Por: Alcino Alves Costa
O sertão sempre foi, desde as mais remotas eras, considerado o primo pobre das terras brasileiras. O parente indesejável que vivia – e ainda vive – numa indigência total e absoluta – assim propalam os arautos da descrença sertaneja.
Segundo o arrazoado desses doutores do saber e da verdade, a razão da extremada pobreza sertaneja está no berço de seu nascimento, uma região quase que sem umidade, estéril, praticamente improdutiva e despovoada do interior do país.
Foi naquele mundo de secura que nasceu o Sertão. Suas terras adustas, imprestáveis, não têm serventia alguma; o seu chão arroxeado em algumas partes e brancas em outra é praticamente infecundo e de uma aridez irreversível – assim pensam os habitantes de outras regiões.
Não é verdade.
É nesse mundo que se imagina de carência, pobreza, abandono e solidão que nasceu e vive por toda encosta das eras a caatinga. A caatinga é a filha predileta do sertão. É a sua mocinha amada. A rainha e deusa dos campos sertanejos.
Assim como o sertão, o viver da caatinga passa por períodos de transformações. No verão, sob os rigores do sol ardente, essa vegetação arbustiva perde a exuberância de suas folhagens. Definha e murcha, tornando-se de uma sequidão de dar pena. Estiolados e enfraquecidos pelos terríveis e prolongados verões e pelas tenebrosas secas, esses dois tesouros da natureza – sertão e caatinga – vivem os maiores e mais angustiantes momentos de suas existências.
Contudo, se enganam aqueles que imaginam ser a caatinga e o sertão restos imprestáveis de garranchos e paus secos, jogados ao léu, sem valor nenhum. Puro e ledo engano. Basta que do céu e das nuvens desça a chuva, o bendito e abençoado sangue da terra, no dizer simplório e ao mesmo tempo sábio do caipira, para que aquela mataria que antes parecia morta, esturricada e sem vida, passe por uma transformação milagrosa ao ser impulsionada por uma sublime magia ou um milagre divino que faz brotar de suas entranhas, da força poderosa de suas raízes, troncos e galhos, o verde generoso da fartura e da bonança. E assim, das planícies e vales, viceja o verde e a leguminosa que também são bênçãos generosas de nossa mãe natureza.
Com essa transformação, esse passe de mágica, ou esse milagre do Criador, a caatinga enverdece. O verde enfeita, embeleza, perfuma e alegra a natureza, formando um quadro lindo, um cenário sublime, onde a mão de Deus se faz presente.
Era essa a caatinga de outrora. Era naquele dantes sertão viçoso e maninho que a passarada gorjeava e fazia o seu ninho nos galhos e ramagens de frondosas e seculares árvores. Era aquele sertão o mundo da onça pintada e da suçuarana, da jaguatirica e do gato do mato, do veado e do caititu, do gambá e do tamanduá, do preá e do mocó, do peba e do tatu. Vastas paragens sertanejas, abençoadas e virgens, onde o canário e o cabeço, o galo de campina e o xofreu, o xexéu e a pega, o papagaio, a arara e o periquito festejavam o amanhecer divino dos dias sertanejos. Chão caboclo do canto mavioso do zabelê nos cerrados das caatingas. Rincão de nuvens claras, por onde andorinha, asa branca e garça branca da serra passeavam, voejando em bandos pelos descampados do infinito. Paisagem divina onde as árvores, frondosas e belas, protegiam e guardavam os ninhos da casaca de couro. Mundo fantástico e misterioso da vida pastoril, da vacada pé duro e do boi brabo de ponta limpa. Matas densas e cerradas, paraíso do vaqueiro e do caçador. Caatinga de antigamente.
Hoje vivemos novos costumes e novos métodos de vida. O mundo embocou na modernidade dos tempos. O sertão e a caatinga agonizam nos últimos estertores de irreversíveis e brutais mortes. O que sobrou da fauna e da flora foram restos de um passado glorioso. Nos tempos atuais a caatinga é triste, solitária, desnuda, pobre, aos poucos assassinada pela mão perversa e maldita do homem. Homem mau que usa o machado e a moto-serra para, sem piedade e sem amor, cortar e derrubar as nossas árvores, muitas delas nobres e seculares. Enegrecido homem que usa a sua espingarda assassina para ceifar a vida de pássaros e animais silvestres. Homem sem coração e sem piedade. Homem que não escuta o grito angustiante e dolorido dos valores da natureza que clamam por vida.
A caatinga pede socorro. A caatinga quer viver.
Homens insensíveis dos novos tempos saibam que a caatinga é o símbolo maior do homem do campo. A filha predileta do sertão e a netinha amada de nossa mãe natureza.
Deus salve a nossa caatinga!
Publicado no dia 4 de janeiro de 2007, no JORNAL DA CIDADE, Aracaju – Sergipe.
Publicado nos dias 04 e 10 de fevereiro de 2007, no jornal TRIBUNA DO POVO, de Mundo Novo – Mato Grosso do Sul.
Alcino Alves Costa
O Caipira de Poço Redondo - SE
DESENCANTO DA NATUREZA
Autores: Alcino Alves Costa e Dino Franco
Interpretes: Dino Franco e Mouraí
Eu vejo lá bem distante
Os papagaios voando
Cada vez indo pra longe
Outro habitat buscando
Periquitos e araras
Também vão se retirando
A raposa espreita tudo
Desconfiada, olhando,
E o homem sem piedade
Cruelmente vai matando.
Caçador, caçador,
Com você estou falando,
Não mate a fauna e a flora
Quero vê-las procriando
Muito triste a mata chora
A morte da passarada
Os campos virando cinzas
Com a fúria da queimada
Na sombra da quixabeira
Não se ver onça pintada
Caititu se retirou
Pra bem longe da baixada
Galho seco despencando
Caindo lá da ramada
O homem cortando tudo
Em medonha derrubada.
Roçador, roçador,
Não pegue mais empreitada
Encoste a foice e o machado,
Evite fazer queimada.
O sertão é um paraíso.
Paraíso de esplendor,
Mata virgem, céu azul,
E canário dobrador
Inhanbu piando triste
Quando a tarde furta a cor
Os bichos todos fugindo
Da mira do caçador
O riacho ainda chora
A mata cheia de flor
E o homem destruindo
As obras do criador
Predador, predador,
Olhai para o que restou
Predador, predador,
Não mate o que Deus criou
Não mate o que Deus criou
Transformada num belíssimo cateretê, gravado pela dupla, Dino Franco e Fandangueiro, na faixa 3, do CD “Sertão viola e amor”.
Enviado pelo escritor e pesquisador do cangaço:
Alcino Alves Costa
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