Por: Guilherme Machado
Santo Antonio das Queimadas, Relatos da Prisão do Santo, Sobre Acusação de Corrupção Passiva. Relato da Invasão de Lampião a Pequena Vila de Queimadas no Ano de 1929. Do Escritor Baiano Nonato Marques.
Livro Santo Antonio das Queimadas de Nonato Marques.
Foto do Ex-Poeta Escritor Nonato Marques.
Santo Antonio Padroeiro de Vila de Queimadas! o Réu.
Primeira Igreja de Santo Antonio Das Queimadas.
Lampião e seu Bando em Vila de Pombal Bahia em 1928
Cópia da Identidade do Sargento Evaristo, Único Sobrevivente Militar, da Chacina de Queimadas.
Bela Fotografia da Atriz de Teatro Que Conheceu Lampião nas Ruas de Queimadas.
Santo Antônio no Banco dos Réus
Sobre o assunto, o escritor Lellis Piedade escreveu a crônica que a seguir reproduziremos:
" Nas charnecas do antigo sertão dos Tocós, parte integrante que foi do imensurável feudo do mestre de campo Antônio Guedes de Brito, o Conquistador do S. Francisco, nome famoso nos anaes da Bahia siscentistas, demarca-se o municipio de Santo Antônio das Queimadas.
Quase todo aquele amplíssimo rincão, onde vagueavam outrora os silvícolas que lhe emprestaram o nome, é terra desnuda de arvoredo, escassa de águas perenes, e de solo pouco dadivoso , características naturais estas que anônimo aedo rústico, em era já mui afastada, - começos do século passado, ao menos - sintetizou nesta quadra, que topei na obra: A família Serrinhense do Dr. Antônio José de Araújo:
" Serrinha não serra pau grosso,
Coité não dá selamim,
O Razo não tem fundura,
Queimadas não nasce capim".
Estas quatro vilas compreendiam, antigamente, o aludido sertão, que hoje em maior número de comunas se retalha. E o Razo viu seu nome transmudado para Araci.
Demorei-me em Queimadas, era um dia claro e cálido do mês de agosto, percorrendo todo o modesto vilar. Quanto na terra há, ligado à sua história, esteve-me sob os olhos: o alto da Jacobina, de onde parte velha estrada que à bi-centenária cidade do ouro vai ter; a tapera da antiga povoação, que numa cheia o Itapicuru destruiu em 1910 ou 1911; o sítio onde Moreira César fez torturar um sacerdote espanhol, a quem atribuía o delito de vender pólvora aos jagunços de Antônio Conselheiro; a casa em que esteve aposentado o general Artur Oscar; a ubiquação do hospital de sangue da sua coluna; além de outros lugares vinculados à crônica da tragédia de Canudos.
Por fim, dei comigo no adro da capelinha de Santo Antônio (foto), ao lado do cemitério, construção evidentemente mais que secular, e curiosa, devido a sua alpendrada em arcaria pavimentada de lápides funerárias, que se prolonga pelo oitão do lado da epístola.
Sobre o seu orago, corre no Nordeste Baiano interessante tradição.
Em princípio da centúria passada, ou fins da antecedente, era a fazenda das Queimadas propriedade da piedosa senhora, a qual fabricou a citada capelinha, doando ao seu padroeiro muitas terras, e numerosa escravaria; templo este que foi erigido em paróquia no ano de 1842. Passou hoje tal regalia a outro, edificado no centro da vila.
Ora, aconteceu que, em certa noite de festa, um escravo do santo praticou um crime de morte a tiros de bacamarte, no adro da igreja, escapulindo-se em seguida.
Naquele tempo, se o senhor do escravo criminoso não o entregava à justiça, sofria por ele. Santo Antônio não quis obrar o milagre de fazer o negro cair às unhas dos agentes da lei. Quem sabe lá se o desgraçado merecia?
Vai daí o juiz do termo, e tira devassa do crime, processa o taumaturgo capucho, e saca-lhe a imagem do santuário, conduzindo-a inquirida de cordas, no lombo de um animal, para a prisão da extinta vila de Água Fria, cujas justiças, diga-se de passagem, gozavam então de fama inexplicáveis.
Foi o santo submetido a júri, nessa localidade, ou em Cachoeira, assistindo a imagem aos debates e ao veredictum do tribunal popular, encarapitada no banco dos réus. Os juízes de fato matutos condenaram o bem- aventurado franciscano a perder todos os seus haveres, que foram arrematados por um fazendeiro de Inhambupe.(...)
Fonte: Nonato Marques. Santo Antônio das Queimadas. pag.101/102.
Ao completar cinquenta anos di sanguinário assalto de Lampião à cidade de Queimadas, o Jornalista Oleone Coelho Fontes (foto) - que passou parte da sua adolescência naquela localidade - rememorou o lutuoso fato em reportagem publicada no jornal "A Tarde", de 14 de dezembro de 1977, que abaixo está reproduzido na íntegra.
Na cidade de Queimadas
Ele entrou de supetão
Prendeu todos os soldados
que tinha no Batalhão
Interrompeu telegramas
Fez baile de boas damas
No outro dia, bem cedo
Para quebrar o jejum
Desatou a soldadesca
E sangrou, de um a um
Quando furava sorria
Lambia a faca e dizia
Hum! Um gosto de jerimum*
(*) Antônio Teodoro dos Santos in " Lampião, o Rei do Cangaço".
Texto de Oleone:
22 de dezembro de 1929 é uma data turva e melancólica na história de Queimadas. Naquele domingo, ainda inesquecível na memória de muitos que presenciaram episódios de violência sem par, Lampião, acompanhado de mais 15 cangaceiros, penetrou na pequena vila com uma tranquilidade de quem chega em velho e seguro coito, pegando a população inteiramente desprevenida. Nenhum dos habitantes daquela vila, que umas três dezenas de anos antes, assistira a intenso movimento de tropas oficiais se dirigir a Canudos dali voltando derrotadas, esfarrapadas, mutiladas, famintas e finalmente vitoriosas, acreditava que Virgulino e sua cabroeira tivessem o atrevimento de ali entrar, uma vez que Queimadas se encontrava guarnecida por uma tropa composta de 7 soldados comandado por um sargento.
