Seguidores

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Poeta Rogério Dias

Rogério Dias
rogerio_dias

Nascido aos 23 de outubro de 1943, no município de Martins-RN, de onde veio para Mossoró em maio de 1954 juntamente com os pais Osmídio Xavier da Fonseca e Tertulina Dias Xavier, além de uma numerosa prole de dezesseis irmãos, o entrevistado de hoje no caderno Universo é o publicitário, artista plástico, serígrafo e poeta José Rogério Dias Xavier, que se destaca como uma das mais atuantes e significativas personalidades que integram o meio sócio-cultural mossoroense. Nesta entrevista que gravamos numa das mesas do bar e espaço cultural Chap-Chap, de sua propriedade, Rogério Dias narra a sua trajetória profissional e artística ao longo desses quase cinqüenta anos em que reside em Mossoró. Entre outros assuntos, ele fala dos seus começos no ramo da publicidade, da motivação quase hereditária para as questões da arte e das muitas histórias e lembranças do seu Chap-Chap, reinaugurado semana passada com incontestável sucesso.   

Por MARCOS FERREIRA — Foto: Luciano Lellys

O MOSSOROENSE – Onde e quando você nasceu?  

ROGÉRIO DIAS – Eu nasci no município potiguar de Martins, aos 23 de outubro de 1943, filho de Osmídio Xavier da Fonseca e de Tertulina Dias Xavier. Sou o primogênito de uma prole de dezesseis irmãos. Vim para Mossoró em maio de 1954, em companhia dos meus pais e irmãos.
]
OM – Chegando a Mossoró, qual foi a sua primeira experiência de trabalho?     

RD – Minha primeira oportunidade de trabalho foi mesmo junto à família. Meu pai alugou uma torrefação de café e, juntamente com outros irmãos, eu ajudava na mão-de-obra do negócio. Além de café, a gente também comerciava com fubá de milho, mucunzá e colorau.

OM – Como foi a sua passagem para o ramo de serigrafia?     

RD – Aconteceu no ano de 1963, há exatos quarenta anos. Após haver passado por outros trabalhos provisórios, eu fui a Recife e comprei o material necessário para iniciar-me no ramo de serigrafia. Abracei essa empreitada sob o estímulo e a orientação de pessoas que conheci de Campina Grande. Aqui, essas pessoas instalaram uma filial da Flamo Norte, empresa que fabricava flâmulas, adesivos e outros artigos do gênero, uma das pioneiras em serigrafia do Nordeste. Foi com esse pessoal que aprendi a lidar com a arte serigráfica, especialmente orientado por Hélio Borges, homem inteligente e amigo de quem tenho muitas saudades.  

OM – Além de sua atividade profissional, você também se destaca como uma das figuras mais atuantes do meio cultural mossoroense. Como se deu esse seu encontro com a arte?     

RD – Minha história com a área artística vem desde criança. Começou logo com minha mãe, que também era artística plástica.

OM – Além de você, que também é conhecido como publicitário e poeta, algum outro irmão seu se interessou por essa área?

RD – Meus irmãos todos sempre foram muito sensíveis ao trabalho artístico. E alguns se dedicaram de maneira mais séria a essa questão, como é o caso de minha irmã Socorro, que chegou até mesmo a fazer um curso no Liceu de Artes de São Paulo, onde se aprimorou na área de pintura em cerâmica.  

OM – E como surgiu em Mossoró a escola de datilografia chamada Dat Rápida, que durante vários anos ajudou na formação profissional de muitos mossoroenses?   

RD – A Dat Rápida surgiu praticamente ao mesmo tempo em que iniciei como o trabalho de serigrafia, no ano de 1971. Ela não foi exatamente fundada por mim. Eu criei esse nome e fiz toda a publicidade, mas ela foi idéia mesmo de minha irmã Socorro. Ela fundou a escola e eu ajudei a consolidar o negócio. Depois, a minha família foi embora para Natal e eu assumi o comando da escola em Mossoró.     

