Por José Mendes Pereira
A história que
segue é uma das muitas que aconteceram em Mossoró, e que esta, jamais foi escrita.
Os personagens da história eu não usarei os seus verdadeiros nomes, dando-lhes
nomes criados.
Cristino Souto
era um homem ainda novo, e residiu por muitos anos em frente à linha de trem,
no Alto da Conceição. Possuía um barracão, como era chamado nos velhos tempos,
sendo este, localizado entre a casa de uma irmã, a Cacilda, e do outro lado, morava o viúvo Fragoso, o seu honrado pai.
Cristino só
comprava mercadorias com datas marcadas para pagar, mas não vendia fiado nem ao
seu próprio pai. Quem compra fiado e vende a dinheiro, com certeza, acumulará
riquezas. E assim o Cristino tornou-se um dos maiores comerciantes de cereais
do bairro.
Mas o Cristino
a tempo que vinha notando que alguém estava lhe roubado. A única pessoa que lhe
dava uma mãozinha era o Geraldo, filho da irmã, a Cacilda, um jovem de vinte e
poucos anos. Desconfiado, resolveu acusá-lo pelos desaparecimentos de algumas
mercadorias, inclusive maços de cigarros: “Eldorado”, “Continental”, etc.
Antes, já havia
participado ao pai, que o Geraldo estava carregando algumas de suas mercadorias.
O pai, honestíssimo, achava que o Cristino não deveria acusar o seu neto, para
não enodoar a sua generosa família, aconselhando-o que o deixasse lá, e não
participasse a ninguém que isto estava se passando em seu barracão,
principalmente, tendo como acusado, o seu próprio sobrinho. Mas o Cristino não
obedeceu ao pai, e dias depois, levou o assunto aos fofoqueiros e ao próprio
Geraldo sobre a sua desonestidade.
Assim que falou sobre a sua desonestidade o Geraldo caiu em pranto, dizendo-lhe que jamais havia tirado algo do seu comércio. Mas Cristino manteve firme a acusação. Se não entrava outra pessoa em seu barracão, a não serem eles dois, e ele, como dono, não iria roubar a si mesmo, então o Geraldo andava carregando as suas mercadorias.
Sabendo que
toda vizinhança já era conhecedora desta acusação, Geraldo resolveu arquitetar
um suicídio, na tentativa de pressionar o seu tio a voltar atrás, e com isso,
ele, talvez, iria informar aos seus vizinhos e fregueses que, o que dissera
contra ele, tinha sido uma simples brincadeira.
Em sua casa,
Geraldo guardava uma porção de pesos, que antes era usada em uma balança
"romana" pelo comerciante. Mas com o lançamento de balanças modernas,
Cristino adquiriu uma Filizola, e resolveu aposentar a "romana",
guardando-a juntamente com os pesos na casa do Geraldo.
Nesse dia,
Geraldo esperou que a mãe saísse para o trabalho, e assim que ela se dirigiu à
Fitema (fábrica de tecelagem onde a Cacilda trabalhava em Mossoró), ele deu
início ao seu plano. Juntou de dez a doze pesos de cinco quilos, inquiriu uns
aos outros com arame, formando um total de cinquenta ou sessenta quilos.
Em sua casa, um brabo, ou um gato, como é conhecido pelos construtores (linha que sustenta a mão, a qual recebe a terça de uma casa), Geraldo, com todo esforço, através de um carretel, suspendeu o grupo de pesos, agasalhando-o sobre o gato, sendo que este estava amarrado por uma corda, e a outra ponta seria a que iria laçar o seu pescoço. Empurrado os pesos, claro que eles desceriam, e era nesse momento que Geraldo subiria com a corda laçada ao pescoço, e com cuidado, assim que o grupo de pesos descesse, ele seguraria no brabo, evitando um suicídio de verdade.
E pôs-se a
organizar o suicídio. Mas no momento em que o suicida arrumava a corda, ele
bateu no grupo de pesos, despencando de uma só vez. O pior, foi que o Geraldo
estava sobre uma cadeira, sustentando com um dos pés o laço que seria colocado
ao pescoço, e no momento da inesperada descida dos pesos, a corda laçou um dos
pés, arremessando-o para cima, deixando-o de cabeça para baixo.