O ASSALTO
Começou quando um caminhão da antiga Inspetoria Federal de Obras das Secas ( IFOCS, atual DNCOS), chegou à margem do rio Itapicuru trazendo o bando procedente de Cansanção. Aqui os cabras encontraram os irmãos Carlos, Hilário e Irênio Marques. Estes foram imediatamente presos e intimados a providenciar canoas para conduzir os bandoleiros ao outro lado do rio. Chegando à outra margem, o bando deu voz de prisão ao oficial de justiça, Alvarino que ali se encontrava. Este pensara, por seu lado, que os invasores pertenciam à polícia pernambucana. Alvarino foi obrigado a conduzir o grupo até a residência do Juíz preparador, Manoel Hilário do Nascimento.
Ao penetrar na vila o bando dividiu-se em em duas partes: uma dirigiu-se à estação da estrada de ferro e outra se dirigiu em direção ao quartel.
A ala que apoderou da estação prendeu o telegrafista Joaquim Cavalcante e o agente Manuel Evangelista. Cortaram os fios do telégrafo. Em seguida procederam à vistoria das gavetas e bilheteria, tomando 217$700 pertencentes à estrada de ferro "e 40 e tantos mil-réis do agente".
Os bandidos fecharam a estação e ficaram com as chaves. Os dois prisioneiros foram levados para rua sob ameaça de morte. Um dos assaltantes, apontando o fuzil para a rua, intimou-o a lhe dar 500$000 com a condição de este nada contar ao "capitão" (Virgulino), sob pena de aali mesmo ser executado. O telegrafista, no entanto, nada tendo consigo foi, mediante ordem, tomar a importância referida ao Sr. Antônio Araújo (Totonho), sendo solto após a entrega da quantia exigida. O agente, todavia, continuou como prisioneiro a fim de mostrar ao bando as casas dos negociantes, até às 18 h, quando foi mandado para casa sob a condição de não sair dali para lugar nenhum, mesmo se visse que a estação estava em chamas.
A outra ala do grupo, chegando ao quartel encontrou os soldados inteiramnte alheios ao assalto de que estava sendo alvo aquela vila de não mais de 3 mil habitantes, à época. O sargento Evaristo, comandante do destacamento, no instante em que os cangaceiros entraram no quartel descia as escadas, de pijama, com uma toalha no pescoço, para o banho. Alguns historiadores afirmam, entretanto, que ele no momento se achava deitado numa rede, lendo a bíblia, pois era crente da seita Batista. Os soldados jogavam ronda (segundo depoimento de Labareda a Estácio Lima), outros dormiam e o sétimo deles, sobrinho da esposa do sargento Evaristo, se achava na Rua da Bomba (baixo meretrício).
Deusdedith Barbosa de Souza, 76 anos, casado, comerciante, conta que o bando chegou a queimadas por volta das 4h da tarde. (João Muniz Barreto, à época representante comercial e correspondente de jornais da capital, precisa o exato momento como tendo sido às 15h30min.). Tinha então "Seo" Deusdedith, 29 anso de idade e tomava conta de uma casa de comércio de propriedade de seu pai, Hermelino Barbosa de Souza.
- Eram ao todo 16 cangaceiros. Volta Seca não passava de um garotinho de 15 anos de idade.
A população de Queimadas, segundo vários entrevistados, tinha ciência de que o bando de Lampião se encontrava naquela zona. Não imaginavam todavia que ele tivesse a ousadia de surgir naquela vila, já que lá havia um destacamento de 7 soldados e um sargento. De sorte que, quando os facínoras apareceram nas ruas nenhuma reação foi esboçada- da população ou da polícia.
- Eu estava na venda- prossegue "Seo" Deusdedith- na hora em que o grupo passou. Nem tomei conhecimento. Pensei que fosse alguma força das pernambucanas. Na época era comum as forças por aqui passarem, à procura de revoltosos ou em perseguição de cangaceiros vindos da Bahia, de Pernambuco, de Sergipe, deste mundo todo. Pensei comigo: " esta deve ser a força do capitão Macedo". À frente do bando seguia o oficial de justiça (Alvarino), o que reforçou mais a minha idéia de tratar-se da força sob o comando do capitão Macedo. subiram em direção ao quartel. Uns 15 minutos depois fechei a venda e fui para minha casa. Passei pelo grupo. Notei que entre eles havia um soldado. Até então não me passava pela cabeça que estivesse ali a dois passos de mim o " capitão" Virgulino Ferreira da Silva e sua gente. Foi no que encontrei Dona Generosa Crespo e ela me disse: " Deusdedith, aquele é o grupo de Lampião". Ainda assim não acreditei e teimei com ela que não era não, que aquele era a força do Capitão Macedo. Não se acreditava que Lampião tivesse a coragem de invadir um lugar guarnecido por uma força policial.
De sua casa "Seo" Deusdedith garante ter visto com precisão o pulo que o chefe dos bandidos deu para o interior do quartel e bradar para os que ali se encontravam: " É lampião...".
Defronte ao quartel o grupo foi estrategicamente subdividido em duas partes: uma correu para esquina, outra para a esquina contrária. Indagaram pelo carcereiro (de nome Elesbão), que se achava ausente naquele instante. Ordenaram que ele viesse. Tão logo o carcereiro apareceu, o próprio Lampião exigiu que fosse aberta a porta do xadrez e soltos os presos ( 3 ou 4, "Seo" Deusdedith não se lembra com precisão quantos. Sabe que estavam recolhidos por crimes de homicídio). dois dos presos eram ex-soldados que haviam cometido assassinato e estavam aguardando ordem para serem transferidos para a Penitenciária do estado, em Salvador. Labareda, em depoimento a Éstacio de Lima, assegura que " tava preso, incrusive, dois sordado aqui tinha bulido com a fia dum véio, i entonces o véio arrecramô e eles tinha matado u "véio". No lugar dos presos foram trancafiados os soldados do destacamento, depois de devidamente desarmados. Um dos praças, que no momento se achava ausente, quando soube que Lampião havia prendido seus colegas de profissão, veio se entregar.