OM – E quanto à sua atividade na área de publicidade, como aconteceu?

RD – Meu exercício como publicitário começou de maneira muito simples e informal. Não foi uma coisa assim que eu tenha programado como alguém que se empenha para cursar um determinado curso de universidade, para ser um advogado ou um jornalista, por exemplo. Comecei meio que por acaso. Houve umas poucas ocasiões em que algumas pessoas me pediam uma opinião, uma sugestão ou idéia para a elaboração de um cartaz, de uma faixa de rua, um nome para alguma casa de comércio, e daí eu fui reparando na minha inclinação para esse tipo de trabalho. Mas tudo se deu mesmo sem cálculo e sem um prévio planejamento. Quando vim ver, eu estava no ramo da publicidade.

OM – E após essa fase de descobrimento para o campo publicitário, especialmente como um autodidata, você buscou algum tipo mais de aprendizado, de aprimoramento?

RD – Busquei, sim. Além de ter procurado adquirir todo tipo de literatura possível sobre o assunto, de conhecimentos e experiências participando de cursos, palestras, seminários, et cetera, no ano de 1979 eu fundei, juntamente com meu irmão Ivanaldo Xavier e o amigo Nelson Rebouças, uma das primeiras agências de publicidade de Mossoró, que foi a Auge Publicidade.

OM – E essa agência ainda existe?

RD – Existe, embora realmente como empresa ela esteja inativa. Mas todo ano nós declaramos o Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), imposto de renda e essa coisa toda. E só está hoje em estado de hibernação por conta que depois Nelson foi embora pra Natal, Ivanaldo saiu e eu fiquei sozinho para tocar a empresa adiante. Então, foi preciso desativar a Auge Publicidade, embora, como lhe disse antes, ela esteja regularizada para voltar à ativa em qualquer tempo. Foi nesse momento que abri meu escritório e passei a trabalhar sozinho.   

OM – Cite alguns trabalhos nesse ramo de publicidade que tenham a sua assinatura.

RD – Ao longo desses mais de vinte anos que atuo como publicitário, são muitos os trabalhos que realizei entre os mais variados gêneros e assuntos. Criei algumas logomarcas importantes dentro do contexto comercial da cidade, como aquelas da livraria Independência, da Casa de Saúde São Camilo de Lellis, F. Souto, Parque Elétrico, Psico Med. Criei também as logomarcas da Rádio Libertadora de Mossoró, da Rádio Princesa do Vale; elaborei a programação visual das duas últimas festas de Santa Luzia, da Casa Arte 2000, com nome e logomarca minha e slogan de Ivanaldo Xavier.

OM – Mudando para o assunto do Chap-Chap, que você reabre agora com tanta expectativa e determinação, como surgiu esse bar e espaço cultural em Mossoró?

RD – O Chap-Chap surgiu a partir de uma necessidade que percebemos em Mossoró de contarmos com um ponto de lazer e de convergência da cultura local. Um ponto onde, além da bebida e das conversas de mesa de bar, existisse também esse intercâmbio da cultura e do meio artístico, um espaço para a literatura, a poesia de cordel, para os violeiros, para a boa música, as artes plásticas, para os poetas e intelectuais, boêmios, amigos e amantes da arte de um modo geral. Até então, havia apenas em Mossoró aqueles bares tradicionais, aonde a pessoa ia apenas pela bebida e o bate-papo, para jogar uma sinuca ou talvez um jogo de cartas, de dados, bozó, enfim, essas coisas tão comuns nesses espaços. E diante disso, eu sempre alimentava o desejo de oferecer a Mossoró um local não apenas alternativo, mas que também fosse o primeiro reservado a esses movimentos artístico-culturais. Foi então que no ano de 1984 surgiu na cidade o nosso barzinho e espaço cultural Chap-Chap. Apareceram umas amigas minhas de Campo Grande que voltavam de uma boa experiência com esse tipo de trabalho lá em São Paulo, onde passaram uma temporada, e aí eu convidei essas amigas, que eram Marilene, Célia e Marlene, a conduzirem comigo esse projeto. A princípio, elas não botaram muita fé no negócio, mas acabaram se encantando pelo cotidiano do Chap-Chap e pela boa repercussão que o ambiente ganhava.  