Como ele não
havia calculado o tamanho da corda que seria necessário para a armadilha, com o
impulso dos pesos, levou a sua perna de vez, montando-a sobre o gato, partindo o
osso ao meio, deixando-a em forma de cabo de estilingue, repuxada pelo seu
próprio peso, e do outro lado do gato, os pesos da balança. Sentindo terríveis
dores, o suicida iniciou desesperados gritos, para que a turma dos piedosos
fossem salvá-lo. Mas no momento, o único que se encontrava no barracão, era o
difamador, e ouvindo a gritaria de alguém, que ele não sabia quem lá estava,
com muito esforço, quebrou a porta da frente para socorrer o homem que gritava.
Assim que ele
entrou e viu o Geraldo dependurado por uma das pernas, em vez de tentar logo
resolver aquele problema, ficou zombando do miserável, dizendo-lhe que nunca
tinha visto um sujeito que queria se suicidar, amarrando a corda na perna, em
vez de colocá-la no pescoço. Geraldo gritava, pedindo-lhe que cortasse logo a
corda, pois havia quebrado a sua perna.
Depois de
tanto zombar do sobrinho, Cristino olhou para cima e viu as pontas de ossos da
perna do Geraldo, e o sangue banhando todo o seu corpo. Vendo-os, aperreou-se,
e arrastou pela faca que estava na cintura, e com uma mão, segurava a corda do
lado do acidentado, e com a outra, cortava a corda. Mas como ele não teve força
para segurar o peso do miserável, assim que a corda se rompeu, Geraldo desceu,
batendo a cabeça ao chão, e o corpo despencou sobre a cabeça, deixando-o
desacordado.
Foi Geraldo
conduzido ao Hospital de Caridade. Dias depois, Geraldo chegou em casa,
faltando lhe uma das penas. O médico que o assistiu, foi o Dr. Duarte Filho, não teve como preservá-la,
pois os nervos, carnes e veias ficaram expostas e irreparáveis.
O mais interessante!
Para reforçar a suspeita do Cristino, assim que o Geraldo foi demitido, os
roubos no seu barracão deixaram de acontecer.
Mas meses
depois, sem a presença de Geraldo no barracão, Cristino sentiu que continuava
sendo roubado. Sem comentar a ninguém, procurou dois policiais, e os levou para
permanecerem algumas noites no barracão, até que prendessem o larápio. Já
faziam cinco dias que os policiais dormiam dentro do barracão, mas ninguém
sabia que lá dentro dois policiais se escondiam.
Nessa noite, lá
pela madrugada, sentiram que alguém estava destelhando a casa. Silenciosamente,
os policiais esperaram pelo suposto larápio. E lentamente, o ladrão foi
retirando as telhas, e em seguida veio descendo, começando pelas pernas, depois
o corpo, e logo desceu, caindo cuidadosamente. Encheu um saco de mercadorias,
amarrou a corda que já estava prontinha no caibro para este fim, pôs-se a
subi-lo. Impaciente, os soldados partiram para cima, e logo o algemaram com as
mãos para trás, deitando-o ao chão com as costas para cima. Confiante que
haviam pegado o ladrão, um foi até a casa do Cristino e comunicou-lhe que o
esperto já estava algemado.
Cristino, ansioso para ver a cara do esperto, foi às presas para conduzi-lo até a
Delegacia de Furtos e Roubos. Quando o levaram para fora do barracão, diante
das luzes das ruas, Cristino ficou passado de vergonha. O ladrão era o seu
próprio pai, que morando parede com parede, vez por outra, roubava o filho por
cima do teto.
O filho ao ver
o pai naquele erro familiar, exclamou:
- Que
vergonha, papai! Que vergonha! Tenho ouvido falar que geralmente filho rouba
pai, chegando até quebrá-lo. Mas pai roubar filho, eu nunca ouvi falar.
Com o passar
dos tempos, Geraldo inconformado com a injusta acusação do tio,
responsabilizando-o pelos furtos que aconteceram no seu barracão, e também
arrependido pelo que havia arquitetado, a tentativa de suicídio, pouco se
alimentava, e lentamente foi atrofiando, atrofiando, chegando a falecer em sua
própria residência.
O Fragoso, pai
do Cristino e avô do Geraldo, desconfiado no meio da vizinhança, resolveu
desaparecer do bairro, e não levou muitos meses para ser encontrado morto, já
nas terras da cidade de Areia Branca. Segundo autópsia, a causa da morte, fora
suicídio.
O Cristino
Souto ficou todo desnorteado com a decepção que passara pelo pai. Envergonhado,
dedicou-se ao álcool. Vivia bêbado dentro do seu barracão. Não cumpria mais com
os seus compromissos, e o barracão foi fracassando, fracassando, chegando a
fechar as portas.
Cristino Souto morreu de cirrose hepática, de tanto beber, causada pelo desgosto.
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