A CHACINA
Havia uma senhora da nossa sociedade - conta "Seo" Deusdedith - Dona Santinha (Austrialina Teixeira, esposa de Amphilóphio Teixeira) - que usava um trancelim de ouro muito bonito no pescoço. Lampião, entrando em sua casa notou o trancelim de ouro maciço, jóia valiosíssima e fez elogio ao trancelim. Dona Santinha imediatamente retirou a jóia e ofereceu ao capitão Virgulino. Este, aliás muito costesmente, recebeu a jóia, agradeceu e disse: " Dona Santinha, agora a senhora tem o direito de me fazer um pedido, pois dizem que bandido não tem palavra". Ela pediu então que ele poupasse a vida do sargento Evaristo, alegando ser ele um crente da igreja Batista (religião que ela frenquentava), e ajuntou ainda tratar-se de um cidadão direito, honrado, excelente pai de família. Lampião, um tanto contrariado, garantiu a D. Santinha que a vida do sargento seria poupada, acrescentando: " Nunca poupei vida de um 'macaco', mas eu ja disse que a senhora tinha direito aum pedido e vou garantir minha palavra, pois bandido também tem palavra".
O próprio sargento, comandante da tropa, recebeu das mãos do chefe supremo do cangaço, um mosquetão (sem balas), e onde este ia aquele o acompanhava.
Foto: Ponto atravessado por Lampião e seu bando, em 22 de dezembro de 1929.
João Lantyer, segundo à direita, com seu "Ford Bigode" (foto). Na extrema direita, o mecânico Patápio. Foto de 1928. Possuiu-o por pouco tempo. Vendeu-o para atender ao pedido da esposa, que temia que, em suas viagens, fosse novamente abordado por Lampião. Informação de Antonio Lantyer, seu filho, in Chalé Lantyer
Ali, João se encontrava com o mecânico Pedro Patápio realizando consertos no seu "Ford Bigode”. Após breve conversa com Lampião, que solicitou o automóvel para adentrar a cidade no mesmo, informando-o que este se encontrava, como se podia perceber, com defeito, foi deixado para trás. Isto, enquanto o cangaceiro despachava alguns cangaceiros para neutralizar o telégrafo e avançou adentrando a cidade.
O Dr. Manoel Hilário do Nascimento (foto), Juiz Preparador do Termo, estava entretido com alguns amigos, entre os quais o tabelião José Francisco do Nascimento, numa agradável prosa domingueira, quando, de repente, chega o oficial de justiça, Alvarino, preso pelo cós das calças e anuncia, com voz embargada: " Doutor, o Capitão Lampião."
Imediatamente, o Juiz e todos que ali se achavam foram presos.
Ao ver o Juiz, o escrivão, o oficial de justiçae o tabelião, todos negros, Lampião ironizou-:" Que terra desgraçada, toda a justiça é negra". E voltando-se para o Dr. Manoel Hilário, indagou com sarcasmo: "Então você é mesmo doutor?" - Ao que o Juiz respondeu: " Sou, sim senhor. Sou bacharel..."
Lampião prosseguiu na chicana: " Deixe ver suas mãos". Mostradas as palmas das mãos sem um calo sequer, Lampião exclamou: " Que negro bom para uma enxada".
Depois destas e outras humilhações, Lampião, sem perda de tempo, deixou uma guarda tomando conta do juiz e dois dos seus amigos prisioneiros e seguiu para assaltar o quartel.
Fonte: Nonato Marques. Santo Antônio das Queimadas, pag.139)
LAMPIÃO ROUBA, ASSALTA E MATA EM QUEIMADAS 1929.
(Antônio Monteiro)
Quem poderia um dia imaginar que o tão famoso bandoleiro do sertão, tivesse em seus planos de ladrão e homicida, a coragem de invadir Queimadas, uma cidade pacata, mas estratégica, com serviço de telégrafo e trem usual? Pois, invadiu!
LAMPIÃO CHEGA À QUEIMADAS
O Rio Itapicuru estava cheio. João Lantyer, Coletor Federal, irmão de Zulmira, estava na oficina de Pedro do Pataco, quando passava vindo do rio, um grupo de cerca de 18 homens armados, que o deixou confuso, porque o sargento Evaristo, Comandante do Quartel da PM, esperava uma Volante, na qual o Comandante era seu amigo e viria almoçar com ele.
ZULMIRA LANTYER RECONHECE LAMPIÃO
As 10:30 horas do dia 22 de dezembro de 1929, um domingo, em plenos preparativos para os festejos do natal e do ano novo, um grupo de moças, entre elas Zulmira Lantyer (foto), ensaiava em casa uma peça teatral para ser apresentada na noite de natal.
Da janela da casa, umas das moças confunde o bando de cangaceiros com uma Volante. Porém, Zulmira, que conhecia o facínora através de retratos em jornais, o reconhece, e fala para as amigas: - É o bando de Lampião. E, o que vai na frente é o próprio. A jovem Zulmira sai correndo e espalha a notícia da invasão de Lampião na cidade, contudo, o povo, não acredita nela.
DISTRIBUIÇÃO DOS CANGACEIROS
Arteiro, Lampião designou dois cangaceiros para tomarem de assalto a Estação de trem de Queimadas. Na estação cortaram os fios do telégrafo, danificaram o aparelho, roubaram o dinheiro e ficaram de campana.
LAMPIÃO CHEGA AO QUARTEL
Como se conhecesse Queimadas como a palma da mão, com a maior facilidade, Lampião chega ao Quartel da Polícia Militar. O facínora na frente. Sem nenhum escrúpulo o grupo invade o quartel.