OM – Durante quanto tempo o Chap-Chap permaneceu funcionando?

RD – Apesar do grande sucesso que fizemos, surgiram também muitas dificuldades e tivemos de fechar o local. Mas ainda resistimos por um tempo muito bom, que foi de 1984 até 1993, num total de quase dez anos de funcionamento.    

OM – Nos dias de hoje, como você avalia as opções que a cidade possui em se tratando de locais com esse perfil cultural?

RD – Como o Chap-Chap foi um espaço concebido com essa principal finalidade de servir à arte e à cultura da cidade, eu vejo que nós influenciamos de maneira muito positiva esse setor comercial de Mossoró. Pois foi a partir do Chap-Chap, pela referência que criamos de lazer e cultura, que vários outros espaços foram abertos, tendo sempre este local como espelho. Gilberto de Sousa e Gilberto Loya vieram a mim e perguntaram se eu me incomodaria se eles abrissem um bar com essas características. Eu disse que não me importaria de maneira alguma. Pelo contrário, eu até ajudei a eles no sentido de sugestões, de idéias e orientações para que o projeto deles fosse consolidado. Então eles abriram o Musical 145, ali onde hoje funciona o Tropelia, quase nos fundos do Museu. Também Andiro Cleiton, filho de Antônio de Castro, veio me dizer de seu interesse em abrir um bar assim em uma casa que ele tinha no Inocoop do Alto de São Manoel. E da mesma forma eu dei meu apoio incentivando-o. Ele abriu o hoje tão conhecido Acapulco’s. Inclusive, aquela cobertura de palha foi uma orientação minha. Depois disso, vieram o Cultura Brasileira, lá no Bom Jardim; o Cheiro Nordestino, no São José; o Ofensiva Lilás, comandado por Telma Gurgel, e vários outros locais sempre tendo como referência o Chap-Chap. Então hoje eu avalio de maneira muito positiva a receptividade do mossoroense para esse tipo de ambiente. Pois dizer que o povo não gosta de cultura e do que é bom, isso é balela. Não são muitos os exemplos que temos hoje em dia, mas a expectativa que tenho é de que o público passe cada vez mais a se interessar por esses locais.

OM – Quer dizer que o Chap-Chap foi o primeiro bar de Mossoró com essas características?

RD – Eu não me lembro de ter existido outro local assim, não. Lembro que numa certa época Tarcísio Gurgel e Zé Gurgel abriram ali próximo onde era a padaria deles o Viet Bar. Era um local onde também existiu um círculo cultural muito bom, embora fosse um espaço muito apertadinho, bem estreito mesmo. Seus freqüentadores eram, na maioria, escritores, poetas, intelectuais, artistas, boêmios, mas o Viet Bar teve uma existência também muito curta. Dessa forma, com exceção do Vit Bar, não lembro de outro local que tenha surgido antes com a semelhança ou o perfil do Chap-Chap em Mossoró.

OM – Agora nos explique o significado ou o porquê do nome ‘Chap-Chap’?

RD – Chap-Chap significa comida em todos os sentidos. É mais ou menos uma espécie de interjeição, de onomatopéia, o som do mastigar. É uma expressão que não consta nos dicionários, mas pode ser entendida dessa forma. Há também outra explicação não-oficial que diz que se trata de uma gíria inventada pelos americanos na época da Segunda Guerra Mundial, quando os oficiais andavam pelo Estado. Algumas pessoas dizem que eles usavam esse tipo de expressão quando estavam num restaurante para indicar que queriam comida. Contam ainda que usavam também quando estavam nos cabarés de Natal e queriam a companhia de alguma mulher daquelas.      

