestinos vendendo tudo o que fosse de bugiganga.
Descobrindo o paradeiro da traidora mulher e do mascate gavião, Mariano soube que ele além de destruidor de matrimônio, ele era casado e tinha uma grande quantidade de filhos. Em vez de dar bolos na ingrata rainha do lar, o cangaceiro aplicou dez bolos em cada mão do mascate. Após promover a devida justiça divina, levou de volta a mulher, fazendo, ela prometer que nunca mais pensaria em homem algum a não ser em seu próprio marido e nos pequeninos inocentes que choravam a ausência da mãe. Havia também outro cangaceiro conhecido como Baiano que tinha a fama de justiceiro, ferrando no rosto qualquer mulher que traísse o marido. Para eles isso era um crime sem perdão, e seguia criteriosamente os mandamentos bíblicos. Mariano era festeiro e andava encima do seu cavalo azulão bem vestido, e geralmente perfumado.
Seu grupo era seguido por inúmeros cachorros, que partiam com ele ao perceber a sua bondade em lhes dar alimentos assim que chegava e vendo que eles perambulavam pelas ruas esfomeados. Em todos os lugares que passava sempre era coberto de presentes, entre os quais muitas jóias raras talvez como pagamento pela proteção prometida. Mariano, ao contrário da polícia, sempre que encontrava criminosos que tinham realizado desatinos como assalto e outros crimes graves, fuzilava-os, limpando a região infestada de bandidos. Conta à história que também fuzilou o pai de um soldado acusado de vários crimes. Esse soldado jurou matá-lo na primeira oportunidade. Talvez em todo o cangaço não houvesse quem mais mostrasse riqueza do que o infeliz Mariano. Por isso foi aconselhado a ser mais discreto, não procurando mostrar o que possuía. Mas ao contrário, ofertava robustas somas as igrejas que ele encontrava vivendo pior do que a vida miserável de franciscano. Desde o começo de sua carreira no cangaço, deixou de participar de ataques contra cidades que prometiam resistência, e que também proibiam a entrada de cangaceiro. Quando os cangaceiros queriam entrar numa cidade geralmente os chefes desses subgrupos mandavam um bilhete para saber como seriam recebidos. Muitas localidades e povoados lhes abriam às portas, outras prometiam mandar balas caso insistisse na visita, o que de fato acontecia. Mariano ainda não sabia que havia inúmeras volantes a sua procura em busca de sua cabeça e da riqueza que carregava. Avisado, entregou parte de seu tesouro a um sacerdote de uma importante cidade sergipana, que tempo depois entregou tudo a um irmão do cangaceiro de nome Juvenal, quando ele foi morto. Mariano vivia percorrendo todo o sertão sergipano e alagoano, como se fosse o paladino da justiça, combatendo tudo o que fosse de coisa ruim.
A Pedofilia e o crime de estupro ele considerava inconcebíveis. Assentou o punhal em vários criminosos que aliciavam crianças e tinham tido relações sexuais a força com jovens donzelas ou mulheres casadas. Quanto aos homossexuais tinha um respeito enorme por achá-los frágeis e dignos do maior respeito, proibindo qualquer tipo de gracejos com àqueles a quem denominava criaturas esquecidas por Deus. Mariano teve um dia à oportunidade de provar a sua conduta em relação a esse grupo de pessoas. Certa vez chegou um rapaz lhe procurando dizendo que sua família o tinha expulsado de casa.
Cheio de gestos diferenciados Mariano logo desconfiou o porquê dos motivos. Ouvindo atentamente as suas argumentações, decidiu ir até a sua residência conversar com a sua família. Quando chegou às proximidades da casa, pediu o rapaz que esperasse enquanto ele se entendesse com os seus parentes. Entrando, disse para todos que “pelo caminho tinha encontrado um jovem que passava chorando, procurou saber os motivos, e ele contou que a sua família o tinha mandado embora por ter se tornado uma coisa condenável. Retrucando disse – vou até a sua casa e mato todo mundo. Apavorado, o rapaz disse que não matasse a sua família, pois o único que deveria morrer era ele. E não queria que os seus não fossem assassinados simplesmente por tê-lo expulsado de casa. Foi então que ele acrescentou, agora vou matá-lo aqui mesmo, e o jovem ajoelhou-se e começou a rezar para que Deus protegesse os pais e seus irmãos.
E Mariano para espanto de todos, finalizou, e o matei ali mesmo”, o que fez toda família desabar aos prantos, movida pelo remorso. Para surpresa de todos, Mariano mandou buscar o jovem que foi abraçado e chamado de volta ao convívio familiar. Assim era o cangaceiro Mariano Laurindo Granja. Quando uma vez reunido com o alto comando do cangaço, em Águas Belas, recebeu de Lampião uma repreensão de “a qualquer momento poderia ter a cabeça cortada se não atendesse as recomendações da previdência e da cautela no sentido máximo de sua segurança pessoal e a de seus comandados”.
Lampião também recomendou que os cangaceiros, embora vaidosos, não poderiam andar feito Oxossi em dia de festa. Pediu que quando participasse de alguma comemoração procurasse sempre andar vestido de modo que não mais chamasse à atenção de ninguém. O que fosse de jóias e prata teria que esconder com alguém de confiança. Mariano partiu sem saber que aquela seria a última vez que via Lampião. Depois de muitas andanças pelos sertões nordestinos, Mariano achou por bem fazer uma visita a Pai Velho em Porto da Folha, no Estado de Sergipe, um curandeiro muito procurado e respeitado pelos cangaceiros.
Na verdade, Pai Velho, já tinha salvado da morte até soldados carregados entre a vida e a morte pelas volantes à sua procura. Deixando sua tropa em Garuru, povoado próximo, foi somente com Pavão visitar o curandeiro. José Rufino foi informado dessa visita, armou uma emboscada. Mariano acompanhado de apenas um homem, não tinha nenhuma chance. Assim que chegou foi fuzilado juntamente com pavão. Para completar o selvagem ato, Rufino também fuzilou Pai Velho, deixando o sertão sergipano sem o famoso curandeiro. O que Mariano levava de tesouro assombrou não apenas o tenente José Rufino, mas toda coluna que exigiu do comandante a divisão quantitativa daquela riqueza. Como sempre, ele dizia que aquilo pertencia ao governo baiano.
Cortou as cabeças de Mariano, Pavão e Pai Velho. Depois descobriu que tinha cometido um terrível engano, matando um curandeiro importante. Para cortar a cabeça de Mariano Rufino foi obrigado a matar quatro cachorros que não deixavam que ninguém chegasse perto do cadáver do cangaceiro. Era 10 de outubro de l936.
http://www.conexaopenedo.com.br/2013/06/artigo-a-vida-e-a-fortuna-do-exibicionista-cangaceiro-mariano-laurindo-granja/
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