Todos os dias - diz seu Nôza - eu ia levar comida para um preso de Itiúba, que era compadre de D. Marocas, minha mãe, quando vi o bando. Dentro do quartel, sentados no último degrau da escada havia dois soldados brincando com umas pedras no piso riscado. O bando fez uma volta no salão e cercou os soldados, que “bateram” continência para Lampião. O cangaceiro – chefe repudiou veemente: - Baixe os braços, macacos! Eu sou o bandido Lampião! Os soldados ficaram paralisados.
Lampião abriu a porta da cadeia e soltou os doze presos (assassinos e ladrões). Inclusive um soldado da PM que havia estuprado uma criança. Em seguida, Lampião utilizando-se de um apito (artifício que o sargento usava para chamar os soldados com urgência ao quartel), fez com que os outros soldados, até mesmo o Sargento Evaristo, voltassem correndo para o quartel, sendo surpreendidos pelos cangaceiros e presos na cadeia.
Na época eram exatamente sete soldados e um sargento. Na porta do quartel, do lado de fora, ficara um cangaceiro com a arma apontada para dentro, em sinal de vigília. Após essas atitudes, Lampião deixou alguns cangaceiros tomando conta do quartel. Com treze “cabras” desceu pela cidade e foi à casa do juiz, Dr. Hilário.
ACERTO COM O JUIZ
Com o Dr. Hilário, Lampião acertou que o mesmo fizesse uma lista de nomes de pessoas influentes e de posses. Imediatamente as intimasse a comparecer com urgência na casa do referido juiz.
Cada pessoa intimada pelo senhor Alvarino, que chegava à casa do juiz, lhe era estipulado uma quantia em dinheiro ou em jóias, para entregar a Lampião. O senhor Francisco Moura (Catita), Escrivão Estadual, responsável pela Coletoria, disse a Lampião que poderia lhe dar quinhentos mil reis, e deu. Desse modo, cada pessoa intimada deu ao cangaceiro a quantia negociada. Totalizando: 22.345$700(vinte e dois contos, trezentos e quarenta e cinco mil e setecentos reis).
LAMPIÃO DECLINA SUA FALSA BONDADE
Quando seu Catita entregou a Lampião os quinhentos mil reis e o coronel Hermelino entregou oitocentos mil reis, Lampião disse ao então Escrivão da Coletoria Estadual, que por aquela importância que lhe era entregue, se a família Moura viesse a sofrer alguma necessidade, tirasse dali o dinheiro que poderia impedir o efeito citado, ficando o total, diante do que afirmara seu Catita.
Lampião, então comentou, que os valores arbitrados foram pelo juiz e não por ele. Disse também: “eu sei que negro só tem juízo pela manhã, mas num dia deste, com bandido na porta em demadrugada, tem. Que daquele dinheiro que estava tomando, poderia ser taxado de ladrão, mas não ficaria com um tostão, porque, utilizaria todo dinheiro para pagar as bala que comprava dos próprios macacos; tanto que as balas do seu bando eram todas do ano de 1930, enquanto as dos macacos eram de 1910 a 1930, que não serviam nem pra matar cachorro”. E exibiu seus cartuchos.
A RAZÃO DE SER BANDIDO
Segundo história narrada por Lampião, na casa do Dr. Juiz Pretor, a causa de sua vida de bandido foi à morte de seus genitores praticada por dois policiais a mando do Cel. Chefe Político. Ainda jovem fora queixar-se da morte dos pais na delegacia de polícia, onde foi barbaramente espancado. Mais tarde, resolveu falar com o juiz, onde após relato de toda história, inclusive do espancamento sofrido, recebeu apenas o conselho de entregar o caso a Deus, pois os políticos eram maus e estavam com o poder, havendo o perigo de ser molestado se fosse mexer com o caso.
Não satisfeito, Lampião resolveu matar o Chefe Político, e logo vendeu tudo o que tinha. Com o dinheiro apurado foi até a fazenda do Coronel e o matou. Mais tarde mandou avisar na cidade seu mal feito e fugiu para bem longe.
A perseguição para prendê-lo foi enorme, até que um dia, em um local muito distante, indo ao povoado, Lampião disse ter visto o seu retrato com uma oferta de duzentos mil reis para quem apresentasse sua cabeça. Neste mesmo dia, quando estava comprando uma fruta, foi abordado por dois soldados que lhe deram ordem de prisão. Mas num lance rápido, tomou a arma de um soldado e atirou no outro, matando-o. Apossando-se das duas armas. No quartel liberou o preso que ia para a penitenciária, sendo este seu primeiro companheiro da jornada de bandido.
Como bandido, o seu propósito era não entregar-se de maneira alguma à polícia, em virtude da liberdade que usavam os criminosos de seus genitores.
O MASSACRE NA PORTA DO QUARTEL
Às 18 horas, Lampião saiu da casa do juiz e voltou ao quartel. No passeio do quartel, em voz alta disse que iria matar todos os macacos. Que as pessoas (civis) se abrigassem em suas casas, atrás de paredes, pois, não gostaria de saber que uma bala do seu bando havia atingido um civil. O Sargento Evaristo pediu que Lampião o livrasse de ver os seus soldados sendo assassinados a sangue frio. Que preferia ser o primeiro a ser morto. Lampião, com muita raiva, mandou que o sargento se afastasse imediatamente do quartel.
CHAMAMENTO PARA A MORTE
Um a um os soldados eram chamados para fora do quartel. Lampião fizera uma espécie de meia lua com seus homens. Aos soldados, ele mandava que os mesmos se abaixassem para tirar a caneleira da botina. Quando o soldado se abaixava Lampião atirava na nuca. Os seus “cabras” iam sangrando os mortos e os colocando na porta da prefeitura, lado a lado.
SOLDADO CORAGEM
Um dos soldados, também com o nome de guerra Evaristo, ao ser chamado para a morte, pela janela do quartel tentou agredir Lampião e foi agarrado por seus “cabras”. Entrou em luta corporal com Volta Seca.
Dominado, mas, denotando muita coragem, diz para Lampião: “ – Você é muito macho com um fuzil e um punhal na mão. Vamos lutar homem a homem com fuzil ou punhal!” Volta Seca pediu a Lampião que queria sangrar o soldado. Com um punhal sangrou o soldado Evaristo e bebeu o sangue. Depois, no passeio onde é hoje a Câmara dos Vereadores, vomitou. E, onde hoje é o Banco do Brasil, vomitou novamente o sangue do soldado.