OM – E sobre essa nova fase do Chap-Chap, qual a sua expectativa?

RD – A expectativa é das melhores possíveis. Eu confesso até que, apesar da boa imagem e simpatia em torno do nome do Chap-Chap, eu não esperava que assim de imediato houvesse uma receptividade tão grande. Inauguramos na semana passada com casa cheia e de lá para o cá o movimento tem sido muito satisfatório. Durante esse tempo em que esteve fechado, sempre eu encontrei pessoas que falavam com saudade do local e me davam a sugestão de reabri-lo. Depois que passei a comentar sobre a reabertura do espaço, aí as pessoas me perguntavam: ‘Mas é você mesmo quem vai tomar de conta?, se for outra pessoa não vai ter a mesma significação... Aquilo lá tem a sua cara’, diziam.

OM – Então você relaciona o sucesso do Chap-Chap à sua personalidade?

RD – Naturalmente, existe alguma coisa de minha personalidade aqui dentro que soma para que exista essa boa aceitação dos nossos clientes. Talvez pelo critério com o tipo de música que apresentamos, pelo estilo da decoração do lugar, onde está muito expressa a minha linha como artista plástico, o meu gosto por peças e trabalhos rústicos. Por esses detalhes todos, talvez se explique esse retorno tão rápido de pessoas que conheceram o Chap-Chap e mesmo a presença de gente mais nova que está conhecendo o local agora e já se encantara pelo ambiente. Pois há outros locais onde você chega e encontra muita propaganda, publicidade disso e daquilo. São poucos os locais onde se acha impressa uma decoração exclusiva do dono do ambiente ou mesmo elaborada por um profissional da área. Aqui nós temos muita coisa que representa bem essa atmosfera da arte e da cultura. São telas, artesanato, peças de escultura, objetos indígenas, painéis de poesia, peças de ferro velho que nós damos um tratamento artístico e se tornam obras de arte.

OM – Outra coisa que vem chamando a atenção no Chap-Chap são as tapiocas que estão no seu cardápio, assim como a sua idéia de usar nomes de poetas para distinguir a variedade das tapiocas?

RD – Eu entendo que o cardápio seja também um meio de comunicação. Cada cliente que chega em determinado restaurante, bar ou lanchonete, ele vai, por meio de um cardápio, ler tudo aquilo que o dono da casa deseja comunicar de bom aos que visitam o seu comércio. Então, o que fiz foi usar da maneira mais cultural possível esse tipo de comunicação com o cliente. E como temos uma boa variedade de tapiocas e outras iguarias, resolvi empregar o nome de alguns poetas para distinguir cada um desses pratos. Sem querer arremedar o movimento antropofágico de 1922, acho que esta é também uma boa maneira de consumirmos mais a cultural que está ao nosso alcance.

OM – E quais são os poetas que têm seus nomes no cardápio?

RD – São figuras tanto de expressão nacional e internacional, a exemplo de Álvares de Azevedo, Gonçalves Dias, Luís de Camões, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Florbela Espanca, Fernando Pessoa, Cora Coralina, Augusto dos Anjos, Vinícius de Moraes, Patativa do Assaré, além de nomes da região como Onézimo Maia, Helen Ingersoll, Elizeu Ventania, Valdemar dos Pássaros, entre outros. Fora do gênero poesia, há outros nomes expressivos como Che Guevara, Chico Mendes, Lampião e Maria Bonita, Gandhi e outros mais. Por todo esse cuidado e carinho com que reabrimos o Chap-Chap, acreditamos que os clientes e amigos da casa vão sentir-se muito à vontade em nos visitar.

Extraído de: 
Jornal O mossoroense     

Nenhum comentário:

Postar um comentário