Cópia do documento de identidade do sargento Evaristo, comandante que sobreviveu ao ataque de Lampião ao quartel de Queimadas- Bahia, em dezembro de 1929.
UM CONDENADO ESCAPOU DA MORTE
Um dos oito militares capturados, apenas o sargento Evaristo Carlos da Costa, comandante do destacamento, escapou. Durante o espaço de tempo que esteve preso, foi obrigado a percorrer as ruas pricinpais, já condenado, acompanhando o grupo, armado de fuzil sem balas, no ombro. A seu lado o perverso cangaceiro Antônio de Engrácia lhe sussurrava nos ouvidos: - Mais tarde o galo vai cantar nos seus ouvidos.
Ouve-se nos bares em Queimadas, que o Sgt PM Evaristo foi obrigado por Lampião a vestir saia, sutiã, blusa de mulher e sapato alto. Desfilar rebolando pelas ruas da cidade, os “cabras”, em volta dele, mangando. Graças, no entanto, ao pedido formulado por D. Santinha, esposa de Amphilóphio Teixeira, escrivão da Coletoria Federal - o que representou exepcionalíssima concessão do rei do cangaço - que o sargento Evaristo escapou.
Ângelo Roque, no mencionado depoimento ao professor Estácio de Lima, confira o fato, dizendo que o sargento, se não fosse à intervenção da moça, igualmente “tinha caído no ferro”. E acrescenta que pensaram que o sargento trabalhava pra eles, o que não passava de grosso equívoco. No processo a que respondeu pesava sobre o sargento a acusação de traição.
O fato extraordinário de o sargento Evaristo haver escapado com vida se deve a uma jóia, sem que o sexto sentido não tenha também contribuído. Conforme umas das versões, o que ocorreu foi o seguinte: Lampião, na companhia de alguns cangaceiros, ao invadir a residência de Amphilóphio Teixeira, observou que sua esposa, D. Santinha, usava um lindíssimo trancelim de ouro no pescoço, tendo para as jóias palavras de elogio e admiração. D. Santinha, farejando o interesse do bandido por seu pingente de ouro, retira e o oferece a Lampião. Este num ímpeto inesperado, do qual amargamente se arrependeria lhe declarou: - A senhora agora tem o direito de me fazer um pedido. Dizem por aí que bandido não tem palavra, mas eu quero mostrar à senhora que bandido também tem palavra.
Naquele momento a vida do sargento foi poupada. D. Santinha pediu por ele, que sua vida fosse preservada, pois tratava-se de cidadão correto, crente, excelente pai de família, homem temente a Deus, religioso e de muito caráter. E continuou a tecer elogios até ser atendida. Notou, todavia, que Lampião ficara constrangido e embaraçado, seguramente por não esperar pedido daquele porte. No entanto, refazendo-se da surpresa, disse: - Nunca poupei vida de macaco, mas eu já disse que à senhora tinha direito a um pedido e vou garantir a minha palavra. Bandido também tem palavra. E se depender de mim o sargento só morre de velho.
Realmente, a profecia aconteceu, e o sargento Evaristo morrreu de velho.
Lampião, depois do massacre, ainda deu um baile no Clube e foi embora com seu bando pela madrugada do dia 23 de dezembro de 1929. Daquele dia trágico na pacata cidade, de cidadãos ordeiros, ninguém esquece. O Quartel, ainda hoje, maio de 2009 é o mesmo. Pessoas, tais como: João de Alice, Joel, Nôza, guardam na memória aquele dia triste, marcado de muito sangue em Queimadas. Dizem que as marcas de sangue dos soldados até o presente momento estão incrustradas no passeio do Quartel.
ALGUMAS AUTORIDADES DA ÉPOCA
1.Intendente: Aristides Simões.
2. Delegado: Durval Marques.
3. Juiz de paz: Pedro Primo.
4. Coletor Federal: João Lantyer.
5. Escrivão da Coletoria Estadual: Francisco de Moura e Silva (pai do Sr. Nôza).
6. Juiz Pretor: Dr.Hilario (um negro).
7. Serventuário da Justiça Estadual: Alvarino.
8. Dr. Sampaio.
9. Antonio Araújo – Banco do Brasil.
10.Waldemar Ferreira – comerciante.
VERDADE OU MENTIRA?
No decorrer do ano de 1960, dizem que Lampião, já sem a indumentária de cangaceiro, esteve em Santa Luz, na casa comercial do Sargento Evaristo. Em 1962, - diz seu Nôza – meu filho, Francisco, em Apipucos-PE, ouviu uma conversa entre dois senhores, onde um afirmava estar Lampião, numa fazenda ali perto. Uma senhora de Queimadas, que viajava sempre pra São Paulo, numa dessas viagens, num trem, em Minas Gerais, encontrou-se com um senhor idoso que disse conhecer muito bem Queimadas, indicando pontos reais. Ao despedir-se, o referido idoso falou que era o cangaceiro Lampião.
O senhor Luiz Soares, juntamente com um amigo, esteve na residência de Lampião, na fazenda Rio Verde em Teófilo Otone, em Minas Gerais, onde conversou com Lampião que estava muito doente. Isso em 1977. O que supomos que o referido cangaceiro, estaria com cem anos. Verdade ou mentira?
A seguir, damos uma relação das quantias arrecadadas, conforme reportagem de João Muniz Barretto, publicada no " O Jornal", de 26/12/1929, diário que se editava na Capital da Bahia. João Muniz Barretto se achava em Queimadas na ocasião, no desempenho de sua atividade de representante de algumas firmas deste e de outros estados.
Foi arrecadada a importância de vinte e dois contos trezentos e cinco mil e setecentos réis (22:345$700), do seguinte modo:
* Waldemar ferreira, representante de Fernandes, Mota & Cia.... ......400$000 e um relógio e cadeia de ouro.
* Francisco Machado Bastos, representante de José Bastos & Cia....400$000 e um par de mostruário.
* Lauro Pomponet, representante de Lopes, C ardoso & Cia............400$000 e uma mala do mostruário.
* Isaac Araújo, representante de Antonio Bacelar e Cia, de Serrinha.400$000
* Estação da Estrada-de Ferro.........................................................217$700
* Telegrafista Joaquim Cavalcanto, tomados a Antônio Araújo...........500$000
* Agente Manoel Evangelista...............................................................45$000
* Antônio Francisco da Silva.............................................................500$000
* Dr. Sampaio................................................................................1:000$000
* Umbelino santana, fora mercadoria...............................................1:000$000
* Hermelino Barbosa......................................................................1:000$000
* Luiz Sant'Anna.............................................................................1:000$000
* Ezequiel Pereira ..........................................................................1:000$000
* Jayme Antônio (coletor estadual)....................................................500$000
* Francisco Moura( Escrivão da coletoria estadual)............................500$000
* Coletoria Federal.........................................................................1:150$000
* Elias Marques.................................................................................500$000
* Manoel Ferreira Silva......................................................................500$000
* Celso Lantyer..................................................................................600$000
* José Lino da Costa..........................................................................500$000
* Antonio Salles..................................................................................550$000
* Antonio Araújo (correspondente do Banco do Brasil)........2:500$000 e animal, arreios, etc...
* Irênio Marques................................................................................200$000
* Bento Coelho de Sousa...................................................................340$000
* Pedro Andrade................................................................................500$000
* Pedro Primo....................................................................................900$000
* Araújo e Oliveira...........................................................................1000$000
do mesmo em mercadorias.................................................................600$000
* Tertuliano Lino................................................................................500$000
* André Martins................................................................................943$000
do mesmo em mercadorias................................................................200$000
Depois da coleta o grupo sinistro se dirigiu para o quartel da força pública para consumar a tragédia.
Fonte: (Nonato Marques. Santo Antonio das Queimadas. pag. 141)
A MATANÇA NO QUARTEL DE QUEIMADAS EM 1929.
Eram 18:30 horas, aproximadamente. Depois de embolsar o dinheiro extorquido, Lampião resolveu liquidar os soldados que estavam presos, o que fez covardemente, com o maior sangue-frio, do lado de fora da cadeia, na calçada de cimento que, por algum tempo, conservou a mancha vermelha do massacre. Foram tirados do xadrez, um a um, e cada qual de per si receberia um tiro de mosquetão na cabeça e era, logo após, sangrado barbaramente.
Lampião, pessoalmente, realizou a execução, auxiliado por outros cabras, dentre os quais se salientou Volta Seca que sangrava as vítimas depois de baleadas e que, após a chacina, ainda andou publicamente lambendo a lámina do punhal ensanguentado, reclamando que o padrinho Lampião só lhe dera quatro macacos para sangrar. Labareda diz, em seu relato, que Volta Seca o que fez foi por ordem de Lampião que tinha que ser obedecido. Diz também, que ele tomou parte no massacre igual com os outros, juntamente com os grandes do cangaço.
Segundo depõe Labareda, quando Lampião deu ordem para a matança dos soldados, houve tiros, e muita gente correu pensando que tinha irrompido uma "brigada". Acrescenta ele que uns dois macacos morreram de "fazer gosto", enquanto os outros esmoreceram. Só pediam para viver. Houve o caso de uma anspeçada, homem carregado de filhos, que chegou a se ajoelhar e rogar que não o matasse porque ele daria baixa da polícia. Lampião não o poupou, dizendo-lhe: - " Quando eu encontro macaco da Bahia, mesmo que esteja com os dedos furados de rezar rosário, eu não perdôo". E executou o pobre homem que tinha uma família numerosa de nada menos de nove filhos.
Nome dos Mortos:- Soldados: Olímpio de Oliveira; Aristides G. de Sousa: José Antônio Nascimento; Inácio Oliveira; Antonio José da Silva; Pedro Antônio da Silva e anspeçada Justino N. da Silva.
Fonte:( Nonato Marques. in Santo Antônio das Queimadas. pag.142)
Não foi tarefa das mais fáceis conseguir entrevistar o sargento Evaristo, aos 85 anos de idade, vivendo modesta e anonimamente na cidade de Santaluz, único sobrevivente daquela chacina. todos os seus amigos, mesmo os mais íntimos, sabem-no um homem ainda profundamente abalado pelos acontecimentos trágicos e inesquecíveis daquela antevéspera do natal de 1929. Pr outro lado, Evaristo se acha bastante enfermo, com sérios problemas circulatórios e cardiovasculares. conseguir fotografá-lo, por exemplo, foi uma dificuldade que durou meses.
Ter escapado das garras de Lampião e seus facínoras com vida deixou-o, além de traumatizado, com forte complexo de culpa, já que todos os seus comandados foram massacrados friamente, às suas vistas, sem que ele nada pudesse fazer. A partir daquele dia o sargento Evaristo se tem terminantemente recusado a abordar o assunto: nunca deus entrevista a jornalista, jamais recebeu em sua casa estudioso do fenômeno cangaço, em tempo algum permitiu que alguém tocasse no assunto, mesmo de leve, mesmo indiretamente. E todos que com ele convivem sabem-no um homem reservado, criterioso, sistemático, a ponto de não permitir brecha para que aqueles fatos sejam ventilados. Considero, pois, uma façanha não propriamente o ter entrevistado, mas conseguir que ele, de propósito, aceitasse repassar o assunto. tive de apelar para velhas amizades de família - do meu avô e do meu pai ele foi amigo íntimo.
- Eu me considero um homem protegido por Deus- afinal consegui escapar tanto das garras dos bandidos como da própria justiça que me julgou após a chacina de Queimadas. fui acusado de dessídia, de negligência, de ter feito pouco caso do perigo que Lampião representava para aquela comunidade estava sob minha proteção. Respondi a um inquérito que me deu muitas dores de cabeça. Por todos os lados eu só escutava a palavra: " culpado". Houve até quem sugerisse que eu deveria me suicidar. Mas suicidar por que? Eu fora poupado pela proteção Divina, minha hora não havia chegado, como é que me davam um conselho estúpido daquele? Foi, graças a Deus e a habilidade de dois grandes advogados- Gilberto Valente e Nestor Duarte- que fui absolvido...por unanimidade. na verdade eu não entendia porque me acusavam de negligente: eu não tinha realmente conhecimento da presença do bando de Lampião naquela zona. a última notícia que me chegara aos ouvidos era de que o grupo se achava lá pros lados de Capela, em Sergipe. Como é que eu poderia imaginar que eles chegariam de repente em Queimadas?
- No dia seguinte que estive à mercê dos bandidos não avreditei escapar de jeito nenhum com vida. Eles não chegaram a me maltratar, mas um deles por mais de uma vez sussurou juntinho de mim: " mais tarde o galo vai cantar nos deus ouvidos". E aquela desgraça ocorreu justamente ba vespera de eu viajar para Salvador, a fim de ir buscar o soldo dos soldados que, naquela época, recebiam seus vencimentos na capital, por meu intermédio.
- Quando foi concluído o inquérito a que o senhor respondeu?
_ Em 1931. Fui (e repito) absolvido por unanimidade. E ainda ganhei um elogio de Auditoria, através do major Alcebíades Calmon de Passos. Disse ele:" Quem lhe absolveu não foram os advogados, nem os jurados, nem ninguém. Foi a sua própria conduta de 21 anos de comportamento sem jaça".
- Como militar, onde o senhor serviu?
- Em Camaçari, Belmonte, Conceição do Coité (2 vezes), Santaluz, Itiúba, Senhor do Bonfim, Juazeiro, Casa Nova, Barra (2 vezes), Carinhanha, Rio Branco (antigo urubu, hoje Ubatinga), Barreiras, Nova Soure, Cipó, Monte Santo. Andei por este mundo afora jogado de um lado para o outro, feito bola em campo de futebol. O caso é que eu sempre fui muito rebelde a certo tipo de autoridade autoritária. Estive ainda em Queimadas e em Santo Antonio de Jesus...
Para Nilton Oliveira, 52 anos, casado, negociante da cidade de santaluz, o sargento Evaristo é um homem metódico, até certo ponto arejado, iste é, um homem com hábito comum de leitura. Além de ser uma criatura muito bem relacionada na cidade de Santaluz, tendo ali exercido a profissão de comerciante varejista de gêneros alimentícios durante décadas, o que deixou por força da idade.
Em Santaluz o sargento Evaristo por duas ou três vezes exerceu o cargo de delegado de polícia, posição que desempenhou com dignidade e zelo. Como amigo- finalizou - é um homem dotado de qualidades exemplares.
Para Hiran Carvalho Barreto, 43 anos, casado, atual prefeito de Santaluz, o sargento Evaristo é uma pessoa " com quem mantenho os mais estreitos e íntimos laços de amizade e companheirismo, por ser excepcionalmente honesto, leal, homem de palavra, caráter incomum".
As atividades atuais do sargento Evaristo se resumem em ler diariamente a biblia ( continua crente fervoroso Batista), receber amigos em sua casa para prosa amena sobre os diversos problemas atinentes ao país, à Bahia e á sua comunidade. Ele confessa não passar sem ouvir, todas as manhãs, " O Trabuco", pela Rádio Bandeirante de São Paulo, apresentado pelo veterano e cáustico Vicente Leporacem não deixando de ser, sobretudo, um homem profundamente solitário.
Nota: O sargento Evaristo faleceu pouvo tempo depois de haver sido publicada essa reportagem.
Fonte: (Nonato Marques. Santo Antonio das Queimadas. pag.155/1
DEPOIS DA MATANÇA O JANTAR- Queimadas, dezembro de 1929.
A dona da Pensão se chamava Júlia, mulher um tanto corpulenta, cadeiruda, já andando, na ocasião, pela casa dos quarentas anos. Era, portanto, uma madurona vistosa. Para ela Lampião mandou por João Balaio o seguinte Bilhete:
" Sra D. Júlia
Por este portador mande 500$000 sob pena de pedir mais- Lampião".
E pelo mesmo portador mandou um recado: que preparasse jantar paea ele e para os companheiros. Ao que Júlia teria respondido que não preparava jantar nenhum, que fossem comer no inferno. João Balaio dá a resposta e Lampião ruma para a Pensão, a fim de tirar satisfação.
Júlia é ameaçada de morte, mas se desmancha em desculpas, enquanto João Balaio foge espavorido. Nada aconteceu além disso, porque Júlia conseguiu convencer a Lampião não ter dito que " não preparava o jantar".
Lampião, jantando, declarou que desejava viver sossegado em lugar se o governo não o perseguisse. Nessa mesma ocasião do jantar, um dos bandidos disse, com ar de galhofa: - que " os soldados presos estavam com uma febre desconhecida e que davam uma tremedeira e caíam" e perguntou às pessoas que por ali estavam se " não tinham ouvido os estalos do cafuné?.
Os caixeiros viajantes que ali estavam hospedados, serviram de garçons, juntamente com o Prof. Antonino Rocha, funcionário do Estado, que estava de passagem por Queimadas.
Fonte: (Nonato Maques. Santo Antônio das Queimadas. pag. 144)
Lampião assiste cinema- trecho do livro " Santo Antônio das Queimadas" de Nonato Marques.
Após jantar, arrotando e palitando os dentes, Lampião e sua gang se dirigem para a Sociedade Filarmônica Recreio Queimadense, clube musical então presidido por Durval Marques da Silva. No salão principal funcionava semanalmente um pequeno cinema mudo que, nesse domingo, anunciava a projeção de uma fita intitulada Ninho de Amor. O cineminha era de propriedade de Umbelino Santana.
Carta de Lampião ao Governador
Na parede do comprido salão da Sociedade, Lampião garatujou a lápis a seguinte carta ao Governador do Estado:
"22 de dezembro de 29
Peço desculpa ao Governadô em EU Capt. Lampeão dar Este Paceio aqui Em Queimadas e assenti Em Um Senema lhe digo deveria não Endoide Seu Governadô Vitá Suor apois com sua Perceguição
Estou Engordando até penço que vou E mé cazar.
Virgulino Ferreira Lampião
Governadô do Sertão."
Escrita a carta neste diapasão de chicana, Lampião mandou passar a fita programada, mas, pouco tempo depois se aborreceu e mandou parar a projeção.
Depois te tudo um forró ( passagem de Lampião em Queimadas -1929)
Junto ao cinema morava Félix Rato ( pedreiro, mestre-de-obras) em casa que ainda hoje existe do mesmo jeito que era naquela época. Para lá Lampião se dirigiu com seu grupo. E em poucas horas, arrumaram uma festa que se prolongou até cerca de 3 horas da madrugada.
Labareda, ao rememorar o fato, diz que de noite foram dançar na Intendência, com luz de motor, o que é um equívoco. A festa foi mesmo na casa de Félix Rato, o mestre "grau" que tantas coisas construiu em Queimadas.
A propósito, informa Labareda: " Lampião preveniu os cabras que num quiria farta de respeito com as famía. Us pessoá quiria mulé foi percurá as muié sortera nas ponta de rua. Elas inté chamava a gente pra ganhá seu dinheiro..."
A informação é absolutamente correta. Apesar de terem comparecido obrigadas (é claro), as " moça novinha, as mulé casada e as sortera, tudo junto, e os furdunço das dança pela noite toda," como relembrou Labareda, o baile transcorreu sem nenhum atentado a moral.
Começaram dançando apetrechados , como estavam, armados com dois punhais, dois revólveres e fuzil. Como o apetrecho era muito incômodo e dificultava os passos, desarmaram-se, mas as portas ficaram guarnecidas por outros cabras que ficaram rondando por fora como sentinelas.
Fonte: (Nonato Marques.Santo Antônio das Queimadas. pag. 145)
RELATO ISAAC PINTO DA SILVA, DE ITIÚBA.
"Da Tapera eles desceram para Camandaroba. Daí foram batê na Queimadas. Chegaram lá de noite. Cortaram o fio do telegrafo. Prenderam os soldado que tinha. Soltaram os presos e deixaram os soldados presos. E dançaram a noite todinha. No outro dia, só era chamando de um e um. E era só atirando e o Volta Seca sangrano. Mataram os sete. A finada Delmira e o finado Baró iam para a Várzea da Roça de tardezinha. O Baró tinha um cavalo e ele levava a mulher na garupa. Quando viram, se toparam de testa. Eles correram".
RELATO DE ROBÉRIO PONTO DE AZEREDO DE ITIÚBA
"Ele aí desceu em Dezembro de 1929. Eu era bem menino e vi a hora que chegou o portador na casa do Capitão Aristides. Lampião tentou entrar em Itiúba. Passou pelas cercanias duas vezes. Em 1929, ele desviou e a passagem dele foi para Queimadas. Aquele dia foi trágico. Véspera de Natal. Lampião trucidou sete soldados. Soltou os presos e depois matou um a um. Só deixou um sargento que pediu para ele não matá-lo."
Sabendo dos rumores que Lampião estava nas redondezas, meu pai José Tibúrcio da Silva, ao viajar para Queimadas mandou que minha mãe, Marcionília Pinho da Silva, fosse dormir na casa do cunhado (Martinho Pereira da Silva) que ficava perto, eu Germinia Pinho da Silva tinha apenas seis meses de idade. José Tiburcio da Silva como proprietário da Fazenda Paraíba, transportava daqui peles de ovinos, bovinos e caprinos que levava para Queimadas pois lá havia um curtume que era do Coronel Vicente Ferreira da Silva, que era primo de José Tiburcio da Silva. Ao chegar lá ele deixava as peles para serem curtidas e as que já estavam curtidas ele pegava para trazer, completando a carga com sacas de café que vinham de Jacobina para Queimadas.
Meu pai era dono de uma tropa de oito burros, sendo seu tropeiro o Senhor Higino morador da Fazenda Roda, ao chegar aqui na Vila do Raso, como era conhecido na época, meu pai tinha que ir prestar contas ao Coronel Vicente Ferreira da Silva, pois era ele que dava os fretes para meu pai conduzir. Foi no período desta viagem que Lampião chegou em João Vieira arraial de Araci, no mês de Dezembro de 1928, procurou saber quem era fazendeiro e quem tinha tropas de burros, alguém que se dizia ser amigo de meu pai informou a Lampião sobre meu pai e Lampião mandou o cangaceiro Corisco ir até a Fazenda Paraíba guiado por esta pessoa, pois não sabiam onde era a Fazenda, ao chegar não encontrando ninguém colocaram fogo na casa.
Quando foram cinco horas da manhã, pois eu acordava muito cedo para comer, minha mãe chamou as meninas para ir tirar leite das cabras, pois eu só tomava leite de cabra, ela me levava nos braços, ao chegar na malhada ela avistou o fogo em cima da casa e logo viram os cangaceiros com os fuzis, os burros amarrados e etc.
Ela respeitando os cangaceiros não seguiu, pediu que uma das meninas que ela criava que voltasse na casa do meu tio Martinho para chama-lo para poder encorajá-la, pois ele ia enfrentar eles, ao chegar trazendo consigo nos braços o garoto José Brígido da Silva (Zeles) que tinha apenas dois anos e dois meses de idade, ele se reuniu com minha mãe que estava comigo nos braços, ao se aproximar da fazenda ela avista a fumaça em cima do telhado, pois eles já tinham arrombado a porta e entrado, pegado dinheiro, peças de tecido de seda, saquearam a casa e depois pegaram querosene, que na época meu pai comprava querosene em lata, destelharam a cumeeira da casa ensoparam com o querosene e puseram fogo.
Extraído do blog: Portal do Cangaço de Serrinha,
do amigo Guilherme Machado
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